terça-feira, 29 de maio de 2012

Carta Maior: Cachoeira arrumou avião para Demóstenes e "Gilmar"

Na Carta Maior


Escutas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal (PF), com autorização da Justiça, durante a Operação Monte Carlo, questionam se o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, “pegou carona” em um avião fornecido pela quadrilha de Carlinhos Cachoeira, no dia 25 de abril de 2011, quando teria retornado da Alemanha ao Brasil, na companhia do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO).

No dia 23 de abril de 2011, às 19:31, o ex-funcionário da empreiteira Delta e ex-vereador de Goiânia pelo PSDB, Wladimir Garcez, também preso durante a Operação Monte Carlo, diz em ligação a Cachoeira que “o Professor (Demóstenes) está querendo vir de São Paulo no avião do Ataíde” e que “Gilmar” o acompanha. O documento da PF indaga: “Gilmar Mendes?” Cachoeira responde “que pode autorizar” enquanto ele acha o Ataíde.

Ataídes de Oliveira (PSDB-TO) é primeiro-suplente do senador João Ribeiro (PR-TO) e empresário do ramo de construção civil, incluído pela PF na lista de políticos ligados ao contraventor, preso na Operação Monte Carlo.

Às 20:14, Wladimir volta a falar com Cachoeira e informa que está providenciando o avião do Rossini. As investigações da PF indicam que Rossini Aires Guimarães é sócio de Cachoeira em uma empresa de segurança, a Ideal Segurança, e na fazenda Gama, em Brasília.

Cachoeira: Qual é o avião do Rossini?

Wladimir: É um jatinho né, ele tem um que é um jatinho que ele falou, um King Air (na verdade, um bimotor turboélice).

Cachoeira: A, um pequeno né?

Wladimir: é... aí eu peguei falei com ele, ele falou não, não preocupa não que eu organizo. Porque ta vindo ele e o Gilmar né, porque não vai achar vôo sabe.


Às 20:38, ainda no dia 23, Cachoeira pergunta a Wladimir se o senador chega na “segunda cedo”. O ex-vereador informa que “é tudo desconjuntado, ele sai de lá amanhã meio dia, que é sete horas da manhã daqui” e que já deixou tudo acertado. O bicheiro pergunta que horas o vôo chegará em São Paulo e Wladimir responde “ seis horas da manhã”.

No dia 25, às 12:10, Wladimir diz ao bicheiro que o senador já chegou.

Berlim
As declarações recentes de Gilmar Mendes, a propósito de um encontro com Demóstenes em Berlim, fornecem indícios de que o “Gilmar” beneficiado pela carona exposta nesta reportagem seria o ministro do STF, Gilmar Mendes.

À revista Veja, Gilmar Mendes afirmou que se encontrou com Demóstenes em Berlim, na Alemanha, mas negou as acusações de que suas despesas foram pagas por terceiros. Ainda segundo a Veja, o ministro teria uma filha residente em Berlim e, por isso, frequentaria a cidade com regularidade.

Em entrevista à Globonews na noite desta segunda-feira (28), Mendes afirmou que o encontro com Demóstenes aconteceu logo após uma “atividade acadêmica em Granada”. 

Mendes foi à Europa participar de um congresso internacional em homenagem ao jurista italiano Antônio D’Atena, promovido pelo Fundação Peter Häberle e pela Universidade de Granada, da Espanha. O congresso foi aberto no dia 13/4/2011, mas a participação de Mendes se deu na manhã do dia seguinte, com a palestra “A integração na América Latina, a partir do exemplo do Mercosul”. 

A presença de Demóstenes em Berlim, por sua vez, é confirmada por Cachoeira em uma ligação a Wladimir Garcez, interceptada pela PF no dia 18/4/2011, às 18:08 horas.

Não há registros públicos de quais atividades Demóstenes teria ido desenvolver na Europa, mas levantamento feito por Carta Maior demonstra que ele não participou das votações realizadas no plenário do Senado entre 13 e 25/4/2011.

Em nota oficial, Lula manifesta indignação
A assessoria de imprensa do Instituto Lula divulgou nota oficial onde o ex-presidente manifesta indignação com o teor da matéria publicada pela revista Veja. A nota afirma:

Sobre a reportagem da revista Veja publicada nesse final de semana, que apresenta uma versão atribuída ao ministro do STF, Gilmar Mendes, sobre um encontro com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 26 de abril, no escritório e na presença do ex-ministro Nelson Jobim, informamos o seguinte:

1. No dia 26 de abril, o ex-presidente Lula visitou o ex-ministro Nelson Jobim em seu escritório, onde também se encontrava o ministro Gilmar Mendes. A reunião existiu, mas a versão da Veja sobre o teor da conversa é inverídica. “Meu sentimento é de indignação”, disse o ex-presidente, sobre a reportagem.

2. Luiz Inácio Lula da Silva jamais interferiu ou tentou interferir nas decisões do Supremo ou da Procuradoria Geral da República em relação a ação penal do chamado Mensalão, ou a qualquer outro assunto da alçada do Judiciário ou do Ministério Público, nos oito anos em que foi presidente da República.

3. “O procurador Antonio Fernando de Souza apresentou a denúncia do chamado Mensalão ao STF e depois disso foi reconduzido ao cargo. Eu indiquei oito ministros do Supremo e nenhum deles pode registrar qualquer pressão ou injunção minha em favor de quem quer que seja”, afirmou Lula.

4. A autonomia e independência do Judiciário e do Ministério Público sempre foram rigorosamente respeitadas nos seus dois mandatos. O comportamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mesmo, agora que não ocupa nenhum cargo público.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Maior lobby no Congresso, ruralistas controlam 1/4 da Câmara



Por João Fellet

A bancada, considerada por analistas o mais poderoso grupo de interesse no Parlamento brasileiro, vale-se de alianças com outras agremiações no Congresso para promover uma agenda que inclui, entre suas principais principais bandeiras, o perdão às dívidas de agricultores, a expansão de terras cultiváveis no país e a oposição à ampliação de Terras Indígenas.

O último grande embate do grupo com o governo ocorreu em abril, com a aprovação pela Câmara de uma versão do Código Florestal tida como favorável aos agricultores. Espera-se que a presidente Dilma Rousseff vete até o fim desta semana partes da legislação.

Segundo a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), 120 deputados federais e 13 senadores integram a bancada ruralista, perfazendo 23,4% da Câmara e 16% do Senado. Os dados são próximos dos de levantamento feito em 2011 pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), que apontou a existência de 120 deputados e 18 senadores ruralistas.

Na última legislatura (2007-2010), de acordo com o DIAP, 117 deputados federais pertenciam ao grupo (não há dados sobre senadores).

Embora não exista formalmente, a bancada ruralista agrega os parlamentares que, articulados, defendem no Congresso os pleitos do agronegócio. Grande parte de seus integrantes são donos de terra ou empresários dos setores alimentar e agroquímico.

Conquistas

A FPA afirma, porém, que a causa agrária conta com a simpatia de outros 77 deputados, que pertencem à frente mas não endossam todas as suas posições. Somando esses congressistas, a bancada diz influenciar ao menos 41% dos votos na Câmara.

Ruralistas são maior bancada do Congresso Nacional, perfazendo 23,4% da Câmara e 16% do Senado
O peso do grupo explica algumas de suas conquistas recentes: além de impor sua versão do Código Florestal, aprovou em comissão da Câmara, em março, uma PEC (Proposta de Emenda Derrota
Constitucional) que transfere do Executivo ao Legislativo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas. Nesta terça-feira, a bancada aprovou ainda em subcomissão da Câmara a compra de terras por estrangeiros.

Nas três votações acima, o grupo se contrapôs a parlamentares ambientalistas, que integram a Frente Parlamentar Ambientalista. Ainda que seja mais numeroso que a frente agropecuária (com 247 deputados e 21 senadores) o grupo não tem conseguido fazer frente ao agrário.

Segundo especialistas, isso ocorre porque a maior parte dos congressitas que aderiu à frente o fez somente para simular interesse pelas causas ambientais, sem endossá-las na prática.

A bancada ruralista, no entanto, foi derrotada em votação também nesta terça-feira sobre a PEC do Trabalho Escravo. Aprovada por 360 votos a 29, a medida prevê a expropriação de terras onde houver flagrante de exploração laboral. Os ruralistas tentaram esvaziar a votação, questionando a atual definição de trabalho escravo.

Segundo o historiador e assessor do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) Edélcio Vigna, que estuda a bancada ruralista desde 2001, o resultado da votação mostra os limites da articulação do grupo.
Ele afirma que há na bancada "meia dúzia" de líderes, que definem as posições da agremiação e orientam as votações. "O êxito depende de essa meia dúzia chegar a um consenso, difundi-lo em nome da bancada e se articular com outros setores conservadores", diz à BBC Brasil.

Na votação do Código Florestal, por exemplo, o grupo foi endossado por grande parte do PMDB, o partido mais representado na bancada ruralista e principal membro da base do governo no Congresso.

Influência e interesses

A agremiação tem ainda representantes em todas as bancadas estaduais do Congresso e em quase todos os partidos. E a influência do grupo, diz Vigna, vai além: controla a Comissão de Agricultura da Câmara e define o alto escalão do Ministério da Agricultura, hoje chefiado por Mendes Ribeiro (PMDB-RS).
"O ministro serve aos interesses da bancada dentro do Estado", afirma.

O historiador afirma ainda que a influência do agronegócio no Congresso também se apoia no financiamento de campanhas eleitorais.

"Sabemos que há bancos, grandes empresas agroalimentares e agroquímicas financiando as campanhas de ruralistas. Queremos descobrir o que há por trás desse biombo". Segundo Vigna, esses grupos exercem na bancada um poderoso lobby, atividade não regulamentada no país.

Já os ruralistas dizem representar interesses legítimos de um dos setores mais prósperos da economia brasileira. Eleito o próximo presidente da FPA, o deputado Homero Pereira (PR-MT) diz que o grupo busca garantir o direito de propriedade no campo, evitar a criação de parques sem indenização a donos de terra e combater a "tentativa de qualificar empregadores rurais como pessoas que exploram trabalho análogo à escravidão".

Além disso, diz Pereira, a bancada está empenhada em garantir o uso integral das propriedades rurais. Hoje, a legislação define percentuais obrigatórios de preservação em terras privadas, que chegam a 80% para fazendas na Amazônia. "O proprietário paga impostos sobre 100% da terra e não pode mexer em 80% dela. É uma agressão", afirma à BBC Brasil.

O deputado enaltece o desempenho do agronegócio brasileiro – "um dos poucos setores em que o Brasil consegue se inserir no mercado internacional" – e diz que o país tem "vocação e um potencial enorme para a produção de alimentos".

Apesar do papel econômico que desempenham, afirma Pereira, os produtores rurais brasileiros não recebem o reconhecimento devido. "Como a sociedade brasileira se urbanizou rapidamente, as novas gerações perderam o 'link' com o meio rural. Mas o abastecimento da cidade se dá pelo campo e, diferentemente de outros países que concedem subsídios para o homem rural, aqui há um preconceito contra a atividade".

terça-feira, 22 de maio de 2012

Alex Tsipras: está a ser travada uma verdadeira “guerra entre o povo e o capitalismo”



Numa entrevista ao Guardian, Alex Tsipras defendeu que “a derrota é uma batalha não travada”, sendo que o povo grego está a “lutar para vencer". A derrota do capitalismo não será, para Tsipras, “apenas uma vitória para a Grécia, mas para toda a Europa".

"Eu não acredito em heróis ou salvadores", afirmou Alexis Tsipras ao Guardian, sublinhando que acredita, isso sim, “em lutar por direitos”. “Ninguém tem o direito de reduzir um povo orgulhoso a tal estado de miséria e de indignidade", enfatizou o líder do Syriza.

Na entrevista ao jornal britânico, Tsipras realçou que o que está em marcha não é uma guerra “entre as nações e povos". Na realidade, avançou, este é um conflito que opõe “os trabalhadores e a maioria das pessoas” aos “capitalistas globais, banqueiros, especuladores nas bolsas de valores, os grandes fundos”. “É uma guerra entre os povos e o capitalismo", frisou Alex Tsipras, adiantando que, “tal como acontece em cada guerra, o que ocorre na linha de frente define a batalha, que será decisiva para a guerra noutros lugares".

O presidente do Grupo Parlamentar da coligação de esquerda Syriza sustentou que a Grécia foi escolhida como balão de ensaio para a implementação das políticas de choque neo liberais e que os gregos “foram as cobaias" e alertou também para o facto de, caso a experiência continue, ela será “considerada um sucesso e as políticas serão aplicadas noutros países”. “É por isso que é tão importante interromper a experiência”, frisou Tsipras, realçando que pôr fim a este ataque “não será apenas uma vitória para a Grécia, mas para toda a Europa".

“Nunca estivemos tão mal"

"Após dois anos e meio de catástrofe”, e depois de sofrerem um longo bombardeamento de "choque neo-liberal" - aumentos de impostos draconianos e cortes nas despesas implementados sem quaisquer remorsos – “os gregos estão de joelhos”, referiu Tsipras.

“ O Estado Social entrou em colapso, um em cada dois jovens está desempregado, há cada vez mais pessoas a emigrar, o clima psicológico é de pessimismo, depressão, suicídios em massa", relatou, avançando que o povo grego nunca esteve “tão mal”.

Interrogado sobre se teria medo, Alex Tsipras respondeu que teria, de facto, caso “continuássemos por este caminho, um caminho para o inferno social”, contudo, destacou, “quando alguém luta tem uma grande hipótese de ganhar e nós estamos a lutar para vencer".

O Syriza não é contra o euro ou a união monetária

Durante a entrevista, o líder do Syriza sublinhou que não é contra o euro ou a união monetária e que essa chantagem está a ser utilizada para que as pessoas se sintam aterrorizadas de modo a manter o status quo.

"Não somos contra uma Europa unificada ou a união monetária", “nós não queremos fazer chantagem, queremos convencer os nossos parceiros europeus, que o caminho que foi escolhido para enfrentar a Grécia é totalmente contra producente. É como jogar dinheiro num poço sem fundo", esclareceu.

Para Tsipras, é importante que os europeus saibam que o dinheiro com que contribuem para a suposta resolução da crise grega não está a ser aplicado em investimento e crescimento nem a ser utilizado para, efetivamente, fazer face ao problema da dívida.

Na realidade, se a Grécia se mantiver no mesmo rumo, “em seis meses seremos forçados a discutir um terceiro pacote e depois um quarto", alertou o dirigente da coligação Syriza.

Por outro lado, também é importante para Alex Tsipras que os europeus compreendam que o Syriza não tem “qualquer intenção de avançar num movimento unilateral”. “Nós [só] seremos forçados a agir, se eles agirem de forma unilateral e derem o primeiro passo", afirmou. “Se eles não nos pagarem, se pararem o financiamento, então não seremos capazes de pagar os credores. O que estou a dizer é muito simples", adiantou ainda o político grego.

Alex Tsipras fez também questão de lembrar que a crise da Grécia não é somente um problema do país. "Keynes disse-o há muitos anos. Não é apenas a pessoa que pede emprestado que pode ficar numa posição difícil, mas também a pessoa que empresta. Se você deve 6.200 euros ao banco, é um problema seu, mas se você deve 620 000 euros, é problema do banco", ilustrou Tsipras.

"Este é um problema comum. É o nosso problema. É o problema de Merkel. É um problema europeu. É um problema mundial", rematou o líder do Syriza.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Complica-se a situação do casal Gurgel

Editorial Carta Maior


O delegado da PF, Raul Alexandre Souza, responsável pela Operação Vega, falou em sessão secreta do Conselho de Ética do Senado nesta 3ª feira; se perguntado o delegado iria confirmar o teor da nota emitida pela Polícia Federal nesta 2ª feira, que complica ainda mais a situação do casal Gurgel, respectivamente o procurador-geral da República, Roberto Gurgel e a esposa, subprocuradora Claudia Sampaio. 

A nota da PF desmente declarações recentes da subprocuradora. Ela afirmara à imprensa, na semana passada, que o delegado Raul, responsável pela Operação Vega --investigação que em 2009 já oferecia provas da ação criminosa de Demóstenes Torres e da quadrilha Cachoeira--, teria pedido que a PGR não abrisse inquérito sobre o caso, para não atrapalhar as investigações. 

O comunicado da PF diz elegantemente que Claudia Sampaio mentiu e reitera: houve três encontros entre o delegado e a subprocuradora; em nenhum deles Raul teria sugerido o "arquivamento ou o não envio da Operação Vegas ao STF"; o engavetamento do caso foi uma decisão deliberada e unilateral do casal Gurgel. 

Pior que isso: ao atribuí-lo a um pedido do delegado a subprocuradora implicitamente admite que não haveria outra justificativa para o que ocorreu. E o que ocorreu adiou por três anos o indiciamento e a prisão de um grupo político-criminoso diretamente implicado nos acontecimentos que deram origem às denúncias do chamado processo do 'mensalão'. O caso envolveu o governo do PT, ex-ministros e lideranças do partido, que agora serão acusados justamente pelo procurador-geral, Roberto Gurgel. 

Não se trata mais de uma "acusação dos mensaleiros", como deu a entender o Procurador Geral em recente entrevista. Quando uma sombra paira sobre a isenção não basta emitir bordões sob medida para o desfrute da mídia conservadora. O casal Gurgel deve explicações. Não a supostos mensaleiros, à sociedade brasileira. Nesta 3ª feira, a CPI deu cinco dias de prazo para o procurador enviar essas explicações à comissão, por escrito. A mesma CPI postergou o pedido de quebra do sigilo telefonico da esposa de Gurgel, Claudia Sampaio, no período dos fatos mencionados, em 2009.

terça-feira, 8 de maio de 2012

A incrível história de Mohamed Moulay


Nas eleições presidenciais francesas de 2002 o líder de extrema-direita Jean Marie Le Pen surpreendentemente deixou de fora do segundo turno o então primeiro-ministro socialista Lionel Jospin e disputou a preferência do eleitorado com Jaques Chirac, que por sua vez disputava a reeleição. 

Boa parte do eleitorado socialista optou pela abstenção no primeiro turno como forma de dar um duro recado a Jospin e ao Partido Socialista por terem renegado antigas bandeiras históricas. 

Contraditoriamente os socialistas se viram “obrigados” a comparecer no segundo-turno e a votarem no conservador Chirac num voto anti Le Pen, numa eleição que abriria aos conservadores uma década de hegemonia sobre o Palácio do Eliseu e a Assembleia Nacional. 

Mesmo assim o mais incrível viria da Argélia às vésperas do segundo-turno: uma revelação bombástica sobre o passado do candidato fascista.


Mohammed Moulay e o punhal de Jean-Marie Le Pen



Por Florence Beauge

Se Há  alguém que não vai chorar a sua morte [de Mohammed Moulay ], é Jean-Marie Le Pen ... "A criança com punhal",  era ele.  Mohammed Moulay  morreu, sábado, 28 de abril em Argel, uma embolia pulmonar. Ele tinha 67 anos. Sua história aparece no Le Monde de sábado, 4 maio, 2002, às vésperas do segundo turno da eleição presidencial. Jean-Marie Le Pen derrubou Lionel Jospin no primeiro turno e se vê competindo com Jacques Chirac. Se Mohamed Moulay  concordou em entregar ao Le Monde é porque "a situação é grave, disse ele. Um homem que tem as mãos cheias de sangue pretende entrar no Eliseu."

Um homem alto, forte e loiro

Nem ele nem sua família a esperança de qualquer coisa: "Não queremos  nenhuma publicidade ou dinheiro. Eu que  tinha voltado da guerra na Argélia por um longo tempo, mas somos capazes, também na Argélia é claro, de ter indícios do que está acontecendo na França,  disse."

O pai de Moulay Mohammed morreu em 3 de março de 1957. Na noite, uma patrulha de cerca de 20 pára-quedistas liderada, de acordo com testemunhas, por um homem alto, forte e grande, os seus homens o chamam de "meu tenente" e sabe-se mais tarde ser Jean-Marie Le Pen, invadiu a casa de Moulay, um pequeno palácio no Casbah de Argel. Ahmed Moulay  o pai, 42 anos, estará sujeito à "interrogatorio" sob os olhos de seus seis filhos e de sua jovem esposa.

Afogamentos, choques eléctricos ... O calvário durou várias horas. Esta é a "tortura a domicílio" implementado pelo exército francês durante a "Batalha de Argel". Moulay Ahmed se recusa a dar os nomes de sua rede de FLN. Ele vai morrer.

Prova em um processo perdido

Quando Le Pen sai da casa de Moulay ao amanhecer, deixando para trás um cadáver, ele se esquece de colocar um punhal. Um dos jovens filho do torturado, Mohamed, 12 anos; depois o encontrou ao lado da caixa do quadro de luz", sem bem saber por quê." Nos próximos dois dias, Jean-Marie Le Pen e seus homens voltam para casa e com a intenção de recuperar o punhal. Em vão. A criança está em silêncio.

Como um adulto, Mohamed Moulay manteve a arma em sua casa durante quarenta anos. A adaga vai chegar na França no início de 2003 na valise do Enviado Especial do Le Monde a Argel. Ele servirá como  prova na ação que o líder da Frente Nacional move contra o jornal por "difamação".

Jean-Marie Le Pen vai perder essa ação. Ele também vai perder em 2ª instância e sua apelação será rejeitada. O punhal ainda está em Paris, no cofre do advogado do Le Monde, Yves Baudelot. Ele vai leva-lo para a Argélia dentro de mêses  para o acervo do museu dos mujahideen. Foi o desejo de Mohamed Moulay. Esta é uma faca de Juventude Hitlerista, fabricado na região do Ruhr, em 1930. No cabo, você pode claramente ler JM Le Pen, 1º REP.

Imenso carinho para com a França

Apesar das circunstâncias da morte de seu pai, das quais guardara trauma por toda a vida, Mohammed Moulay  sempre manteve um carinho muito grande para com a França, como seus dois tios, Ali e Rashid Bahriz, também  horrivelmente torturados durante a guerra de Argélia. No rescaldo da noite de 3 de março de 1957, Mohammed Moulay  abandonou a escola para se juntar a resistência e lutar até a independência de seu país, em 1962, o que faria dele o mais jovem mujahideen.

Depois de retornar à vida civil, ele entrou na SONELGAZ, em Argel, mas suas atividades sindicais superaram sua carreira. Integro, abnegado e corajoso, Mohammed Moulay  possuia uma memória excepcional, tornando-o uma das testemunhas mais confiáveis da guerra na Argélia. Casado com uma francêsa de origem argelina, ele teve cinco filhos,  todos morando agora no sul da França, como sua mãe.

Ele permaneceu em Argel, mesmo após sua aposentadoria da SONELGAZ. "Eu gosto muito da  Argélia  para sair daqui ", disse ele com um sorriso, apesar de não esconder sua tristeza ao ver o que havia acontecido com seu país, longe de seus sonhos de jovem lutador pela independência.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A esquerda que a direita gosta


Por Tiago Barbosa Mafra

O mundo neoliberal prospera, ao menos no Brasil, no modo local de se fazer política. Apropriação das estruturas partidárias para fins particulares, projetos de propagação de poder e busca de afago do ego por meio da acomodação em cargos de confiança dos muitos asseclas puxadores de saco e voto.

A estrutura político partidária por esse “modo de fazer política”, que de consensual e democrático tem muito pouco. A troca de favores, influências e alianças se dá de forma explícita no atendimento aos interesses conjunturais , às necessidades da governabilidade.

Para a direita, que se dane. A propagação do controle político não obedece mesmo nenhum ditame ideológico de compromisso coletivo. Basta brandir a bandeira da ética e defesa da moral, vender essa ideia e aguardar os votos cômodos das mentalidades individualistas de percepção descontextualizada, os falsos conscientes.

Entretanto, para a dita esquerda, esse modus operandi é catastrófico. Essa aliás, é a esquerda que a direita gosta e defende. E a dita esquerda que dialoga e faz conchavo com o inimigo, defende o indefensável, trama pelas costas, despreza a militância, se mata internamente, erige líderes eternos, coronéis de partido, matadores de organização e da autonomia de pensamento, eles próprios símbolo do que sempre combateram.

Há dois grupos de culpados nesse campo da “esquerda”: os que lotearam o os espaços partidários para fins privados, se entregaram simplesmente à lógica financeira e aos projetos individuais, e a militância inerte, acomodada, omissa, adequada e covarde frente às regras arcaicas e ultrapassadas colocadas em prática pelos doentes do narcisismo sem fim.

Enfim, é muita bandeira e pouca luta, muito particular e pouco coletivo. Muito dinheiro e pouco compromisso. Muitas organizações e pouca organização de classe.  Muita direita e muitas esquerdas. Do jeito que o capitalismo gosta.

Tiago Barbosa Mafra, Professor de História e Geografia na rede municipal de ensino de Poços de Caldas e no pré-vestibular comunitário Educafro.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Safatle: Quando a indignação não leva a nada



Há várias maneiras de despolitizar uma sociedade. A principal delas é impedir a circulação de informações e perspectivas distintas a respeito do modelo de funcionamento da vida social. Há, no entanto, uma forma mais insidiosa. Ela consiste em construir uma espécie de causa genérica capaz de responder por todos os males da sociedade. Qualquer problema que aparecer será sempre remetido à mesma causa, a ser repetida infinitamente como um mantra.

Isto é o que ocorre com o problema da corrupção no Brasil. Todos os males da vida nacional, da educação ao modelo de intervenção estatal, da saúde à escolha sobre a matriz energética, são creditados à corrupção. Dessa forma, não há mais debate político possível, pois o combate à corrupção é a senha para resolver tudo. Em consequência, a política brasileira ficou pobre.

Não se trata aqui de negar que a corrupção seja um problema grave na vida nacional. É, porém, impressionante como dessa discussão nunca se segue nada, nem sequer uma reflexão mais ampla sobre as disfuncionalidades estruturais do sistema político brasileiro, sobre as relações promíscuas entre os grandes conglomerados econômicos e o Estado ou sobre a inexistência da participação popular nas decisões sobre a configuração do poder Judiciário.

Por exemplo, se há algo próprio do Brasil é este espetáculo macabro onde os escândalos de corrupção conseguem, sempre, envolver oposição e governo.

O que nos deixa como espectadores desse jogo ridículo no qual um lado tenta jogar o escândalo nas costas do outro, isso quando certos setores da mídia nacional tomam partido e divulgam apenas os males de um dos lados. O chamado mensalão demonstra claramente tal lógica. O esquema de financiamento de campanha que quase derrubou o governo havia sido gestado pelo presidente do principal partido de oposição. Situação e oposição se aproveitaram dos mesmos caminhos escusos, com os mesmos operadores. Não consigo lembrar de nenhum país onde algo parecido tenha ocorrido.

Uma verdadeira indignação teria nos levado a uma profunda reforma política, com financiamento público de campanha, mecanismos para o barateamento dos embates eleitorais, criação de um cadastro de empresas corruptoras que nunca poderão voltar a prestar serviços para o Estado, fim do sigilo fiscal de todos os integrantes de primeiro e segundo escalão das administrações públicas e proibição do governo contratar agências de publicidade (principalmente para fazer campanhas de autopromoção). Nada disso sequer entrou na pauta da opinião pública. Não é de se admirar que todo ano um novo escândalo apareça.

Nas condições atuais, o sistema político brasileiro só funciona sob corrupção. Um deputado não se elege com menos de 5 milhões de reais, o que lhe deixa completamente vulnerável -para lutar pelos interesses escusos de financiadores potenciais de campanha. Isso também ajuda a explicar porque 39% dos parlamentares da atual legislatura declaram-se milionários. Juntos eles têm um patrimônio declarado de 1,454 bilhão de reais. Ou seja, acabamos por ser governados por uma plutocracia, pois só mesmo uma plutocracia poderia financiar campanhas.

Mas como sabemos de antemão que nenhum escândalo de corrupção chegará a colocar em questão as distorções do sistema político brasileiro, ficamos sem a possibilidade de discutir política no sentido forte do termo. Não há mais dis-cussões sobre aprofundamento da participação popular nos processos decisórios, constituição de uma democracia direta, o papel do Estado no desenvolvimento, sobre um modelo econômico realmente competitivo, não entregue aos oligopólios, ou sobre como queremos financiar um sistema de educação pública de qualidade e para todos. Em um momento no qual o Brasil ganha importância no cenário internacional, nossa contribuição para a reinvenção da política em uma era nebulosa no continente europeu e nos Estados Unidos é próxima de zero.

Tem-se a impressão de que a contribuição que poderíamos dar já foi dada (programas amplos de transferência de renda e reconstituição do mercado interno). Mesmo a luta contra a desigualdade nunca entrou realmente na pauta e, nesse sentido, nada temos a dizer, já que o Brasil continua a ser o paraíso das grandes fortunas e do consumo conspícuo. Sequer temos imposto sobre herança. Mas os próximos meses da política brasileira serão dominados pelo duodécimo escândalo no qual alguns políticos cairão para a imperfeição da nossa democracia continuar funcionando perfeitamente.