domingo, 27 de novembro de 2011

O discurso ideológico da pesca

Por Tiago Mafra

Mais do mesmo: “Não de somente o peixe, ensina a pescar”. Creio que já passamos desta fase, principalmente quando se sabe que a questão não é propriamente o ensinar a pescar, mas a quem pertence a vara e os apetrechos para o desenvolvimento da pesca.

A desigualdade social presente em nossa sociedade é fruto do modo de vida e produção a que estamos submetidos. Esse sistema nos viola a todo dia, nos impede de sermos plenamente cidadão e de buscarmos coletivamente as respostas para as questões problemáticas e as situações críticas que enfrentamos.

Tendemos a colocar unicamente no indivíduo a culpa, como se este fosse o responsável por não conseguir pescar. Como afirma o sociólogo Zygmunt Bauman, “tendemos a culpabilizar o indivíduo em questões exteriores a ele, não geradas por ele, mas sofridas por ele. Somos impelidos a buscar soluções biográficas para questões sistêmicas”.

Assim, em tempos de crise, voltam os apelos para o “resgate do espírito empreendedor”, do “protagonismo”, da independência em relação ao Estado. Cabe salientar que independência em relação ao Estado, na atua conjuntura, nos leva a uma dependência do mercado, que não perdoa e explora das mais diversas formas o trabalhador e todos os seus espaços de vivencia.

Precisamos sim de protagonistas, mas daqueles que se reconhecem como componentes de algo maior, de um grupo que partilha das mesmas necessidades de classe e que pode a partir daí, construir conjuntamente o poder de forma reflexiva, crítica e legítima. Esse protagonismo reconhece primeiramente, que o problema não é o próprio indivíduo, mas a estrutura que o cerca, para então, poder propor algo novo.

A ONU alerta que juntamente com os demais países da América Latina, o Brasil compõe a área mais desigual do mundo. Ou seja: carece de distribuição de renda, terra e de controle das informações, para poder tomar em suas mãos os rumos de sua existêcia.
O geógrafo negro Milton Santos, certa vez escreveu que tempos de crise estrutural requerem remédios estruturais.

Não nos enganemos pelo discurso da culpabilização individual. O país carece de reforma agrária, distribuição de renda e a construção de espaços efetivamente democráticos, onde o povo seja capaz de aprender e de decidir sem intermediações. Talvez nesse dia, possamos falar em ensinar a pescar, pois os instrumentos da pesca serão de todos.

Tiago Barbosa Mafra, Professor de História e Geografia na rede municipal de ensino de Poços de Caldas e no pré-vestibular comunitário Educafro.

Música de Domigo – Heavy Meytal do Senhor (Zeca Baleiro)

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Europa desolada

Cenário político europeu é desolador, avalia professor


Ana Cláudia Barros, no Terra Magazine

Os primeiros seis meses de governo serão um duro teste para o conservador Mariano Rajoy, eleito primeiro-ministro da Espanha no último domingo (20) em meio a uma das maiores crises econômicas enfrentadas pelo País nos últimos anos. A análise é do especialista em relações internacionais Virgílio Arraes, da Universidade de Brasília (UnB). O Partido Popular (PP), liderado por Rajoy, impôs uma derrota histórica ao Partido Socialista Operário Espanhol, de José Luís Rodríguez Zapatero, que deixa o poder após dois mandatos à frente do Executivo. Mesmo com maioria absoluta no Congresso, o novo primeiro-ministro terá, entre os primeiros desafios, que convencer o Parlamento a adotar as medidas de efeito recessivo exigidas pela Alemanha, conforme destaca Arraes.


- A Alemanha espera que a Espanha se torne o exemplo da União Europeia no sentido de corrigir as chamadas "distorções" que ocorreram nos últimos anos e que fizeram com que a União Europeia não estivesse preparada para enfrentar a crise irradiada pelos Estados Unidos no final de 2008. Neste sentido, os conservadores na Espanha avisaram que, com a vitória, vão aplicar uma série de medidas de efeito recessivo. Vamos ver se o Parlamento vai aprovar os projetos de lei recomendados por Bruxelas, pela União Europeia. Pode haver ainda uma pressão do eleitorado no sentido de que essas medidas sejam amenizadas. A segunda fase, caso sejam aprovados os projetos, é ver se a situação no País vai de fato melhorar.

Para o professor, um outro aspecto a ser observado é o posicionamento adotado pelos socialistas, agora no papel de oposição.

- Seria uma incoerência não apoiarem as medidas de caráter recessivo que têm sido aplicadas por eles. Mas, ao mesmo tempo, como eles são oposição agora, provavelmente vão se colocar contrários. Isso desanima ainda mais o eleitor espanhol, que vê, no fundo, apenas um rodízio entre elites partidárias - afirma, explicando que a vitória esmagadora do PP, partido de centro-direita, não significou, necessariamente, um crescimento do eleitorado conservador.

Arraes enfatiza que na Espanha, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países do continente, o índice de não comparecimento às urnas foi superior ao verificado nos últimos anos, revelando, segundo ele, um "desânimo em relação à política efetivada hoje pela União Europeia".

- As duas grandes correntes políticas comungam do mesmo posicionamento, independentemente do nome que a sigla sustente, como é o caso da Espanha. Foram socialistas que iniciaram medidas anti-sociais. Neste sentido, o eleitorado dos partidos conservadores na Europa não aumenta muito. Ele se situa mais ou menos no que era há alguns anos, mas a abstenção, somada à desilusão com os socialistas, fez com que proporcionalmente os conservadores tenham tido mais votos nestes últimos pleitos.

Na avaliação do especialista, a classe média, a mais afetada pela crise, não encontra representatividade nos partidos políticos.

- Há uma revolta da classe média, mas essa revolta não tem eco nos partidos políticos da Europa. Não há nenhum partido , com peso em seus respectivos países, que possa se contrapor às exigências que estão sendo feitas hoje pela Alemanha, basicamente. O descontentamento que existe na Grécia, Portugal, Irlanda, Itália é porque a população está sendo convocada, e não convidada, a pagar os custos de uma conta que vem do setor financeiro. Setor financeiro que não está sendo responsabilizado pela crise.

"Cenário desolador"

Na análise de Virgílio Arraes, o cenário hoje na política europeia é "desolador porque não há coerência no dia a dia dos partidos".

- A União Europeia se desloca em função dos interesses de sua própria burocracia e de grandes corporações existentes nela. Durante décadas, acreditou-se que o melhor para a Europa seria uma tecnocracia desnacionalizada, uma tecnocracia que não se deixasse influenciar pelas paixões locais, pelo ritmo eleitoral de cada um dos países e, de certa forma, enquanto no período da Guerra Fria a vida dos europeus melhorou, a população não prestava muita atenção no deslocamento de poder do seu país para uma união supranacional. Mas a partir dos anos 90, com o fim da União Soviética, isso tudo começa a ser desmontado. No século XXI, é ainda mais intensificado, porque os dirigentes, as grandes corporações começam a alegar que, caso os direitos sociais sejam mantidos na escala em que estão, a Europa não teria mais condições de competir com países da Ásia e da América do Sul.

Para o professor da Unb, esta ótica, alicerçada na competitividade e na produtividade, deve ser submetida a questionamentos.

- O importante é saber se vale a pena isso. Se é interessante que daqui a dez, 15 anos, um europeu tenha condições de vida próximas a de um trabalhador chinês, por exemplo. Se a China é o exemplo do futuro, então, esse sistema todo,construído durante mais de 100 anos, através das lutas sociais, perdeu o sentido.O preocupante é que, positivo ou negativo, a Europa e, depois da Segunda Guerra, os Estados Unidos, foram espelhos do ocidente. Se a classe média na Europa e nos Estados Unidos têm uma queda no seu nível de vida em nome de uma competitividade, isso, certamente vai ter impacto no resto do mundo.

De acordo com ele, esse é um momento-chave para a União Europeia.

- Primeiro, foram países periféricos atingidos pela crise, agora, países médios, como a Itália. E o preocupante é que a França pode ser a próxima. Então, a questão é repensar se a forma como a União Europeia foi estruturada nos últimos anos está correta. Se até os países mais fortes estão entrando numa crise que se iniciou há três anos, então, é a hora de se repensar se é a União Europeia que não está adequada ao momento econômico, e não seus membros.

Arraes entende que todo o sacrifício imposto pelas medidas de contenção da crise, como aumento de impostos, redução de direitos trabalhistas, pode ser em vão.

- A hora é de rever a própria União Europeia. Não pensar o seu fim ou numa suspensão, como parte da elite inglesa acredita. Mas avaliar se uma União Europeia, moldada nos interesses de uma tecnocracia insensível que só se lastreia em números, resultados, e não nas pessoas, se esse modelo realmente teve êxito. Não é o momento de se questionar as políticas nacionais, mas sim, as regras da União Europeia. A crise não é de fato mundial. Ela não atingiu a Ásia nem a América Latina com a mesma intensidade com que está atingindo a União Europeia. É preciso pensar em reformar a União Europeia, e não de sacrificar, pouco a pouco, os próprios países membros.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Michael Schlecht, deputado e economista alemão: "A democracia europeia afunda nos braços das finanças"


"A democracia está desaparecendo na Europa", diz líder da esquerda alemã


Cai o primeiro ministro-grego Yorgos Papandreu, substituído por um emissário do sistema bancário. Cai o presidente do Conselho Italiano, Silvio Berlusconi, substituído por outro tecnocrata interlocutor do sistema financeiro. A crise da dívida cobrou mais do que estas duas vítimas: na Espanha modificou a agenda eleitoral; em Portugal os partidos implementaram reformas ditadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e pelo BCE (Banco Central Europeu); na Irlanda o desastre conduziu ao mesmo beco sem saída. A democracia europeia se converteu em uma democracia de banqueiros. A vontade das maiorias foi substituída por dirigentes saídos do coração dos bancos e que jamais se expuseram ao voto nem conquistaram nunca um mandato eletivo. O medo das urnas, ou seja, que o eleitorado rejeite os ajustes e a guilhotina social, conduz a colocar marionetes dos bancos à frente do Estado. Nunca como agora a ditadura dos mercados havia forçado o destino dos povos. As agências de qualificação desfazem as maiorias eleitas e as substituem por representantes da racionalidade financeira, as contas sem déficits e artesãos da decapitação social.

A democracia europeia afunda nos braços das finanças. O continente da liberdade se transformou em continente “Wall Street”. Gestores das finanças e dos bancos, sem a menor legitimidade democrática, chegam ao poder com o pôquer dos ajustes. O deputado e economista alemão Michael Schlecht, responsável pelo bloco parlamentar do partido Die Linke (A Esquerda) analisa nesta entrevista o transtorno das democracias européias e denuncia o papel que desempenhou o capitalismo alemão nesta mega crise. Para Michael Schlecht, a democracia está se evaporando do Velho Continente.

A democracia Européia está sendo construída pelos bancos, não pelos eleitores que decidem por uma maioria? Para além do que pensemos deles, Papandreu e Berlusconi são as vítimas mais recentes desta nova doutrina?
A resposta é muito simples. A democracia está desaparecendo dia após dia na Europa. Por exemplo, quando no dia cinco de junho passado se organizaram as eleições em Portugal, a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu, União Européia) pediu aos dois partidos políticos portugueses que tinham chances de ganhar as eleições que assinassem um acordo diante do qual se comprometessem em implementar as condições impostas pela Troika. Agora isso aconteceu com a Grécia e é a vez da Itália. Por conseguinte, pode-se dizer que os portugueses não tiveram eleições verdadeiramente livres. Foi usada uma arma contra eles. Na realidade, com esta política européia, a Alemanha está defendendo com unhas e dentes os interesses financeiros, os interesses do mercado. O governo de Angela Merkel tem uma atitude muito agressiva neste ponto. É uma agressão sem tanques. Mas o resultado é o mesmo.

Isso equivale dizer que a Alemanha é hoje a grande polícia financeira da Europa? A Alemanha, junto com a França, foi a vanguarda da substituição de poderes surgidos das urnas por tecnocratas teleguiados pelos bancos?

O que a Alemanha está fazendo é dando seu acordo ao que está ocorrendo. A Alemanha está preparando o terreno porque tem um excedente de exportações muito maior que suas importações. Nos últimos dez anos o excedente alemão alcançou um trilhão de euros. Por outro lado, este excedente gigantesco acarreta uma contrapartida da outra parte: faz com que a dívida cresça nos países importadores. Cerca de 50 ou 60% da dívida criada por esta política alemã aparece nas contas dos demais países da Europa. Todos falam da dívida na Europa, mas ninguém diz nada sobre o país que ganha muito com esta dívida. E este país é a Alemanha. A dívida dos países europeus é o resultado da política alemã no Velho Continente.

O núcleo desta política é o dumping dos salários. Nos últimos dez anos tivemos um dumping salarial que chega a 5%, e isso sem considerar a inflação. Nenhum outro país da Europa conhece uma situação semelhante derivada do dumping salarial. Esta política de dumping equivale a colocar uma metralhadora nas mãos dos capitalistas alemães. É uma arma muito destrutiva. No século passado, a Europa estava arrasada pelos tanques alemães. Agora está arrasada pela política de Angela Merkel.

A desaparição da democracia na Europa é um fato considerável. O Velho Continente é o berço da democracia. É um péssimo exemplo para o mundo. Por acaso não é o fim do poder e dos valores da Europa sobre o resto do planeta?

Veremos o que nos diz o futuro. Acho que, no próximo ano, os povos da Europa podem lutar e levantar-se em defesa dos interesses da democracia e contra os mercados financeiros. Aí teremos uma possibilidade de restabelecer a democracia na Europa. Esta é a luta da esquerda alemã neste momento.

Você acha realmente que haverá um povo mais forte disposto a encarar a luta? Por acaso não é tarde demais, por acaso a ideologia do consumo não adormeceu as consciências?

Acho que sob as condições que existem hoje podemos ver o surgimento de movimentos sociais fortes, como aconteceu na Grécia. A situação que encontramos na Alemanha incita a isso. A história está aberta para que os povos a escrevam.

O que aconteceu à social-democracia europeia? Embora seu inimigo ideológico, o ultraliberalismo, tenha cometido todos os erros possíveis e tenha afundado o planeta, o discurso da social-democracia não tem liga, não gera confiança. É uma crise da social-democracia ou uma crise do eleitorado?

As duas coisas. Estou convencido de que, dentro de um futuro imediato, teremos uma explosão na zona do euro. Teremos que escrever nos livros de história que os social-democratas alemães, junto ao partido verde, foram o poder político que gerou as medidas que conduzirão ao fim do euro. Os social-democratas e os verdes iniciaram o dumping salarial. Essa política é a responsável pelo que acontece hoje.

Reconheço o drama total que há neste momento na Europa por culpa desta situação. Durante muitos, muitos anos, foi necessário que, na Europa Central, houvesse guerras e morte. Depois de 1945 e pela primeira vez na história, tivemos 70 anos de paz, o que é totalmente anormal. A paz neste continente é uma anomalia.

Se olharmos a história da Europa notaremos que nunca antes tivemos 70 anos de paz seguidos. Agora, esta paz é o resultado dos intercâmbios de idéias e de mercadorias que se levou a cabo sob o abrigo da construção européia. Mas, se este abrigo se esfacela e cai sobre a cabeça dos povos, a situação se torna muito inquietante e perigosa. Talvez voltemos à mesma situação. Vamos tratar de melhorar o movimento de esquerda sob estas novas condições, vamos explicar melhor nossa política para ganhar a batalha.

domingo, 20 de novembro de 2011

Música de Domingo – Dirty Mac

The Dirty Mac foi uma criação de John Lennon. Formada por Lennon na guitarra base e vocal, Eric Clapton na Guitarra solo, Keith Richards no baixo (!!!) e, Mitch Mitchell na bateria.
Os músicos se juntaram especialmente, e exclusivamente, para tocar Yer Blues – composição de Lennon-McCartney e lançada pelos Beatles no White Album – durante o The Rolling Stones Rock and Roll Circus, um festival de Rock dentro de um circo. Ideia surgida da cabeça de Mick Jagger.



sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tariq Ali: precisamos de novas formações políticas


Pescado na Fundação Lauro Campos


O historiador, novelista e ativista Tariq Ali, membro do Conselho Editorial de Sin Permiso, falou com Firas Khatib para a revista al-Akhbar sobre os desafios que enfrentam as Revoltas Árabes, o futuro da política dos EUA no Oriente Médio, depois da "retirada de tropas" do Iraque, e a importância da tomada de ruas e praças de cidades no mundo todo pelo atual movimento de dissenso.

As revoltas árabes

Firas Khatib: Você concorda com o argumento de que a mudança no mundo árabe foi incompleta?

Tariq Ali: Estou a favor dos levantes massivos no mundo árabe. Quando recém surgiram, os comparei com a Europa de 1848. [Então] houve imensos levantes que estabeleceram o quadro geral dos cem anos seguintes. Mas, quando ocorreram estes levantes na Europa, houve muitas derrotas e reveses, e penso que é o que provavelmente vamos presenciar e viver. Espero que não seja assim, mas, até agora, parece que as autoridades recuperarão a situação, prometendo umas poucas reformas por aqui e por ali, enquanto mantém em seu lugar o sistema. É o que está acontecendo na Tunísia e no Egito.

Líbia é outra história totalmente diferente, onde intervém o Ocidente, supostamente pelos direitos humanos e para evitar que Bengasi fosse tomada por Kadafi, e termina por combater na guerra, e a OTAN vem bombardeando este país durante mais de seis meses. E os resultados, a meu ver, serão uma bagunça. Argumentei que, quem quer que ganhe na Líbia, o povo líbio vai perder, em virtude do que está acontecendo. A Líbia é importante para eles não pela sua geografia, mas pela sua geologia: contém imensas reservas de petróleo e gás natural e não permitirão que lhes fuja do controle.

FK: Se passaram meses desde a explosão da "Primavera Árabe". Como avalia a reação de Obama?

TA: A reação inicial dos EUA foi de surpresa e medo. Surpresa porque isso havia acontecido e estava aumentando, e temor de que pudesse derrubar toda a fachada na região, com conseqüências imprevistas e imprevisíveis. Na Tunísia, os estadunidenses trataram tardiamente, através dos franceses, de manter Ben Ali no poder. O governo francês, Sarkozy e seu ministro de Defesa, ofereceram enviar soldados franceses para manter Ben Ali no poder, mas era tarde demais. Ben Ali já ia de avião à Arábia Saudita.

No Egito, trataram de controlar a situação, primeiro com a esperança de manter Mubarak no poder. Logo começaram numerosas negociações nos bastidores e, finalmente, notando que a situação podia ficar fora de controle e possivelmente levar a disputas no exército, os EUA aceitaram que Mubarak devia ir embora, portanto lhe colocaram uma camisa de força e o arrastaram, gritando e lutando, fora da cena política. E depois temos uma situação na qual sacrificaram Mubarak, mas querem ficar, persistir, como fazem no Paquistão, na Tunísia e em outros países onde as forças da morte e os ditadores foram removidos. E permitiram que se estabelecesse uma fachada civil, mas foi muito cuidadosamente negociada e coreografada. Não está dando muito bons resultados, porque o ataque de forças de segurança aos manifestantes cristãos na cidade do Cairo na semana passada mostra até que ponto a situação é frágil.

FK: Por que, depois de uma vitória similar para o povo do Egito, houve tantos reveses?

TA: Os levantes de massas são absolutamente vitais para derrubar um ditador, mas o que se coloca depois no lugar se dá com verdadeiros meios políticos. E a respeito disso, é de grande importância o fato de que estes novos movimentos no mundo árabe não tenham produzido novas formações políticas. Nesse aspecto, o contraste com a América do Sul é muito visível. Na América do Sul, durante todos os anos noventa e no Século XXI, estamos diante de uma combinação de massivos movimentos sociais, que produzem novas formas de organizações políticas. Essas organizações participaram de eleições e chegaram ao poder democrática e eleitoralmente, e depois implementaram reformas estruturais, desafiando o controle do capitalismo neoliberal. Não ao capitalismo em seu conjunto, mas esta forma particular de capitalismo. Sem novas formas de organizações políticas, as estruturas políticas existentes como a Irmandade Muçulmana, especialmente no Egito, têm uma imensa vantagem.

Continue lendo aqui

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Música de Feriadão – Especial Oasis


Arrogantes, esnobes, infantis, mimados, ególatras, mauricinhos, plagiadores. Esses são os adjetivos frequentemente usados para definir os irmãos Gallagher. Além, claro, de idiotas pela chata insistência que os próprios Gallagher têm em se comparar aos Beatles. E mesmo quando a discussão vai para o que realmente deveria importar, a qualidade da musica que produzem, a conversa parece não mudar de rumo: “o que matava o Oasis é os Gallagher serem tão arrogantes, esnobes...”.

Será???

Num cenário musical tão pasteurizado onde o bom-mocismo e o politicamente correto se tornaram regra (vide Coldplay, U2 e congêneres), o Oasis fugia a regra e era um suspiro do que ainda podia existir do espirito transgressor e provocador do Rock. As constantes brigas entre Noel e Liam ¬– tanto fora quanto em cima dos palcos – e suas declarações polêmicas denotavam justamente tal espirito avesso às convenções.

E, ao contrário do que muitos imaginavam, os desentendimentos públicos entre os irmãos não se tratava, meramente, de quererem chamar a atenção para si numa estratégia de autopromoção. Prova disso são algumas passagens ocorridas em 1996 e que entraram para o repertorio de polêmicas da banda.

Pouco antes da gravação dum MTV Unplugged, Liam, já nos camarins, alegou não ter condições de se apresentar por conta de uma suposta irritação na garganta, deixando com Noel a responsabilidade pelos vocais. Não demorou muito para Noel divulgar que Liam assistira a apresentação se esbanjando na cerveja e nos charutos. Poucos dias depois Liam deixou novamente o Oasis na mão ao se recusar a acompanha-los numa turnê pelos EEUU. Dessa vez alegando precisar de tempo para arranjar uma nova casa. Quando Liam finalmente resolveu se unir a banda, Noel teve a oportunidade de dar o troco e voltou para a Europa. Acho que não preciso dizer como os fãs ficaram putos com esses fatos. Tudo isso, afinal, não me parece ser uma boa jogada de marketing!!!

Mas vamos à carreira musical. As letras não muito trabalhadas por um lado e de outro a capacidade de Noel em transpor para o terreno musical sentimentos e coisas do cotidiano se tornaram hinos na voz de plateias em todo o mundo e o Oasis rapidamente se tornou a queridinha do público britânico. Uma estreia de arrebentar e milhões de álbuns vendidos depois fizeram o Oasis assumir a invejável posição de principal banda de Rock após a morte de Kurt Cobain.

Os três primeiros álbuns Definitely Maybe (1994) – que ostentou durante doze anos o posto de álbum de estreia mais vendido da história do Reino Unido –, (What's the Story) Morning Glory? (1995) – mais de 23 milhões de cópias vendidas em todo o mundo – e Be Here Now (1997) foram responsáveis por colocar o britpop no topo das paradas dos dois lados do Atlântico criando uma áurea mágica em torno da banda e elevando merecidamente Noel, o mais velho dos Gallagher, a condição de gênio.

Em 1998, apenas quatro anos após seu debute, o Oasis já lançava uma coletânea com 14 faixas só de b-sides, The Mastreplan, e logo essa coletânea se tornaria uma das mais cultuadas de todos os tempos.

Os anos 2000 e os álbuns seguintes não deram ao Oasis o mesmo sucesso da década e álbuns anteriores, contudo ainda continuaram como referência, os shows ainda atraiam multidões e em cima do palco a presença e energia da banda era a mesma – Familiar to Millions, gravado em Wembley em 2000, é dos meus discos ao vivo preferidos – e mesmo com álbuns abaixo daquilo que haviam mostrado antes, conseguiam trazer no mínimo três ou quatro hits.

Pena que a disputa de egos levou o Oasis ao fim após quase vinte anos de uma relação conturbada, porém, a de maior sucesso da música pop pós Nrivana.

Atualmente Liam e o que restou da última formação da banda formaram o Beady Eye e estão em turnê de divulgação do primeiro álbum do grupo Different Gear, Still Speeding, lançado em fevereiro desse ano, enquanto Noel acaba de lançar no Reino Unido Noel Gallagher`s High Flying Birds, seu primeiro trabalho solo.

Quem sabe, para o bem da música e deleite dos fãs, Noel e Liam deem um tempo em seus projetos em separado (e brigas via imprensa) e voltem a subir juntos no mesmo palco. Nem que seja apenas para comemorar os vinte anos de Definitely Maybe. O mundo da música agradeceria.

Discografia:

Álbuns de Estúdio

Definitely Maybe (1994)
(What's the Story) Morning Glory? (1995)
Be Here Now (1997)
Standing on the Shoulder of Giants (2000)
Heathen Chemistry (2002)
Don't Believe the Truth (2005)
Dig Out Your Soul (2008)

Ao vivo

Familiar to Millions (2000)

Coletâneas
The Masterplan (1998)
Stop the Clocks (2006)
Time Flies... 1994-2009 (2010)

Última formação

Liam Gallagher - Voz
Noel Gallagher - Guitarra e Voz
Gem Archer - Guitarra
Andy Bell - Baixo
Chris Sharrock – Bateria

Antigos integrantes

Tony McCarroll - Bateria (1991-1994)
Paul Arthurs - Guitarra (1991-1999)
Paul McGuigan - Baixo (1991-1999)
Alan White - Bateria (1995-2004)
Zak Starkey - Bateria (2004-2008)

















segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Grécia, Itália e os sagazes sarcasmos de Marx sobre os “governos técnicos”

Por Marcello Musto, via Carta Maior

Se retornasse ao debate jornalístico no mundo de hoje, analisando o caráter cíclico e estrutural das crises capitalistas, Marx poderia ser lido com particular interesse hoje na Grécia e na Itália por um motivo especial: a reaparição do “governo técnico”. Na qualidade de articulista do New York Daily Tribune, um dos diários de maior circulação de seu tempo, Marx observou os acontecimentos político-institucionais que levaram ao nascimento de um dos primeiros “governos técnicos” da história, em 1852, na Inglaterra: o gabinete Aberdeen (dezembro de 1852/janeiro de 1855).


A análise de Marx é notável por sua sagacidade e sarcasmo. Enquanto o Times celebrava o acontecimento como um sinal de ingresso “no milênio político, em uma época na qual o espírito de partido está destinado a desaparecer e no qual somente o gênio, a experiência, o trabalho e o patriotismo darão direito a acesso aos cargos públicos”, e pedia para esse governo o apoio dos “homens de todas as tendências”, porque “seus princípios exigem o consenso e o apoio universais”; enquanto os editorialistas do jornal diziam isso, Marx ridicularizava a situação inglesa no artigo “Um governo decrépito. Perspectivas do gabinete de coalizão”, publicado em janeiro de 1853.


O que o Times considerava tão moderno e bem articulado, era apresentado por Marx como uma farsa. Quando a imprensa de Londres anunciou “um ministério composto por homens novos”, Marx declarou que “o mundo ficará um tanto estupefato ao saber que a nova era da história está a ponto de ser inaugurada por cansados e decrépitos octogenários (...), burocratas que participaram de praticamente todos os governos desde o final do século passado, frequentadores assíduos de gabinetes duplamente mortos, por idade e por usura, e só mantidos vivos por artifício”.


Para além do juízo pessoal estava em questão, é claro, o de natureza política. Marx se pergunta: “quando nos promete a desaparição total das lutas entre os partidos, inclusive o desaparecimento dos próprios partidos, o que o Times quer dizer?” A interrogação é, infelizmente, de estrita atualidade no mundo de hoje, no qual o domínio do capital sobre o trabalho voltou a tornar-se tão selvagem como era em meados do século XIX.


A separação entre o “econômico” e o “político”, que diferencia o capitalismo de modos de produção que o precederam, chegou hoje ao seu ápice. A economia não só domina a política, fixando agendas e decisões, como retirou competências e atribuições que eram próprias desta, privando-a do controle democrático a tal ponto que uma mudança de governo já não altera as diretrizes da política econômica e social.


Nos últimos 30 anos, inexoravelmente, o poder de decisão foi sendo transferido da esfera política para a econômica, transformando possíveis decisões políticas em incontestáveis imperativos econômicos que, sob a máscara ideológica do “apolítico”, dissimulam, ao contrário, uma orientação claramente política e de conteúdo absolutamente reacionário. O deslocamento de uma parte da esfera política para a economia, como âmbito separável e inalterável, a passagem do poder dos parlamentos (já suficientemente esvaziados de valor representativo pelos sistemas eleitorais e majoritários e pela revisão autoritária da relação entre Poder Executivo e Poder Legislativo) para os mercados e suas instituições e oligarquias constitui, em nossa época, o maior e mais grave obstáculo interposto no caminho da democracia. As avaliações de Standard & Poor’s, os sinais vindos de Wall Street – esses enormes fetiches da sociedade contemporânea – valem muito mais do que a vontade popular.


No melhor dos casos, o poder político pode intervir na economia (as classes dominantes precisam disso, inclusive, para mitigar as destruições geradas pela anarquia do capitalismo e a violência de suas crises), mas sem que seja possível discutir as regras dessa intervenção e muito menos as opções de fundo.


Exemplos deslumbrantes disso são os acontecimentos dos últimos dias na Grécia e na Itália. Por trás da impostura da noção de um “governo técnico” – ou, como se dizia nos tempos de Marx, do “governo de todos os talentos” – esconde-se a suspensão da política (referendo e eleições estão excluídos), que deve ceder em tudo para a economia. No artigo “Operações de governo” (abril de 1853), Marx afirmou que “o mínimo que se pode dizer do governo de coalizão (“técnico”) é que ele representa a impotência do poder (político) em um momento de transição”. Os governos já não discutem as diretrizes econômicas, mas, ao contrário, as diretrizes econômicas é que são as parteiras dos governos.


No caso da Itália, a lista de seus pontos programáticos ficou clara em uma carta (que deveria ter sido secreta) dirigida pelo Banco Central europeu ao governo Berlusconi. Para “recuperar a confiança” dos mercados, é preciso avançar pela via das “reformas estruturais” – expressão que se tornou sinônimo de dano social – ou seja, redução de salários, revisão de direitos trabalhistas em matéria de contratações e demissões, aumento da idade de aposentadoria e privatizações em grande escala. Os novos “governos técnicos” encabeçados por homens crescidos sob o teto de algumas das principais instituições responsáveis pela crise (veja-se os currículos de Papademos e de Monti) seguirão esse caminho. Nem é preciso dizer, pelo “bem do país” e pelo “futuro das gerações vindouras”, é claro. Para o paredão com qualquer voz dissonante desse coro.


Mas se a esquerda não quer desaparecer tem que voltar a saber interpretar as verdadeiras causas da crise em curso e ter a coragem de propor e experimentar as respostas radicais exigidas para a sua superação.


Marcello Musto é professor de Ciência Política na Universidade York, de Toronto.


Fonte:
http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=4558

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 13 de novembro de 2011

Léo Lince: O poder corrosivo do dinheiro é o único “valor” de livre curso entre os mantenedores da ordem dominante

Ótimo o artigo de Leo Lince publicado no Correio da Cidadania. Embora faça uma análise em linha histórica da política brasileira a fim de defender o financiamento público de campanhas eleitorais, não há como não fazer a relação com todo o sistema capitalista e a tomada do Estado pelo fascismo de mercado tanto nos EEUU quanto na Europa (vide o que está acontecendo na Grécia). Aqui vai também a dica do último filme de Michael Moore, Capitalismo - Uma História de Amor.

A cidadania desencarnada e o fascismo de mercado


Por Léo Lince no Correio da Cidadania

A história recente do Brasil, do esgarçamento da ditadura militar até os dias de hoje, tem sido feita dos fluxos e refluxos da luta interminável pela afirmação daquilo que foi batizado, nos tempos heróicos da resistência democrática, como “nova cidadania”. Uma poderosa aspiração por mudança, como um espectro que ronda os acontecimentos, tentou se apossar do corpo da política, na busca por conteúdos novos para a democracia e na tentativa de inventar uma nova “gramática do poder”.

O desencanto com a política e o refluxo dos movimentos sociais, marcas indiscutíveis do momento atual, estão situados no reverso daquele impulso. Uma espécie de contraface lógica de um processo que extrapola os limites do conjuntural. São fenômenos lastreados no estrutural e, por conta disto, só podem ser explicados a partir dos percalços da história recente. Definem o perfil da conjuntura política em curso, mas decorrem de causas que vão muito além dela.

O espírito buliçoso da “nova cidadania”, que agitava o âmago de todos os conflitos, pintou e bordou na resistência e no pós-ditadura. Não há fatos da política brasileira nem estruturas da nossa sociedade que tenham conseguido ficar imunes ao impulso renovador do ativismo cidadão. Mesmo golpeado por derrotas parciais, ele ressurgia sempre, transportando para outras frentes de luta o seu inesgotável estoque de esperança.

Em alguns casos essa presença foi explícita e luminosa. Basta ver a enorme fieira das grandes manifestações populares que pontuaram os diferentes momentos do período. O movimento da “Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita”, as “Diretas-Já”, os comícios da campanha pela eleição indireta de Tancredo Neves, o movimento Lula-Brasil nas diretas finalmente reconquistadas, além do Fora Collor, que afastou por corrupto o primeiro presidente eleito depois da ditadura, foram manifestações gigantescas e impressionantes. Concentradas em curto período histórico, elas marcaram época.

Além dos eventos grandiosos, o período desencadeou processos que, como manchas de óleo, aos poucos foram refazendo a fisionomia dos diferentes agentes políticos e sociais. Houve mudanças radicais na agenda de debates de todos os partidos políticos e de todas as estruturas intermediárias de poder da nossa sociedade. Sem falar, claro, dos novos movimentos sociais - sindicalismo renovado, associativismo de moradores, movimentos culturais, ecológicos, feministas, anti-discriminatórios e tantos outros -, todos diretamente ligados ao impulso da “nova cidadania”.

A forte presença de uma aspiração renovadora, apesar dos acontecimentos grandiosos que conseguiu produzir, não logrou fechar o circuito de uma mudança qualitativa no quadro da política. A anistia veio, mas não foi “ampla, geral e irrestrita”. As diretas não foram “já”. Tancredo Neves, depois de refazer o roteiro dos comícios das diretas, ganhou no Colégio Eleitoral, mas agonizou e morreu antes da posse. A coalizão de veto ao regime militar foi hegemonizada, no governo Sarney, pela Aliança Democrática, no cerne da qual se articulavam os setores mais moderados da oposição e os segmentos recém descolados do autoritarismo.

Dependendo do pano de fundo sobre o qual se projetam tais acontecimentos, eles podem ser vistos como derrotas parciais ou vitórias relativas. O vetor resultante foi a chamada “transição intransitiva”, na qual se resgatou a lógica do velho patrimonialismo brasileiro. O rearranjo no interior das elites, a lógica da restauração da ordem a partir de mudanças controladas de cima, padrão recorrente nas grandes crises da nossa vida política, foi a marca constitutiva da chamada “Nova República”.

No milagre econômico da ditadura, a estrutura social foi metamorfoseada no contexto opressivo e de eclipse total no livre jogo da política. Na transição intransitiva, os novos agentes sociais subversivos, apesar da presença forte, não conseguiram se apossar do corpo político. O surto neoliberal, que emergiu no intervalo trevoso do primeiro Fernando e se consolidou na era FHC, contribuiu para embaralhar ainda mais as cartas da política.

A inversão de mão nas relações entre o Estado e a sociedade civil, antiga bandeira dos movimentos sociais, se realizou como simulacro. Onde se queria o Estado controlado pelo ativismo cidadão, tivemos a farsa do Estado mínimo, que na verdade só minimizou o que nele havia de conquistas sociais. O processo de privatização transferiu o patrimônio estatal para os pontos fortes do mercado, onde ele continuará fora do alcance do controle democrático da cidadania.

O deslocamento de forças políticas, antes identificadas com a luta por mudanças radicais nas práticas políticas para o campo conservador alcançou seu ponto culminante com a chegada do PT ao governo central. O “pequeno insolente” virou grandalhão indolente e trocou a “mística radical” pelo intestino grosso da pequena política. A maior liderança popular produzida pelo impulso vindo de baixo, que cresceu na planície como Quixote da classe trabalhadora, serrou de cima no Planalto como o Sancho Pança da restauração oligárquica.

Quando uma época de tantas e tamanhas mudanças não logra se completar como uma mudança de época, o processo político volta a correr na bitola tradicional. O conservadorismo recompõe seu padrão de domínio pelas mágicas do envolvimento e da cooptação e a “nova cidadania” envelhece como uma realidade apenas virtual. Produziu surtos, combinou fulgurações e fugas e, no momento atual, paira sobre os acontecimentos como um espírito desencarnado.

Em tal quadro, a política se apequena como administração e gerência do interesse puro. Um teatro de sombras, sem projetos, nitidez ou transparência, que cuida da mera reprodução da ordem dominante, onde os magnatas do mercado nadam de braçada. Controlam a mídia grande e mandam nos poderes da República. Máquinas eleitorais, acoitadas em máquinas de governo e financiadas pelas grandes corporações, decretam a falência do voto como instrumento de mudança.

O poder corrosivo do dinheiro é o único “valor” de livre curso entre os mantenedores da ordem dominante. Basta ver a fieira interminável de escândalos que começam em obras superfaturadas e terminam nos tesoureiros de campanha eleitoral. O formato atual de financiamento privado de campanha, elo que articula o absolutismo do mercado com a pequena política, é o fator determinante da corrupção sistêmica e da primazia do poder econômico como soberano da política.

A cada nova eleição, a metástase se alastra. Os vitoriosos para a chefia dos executivos (presidente, governadores, prefeitos) serão sempre os que mais gastarem nas campanhas. Em segundo lugar, estarão os segundos também em gastos. Uma exceção ou outra, aqui ou acolá, confirma a regra geral. O peso do poder econômico no resultado eleitoral se tornou ostensivo e despudorado.

Nos legislativos, a mesma história. Reduziu-se o espaço dos candidatos de opinião, sejam eles de esquerda, centro ou direita. Usassem macacões como pilotos de corrida, os parlamentares ostentariam na roupa as logomarcas dos patrocinadores. Ao invés de valores ideológicos e programas partidários, o ordenamento da representação se faz pelo interesse das grandes corporações, como no ideário fascista de Mussolini.

As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Além de caras, se organizam de tal forma que torna impossível a fiscalização efetiva. São pouquíssimos os países que permitem ao candidato arrecadar e gastar fundos de campanha, tarefa que deveria ser de responsabilidade exclusiva das organizações partidárias.

Um seleto grupo de magnatas do poder econômico monopoliza o financiamento de campanha eleitoral no Brasil. Os grandes banqueiros, as empreiteiras gigantescas, os estofadinhos do agronegócio, os mega-exportadores, os novos barões da privatização tucana e das fusões lulistas, além, é claro, da miríade de fornecedores diretos de bens e serviços para o setor público. A conta do financiamento privado é paga em dobro pelo que vaza ou deixa de entrar nos cofres públicos: obras superfaturadas, licenças ambientais criminosas, subsídios suspeitos, sonegação e elisão fiscal, vista grossa para armações cavilosas.

O financiamento privado é a espoleta que aciona a mercantilização geral do processo: a corrosão da representação, a desmoralização das instituições republicanas e a gangsterização da política. Hoje, no Brasil, governar é intermediar negócios. A soberania popular foi substituída no artigo primeiro da Constituição. Agora, “todo poder emana dos financiadores de campanha e em seu nome está sendo exercido”.

A prevalência de tal situação, ancorada nos percalços da história recente, explica o refluxo do ativismo cidadão. Só um novo choque da cidadania reencarnada poderá nos livrar do fascismo de mercado.

Léo Lince é sociólogo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Em carta, MST manifesta solidariedade aos estudantes da USP

Da Página do MST

A terra, assim como a educação, são latifúndios que historicamente sempre estiveram nas mãos da elite brasileira, fazendo com que servissem somente aos seus interesses. Mas ao mesmo tempo, a classe trabalhadora se organizou para lutar contra esses latifúndios. O MST e o Movimento Estudantil são provas dessa organização da classe trabalhadora.

O que se viu na ação da Polícia Militar do último dia 8/11 foi mais uma demonstração da truculência e arbitrariedade com que o governo do estado de São Paulo tem tratado os movimentos sociais nos últimos anos, com a clara intenção de reprimir e criminalizar as lutas e os lutadores sociais que sonham em construir um mundo mais justo.

Porém, essa não é uma ação isolada. Faz parte da estratégia que o capital tem para com o nosso continente: transformar todos os bens em mercadoria. A educação e a terra, para eles, são somente mais uma dessas mercadorias. Da mesma forma acontece em outros países, como por exemplo no Chile e na Colômbia, onde leis de reforma da educação propostas pelos governos tem o claro objetivo de transformar a educação em mercadoria.
Mesmo com os avanços desses processos de privatização da educação, os estudantes seguem se organizando e se mobilizando, como demonstram os estudantes chilenos que estão em luta desde o inicio desse ano e os estudantes colombianos, que há cinco semanas estão em greve e hoje fazem uma grande marcha em defesa da educação pública. Para os estudantes chilenos e colombianos, todo nosso apoio e solidariedade.

É nosso dever e nossa tarefa defender uma educação pública, gratuita e de qualidade para o campo e à cidade. Não podemos permitir mais que fechem escolas no meio rural como vem acontecendo nos últimos 10 anos, onde mais de 37.776 escolas do campo foram fechadas. Temos que defender a autonomia e a democracia dentro das universidades e escolas, com eleição direta para reitores e diretores.
Lutaremos por mais verbas para a educação, tendo na bandeira dos 10% do PIB para educação o nosso instrumento de luta para melhores salários aos professores, aumentar a verba para assistência estudantil, expandir o ensino público com contratação de professores e técnicos administrativos e a melhoria da infraestrutura das escolas e universidades no campo e na cidade.

Repudiamos a ação truculenta e antidemocrática da polícia de São Paulo sob o comando do governador Geraldo Alkmin e do Reitor João Grandinho Rodas. Basta de repressão e criminalização das lutas sociais!

Por esse compromisso histórico do MST com a Educação Brasileira, viemos por meio desta carta demonstrar toda a nossa solidariedade e apoio aos estudantes da Universidade de São Paulo, que lutam por autonomia e democracia nos rumos dessa importante universidade do nosso país para que ela represente de fato os anseios do povo brasileiro.


Direção Nacional do MST

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Mandato Participativo promove 1º Encontro da Juventude



Mandato participativo do vereador Flávio Faria (PT): atitude, trabalho e coerência.

1° ENCONTRO DA JUVENTUDE DE POÇOS DE CALDAS

Prezados amigos,
Venha participar desse encontro, que vai discutir e propor políticas públicas para a juventude, como educação, arte, cultura, fé e política, inclusão dos deficientes, movimento estudantil e outros.(Palestra com Tita.)

Mais informações e inscrições até sexta-feira dia 11/11 até as 14hs pelos telefones 3729-3839 (13 as 18hs) / 9972-3480 ou pelo e-mail professorflavio@camarapocos.mg.gov.br ,são vagas limitadas.Será servido aos participantes café da manha e almoço sem nelhum custo.
Contamos com a sua presença!!

“Seja a mudança que você deseja para o mundo” Mahatma Gandhi

DIA – 12/11/2011
LOCAL – Auditório da Igreja São Sebastião na rua Nico Duarte, 950 – Vila Cruz
HORA – A partir das 8:30


Realização - Mandato Participativo do Vereador Prof° Flávio

domingo, 6 de novembro de 2011

Poços de Caldas, 139 anos de exclusão popular



Uma cidade comemorar 139 anos de História num país jovem como o Brasil poderia ser motivo apenas de júbilo. Ainda mais levando em conta as belezas naturais e arquitetônicas existentes em Poços de Caldas, a cidade em questão. Inegavelmente Poços faz jus à fama nacional que tem: a de ser uma das cidades mais belas do Sudeste. Constatei bem essa fama no período em que a trabalho viajei por boa parte do Brasil e muitas pessoas me indagavam sobre as belezas da cidade. Também ouvi relatos de pessoas, muitas por sinal, que já estiveram em Poços e haviam adorado o lugar.

No entanto nem tudo são flores na "cidade das rosas". A formação da cidade como extensa propriedade particular duma única família, os Junqueira, associada posteriormente, já na segunda metade do século XX, a suspensão formal dos cidadãos poços-caldenses do direito de eleger seus governantes, contribuiu para o amálgama necessário a fim de tornar o patrimonialismo, o coronelismo e a locupletação nos fatores agregadores das elites dominantes e ao mesmo tempo mantenedores do status quo operante duma política de segregação social e popular, gerando a força capaz de cooptar setores insatisfeitos e apaziguar as fissuras existentes dentro das elites.

Se em Poços um lado da moeda é, como mencionei antes, as belezas naturais e arquitetônicas, o outro lado da moeda – devidamente escondido dos turistas e das campanhas publicitárias – é o descaso com a saúde pública, com as condições mínimas de moradia, com a educação de qualidade, com as condições de trabalho, com as manifestações culturais, com a prática da atividade esportiva enquanto agente de socialização, além do autoritarismo e personalismo imposto a população e que a faz desconhecer qualquer diálogo com o poder público.

Poços de Caldas presencia – ou seria melhor afirmar, sempre presenciou – a síntese da exclusão social e da castração da cidadania em todos os seus níveis, tornando-se hoje a exigência de políticas sociais que coloquem o excluído no centro da discussão uma luta quase inglória. Pois acabamos por nos deparar com a lógica persistente na politica local, a da preocupação das elites e seu séquito em locupletar o Estado para que este haja como financiador, facilitador ou sócio em novas empreitadas que tragam lucros para eles próprios.

Por esta História e pelo o que a própria população sente na pele no seu cotidiano é que cada vez mais fica patente a urgência de se romper com o estado de coisas onde a cidade é tratada como feudo em benefício duns poucos, enquanto a população é vista como serva de um poder maior que lhe é alheio. Todavia isso só será possível através da construção de uma alternativa capaz de colocar em pauta os verdadeiros anseios da população, além de enxergar a cidade, a sociedade, a comunidade e as políticas públicas como um todo onde haja a percepção de trazer o povo para centro do debate. Uma alternativa capaz de suplantar o coronelismo, o patrimonialismo e o autoritarismo. Uma alternativa onde a participação popular faça-se fio condutor da implantação de políticas públicas, seja essa participação realizada nos moldes de mecanismos de participação popular direta ou do aumento do grau de representatividade da sociedade (sendo que ambos os casos se complementam).

Não obstante essa alternativa se contrapõe ao antigo, viciado e esclerosado modo de fazer política vivenciado em Poços. Democratizar a politica local parece ser o primeiro passo para a construção dessa alternativa e essa democratização só poderá vir se surgir da conscientização dos próprios cidadãos. Portanto, se não sairmos do conforto de nosso sofá para expressar o que desejamos, deixaremos que outras pessoas – e serão as mesmas de sempre – tomem decisões em nosso lugar. E a História de Poços mostra que essas decisões não levam em conta quase nada, para não dizer nada, daquilo que desejamos.

Música de Domingo -- Skank (Acima do Sol)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Voto distrital, de volta ao Brasil-Colônia


Por Leandro Fortes na Carta Capital

O problema não está no sistema eleitoral, mas na qualidade do eleitor. Quem vota em Paulo Maluf, por exemplo, não vai deixar de ser um mau caráter do voto proporcional para virar uma reserva moral do voto distrital. O que certa direita nervosa pretende, com essa propaganda infantil sobre as benesses do voto distrital, é minar as representações coletivas no Parlamento, sobretudo aquelas vinculadas aos movimentos sociais.

A crescente estruturação desses movimentos, notadamente os de caráter progressista e de origem popular, tem gerado uma ampliação razoável do espectro de representação política no Legislativo e, ato contínuo, pressionado os demais poderes a se curvar a outros interesses, que não só aos dos suspeitos de sempre.

Numa recente palestra que dei aos acampados do MST, em Brasília, esses milhares de trabalhadores que a mídia agora anuncia não mais existirem, ouvi de uma liderança uma explicação definitiva sobre a relação apavorada das elites brasileiras com a dinâmica do movimento: “Eles não estão mais somente preocupados com o fato de ter gente ocupando terras, mas, principalmente, porque essa gente está pensando, discutindo, se preparando para algo maior”.

Esse algo maior é a política. O capital eleitoral dos movimentos sociais é enorme, na verdade, incalculável, mas a dispersão territorial e de objetivos comuns ainda gera distorções de caráter colonial. O fato de a bancada ruralista – de latifundiários, escravagista, reacionária – ser maior do que a de trabalhadores rurais, é só a mais impressionante delas.

A submissão dos governos do PT, ditos progressistas, às tradicionais alianças políticas de governabilidade, mantém o País estagnado na poça cultural do velho acordo das elites nacionais, donde se cria e recria paraísos falsamente plurais de participação popular, desde que sob o comando das mesmas forças de outrora, sejam os coronéis de terras, seja a velha mídia, esta que ora decide que ministros deve a presidenta colocar ou não a correr.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Gol de placa do crime organizado e do agronegócio: Marcelo Freixo deixará o Brasil

”O noticiário sobre a rotina incessante de crimes relacionados aos conflitos no campo não revela as causas de toda essa violência. Traz à tona o seu pior efeito - o assassinato em série de trabalhadores rurais - assim como expõe a incapacidade do governo de proteger a vida das pessoas ameaçadas. Mas não aponta o principal responsável, embora a sua identidade seja notória: o agronegócio.”

Marcelo Freixo



O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) rendeu-se ao exílio forçado por período ainda não determinado após receber inúmeras ameaças de morte e temer a letargia do Estado no tocante à segurança sua e de seus familiares.

Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, da Assembleia Legislativa do Rio, que investigou a atuação de grupos criminosos integrados por políticos, policiais e ex-policiais em comunidades do estado Freixo resolveu aceitar um convite da organização não governamental Anistia Internacional para morar na Europa por algum tempo.

Segundo declaração do deputado: “As ameaças estão se tornando mais fortes e há um retorno muito pequeno da Secretaria de Segurança. Ou seja, se estão ou não investigando. Tenho uma segurança, mas tem sido necessária a ampliação dela. Então, estou esperando algumas medidas".

E ainda conclui: "Esse é um problema de todo o Rio de Janeiro. Aliás, é um problema nacional. Até que ponto nossas autoridades vão continuar empurrando com a barriga. Ou a gente enfrenta e faz agora esse dever de casa contra as milícias ou, como mataram uma juíza, vão matar um deputado, promotores, jornalistas. E, se esses grupos criminosos são capazes de matar uma juíza e ameaçar um deputado, o que eles não fazem com a população que vive na área em que eles dominam".

O gol de placa do crime organizado ao conseguir exilar do país um tenaz combatente das milícias e grande defensor da Democracia, expõe a fragilidade de algumas instituições frente o poder paralelo do narcotráfico e congêneres.

Freixo também tem se destacado ao relacionar a expansão do agronegócio com a violência no campo, além da expulsão de camponeses, pequenos agricultores, trabalhadores rurais e agroextrativistas, bem como do trabalho escravo.

Ruim para o Brasil, bom para as elites. Alguma novidade!?!?