terça-feira, 30 de outubro de 2012

O começo de 2014



As eleições de 2012 evidenciam uma disputa que, acredito, ficará bem clara em 2014: a de PT x PSB. Sim, o PSB está, aos poucos, se nacionalizando, muito por trabalho de seu presidente nacional, Eduardo Campos, que é também o governador de Pernambuco. Campos conseguiu eleger em seu quintal, Recife, um quase desconhecido – Geraldo Júlio (PSB) – já no primeiro turno. Fez vitórias importantes também em Fortaleza, onde seu candidato bateu justamente o PT, e em Belo Horizonte, com a reeleição de Márcio Lacerda (PSB), que é fruto do acordo entre Campos e o (agora mais do que nunca) presidenciável Aécio Neves. Uma vitória simbólica ocorreu em Campinas, onde Jonas Donizete (PSB) bateu Marcio Pochmann (PT) mesmo depois de ostensivo apoio de Lula e Dilma. Vale lembrar que Donizete foi muito apoiado pelo governador paulista, Geraldo Alckmin, que sairá à reeleição em 2014.

Se o PSB, a linha de Eduardo Campos, começa a namorar com a ideia de ter candidato próprio – ele, Eduardo Campos – nas eleições presidenciais de 2014, este movimento mais do que nunca estreita as relações de PT e PMDB. Acho que o caso de São Paulo deixa isso ainda mais forte: Fernando Haddad caracterizou a grande vitória do PT e do ex-presidente Lula em 2012, e ela ocorreu com forte e importante apoio de Gabriel Chalita (PMDB), que saiu maior do que entrou na campanha paulistana.

Ou seja, veremos a repetição em 2014 da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer, consolidando o processo, portanto, de portas fechadas ao PSB (ou a qualquer outro) na vice de Dilma para reeleição. Eduardo Campos sabe disso e, entendo, moveu o PSB de forma mais ou menos coordenada a fim de montar uma boa estrutura com condições de nacionalizar o seu nome em 2014. A depender da economia, pode fazer barulho… ou não.

O PSDB não saiu fraco de 2012, quem saiu fraco foi José Serra. Em seu discurso de derrota (mais uma) estavam os poucos aliados que lhe restam: o deputado Vaz de Lima, o senador Aloysio Nunes Ferreira, o vereador Andrea Matarazzo e, claro, o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin. As derrotas de 2006 (para presidente) e 2008 (para prefeito) fizeram Alckmin entender que as portas de seu partido só estão abertas para ele em SP. Para Serra, nem essas, agora. O PSDB nacional não deve voltar a trabalhar por Serra em 2014, até porque não pode: todo partido (falamos aqui de PT, PMDB e PSB) tem um projeto de poder, e o PSDB, se quiser continuar razoavelmente hegemônico, precisa voltar a ganhar. Quem no PSDB está ganhando? Aécio Neves. Não, não é esse furacão todo, mas Aécio teve vitórias políticas em 2012, como teve Alckmin (em Campinas); mas Serra e, no Paraná, Beto Richa, não tiveram. Então, o jogo se move para Aécio.

O DEM, quem diria, conseguiu uma sobrevida: ACM Neto ganhou em Salvador, a primeira capital do Brasil, e justamente do PT do governador baiano Jacques Wagner. O DEM conseguiu importante vitória no mesmo ano em que seu único quadro com algum respeito nacional – o então senador Demóstenes Torres – foi cassado e humilhado publicamente por uma investigação da Polícia Federal e inquérito parlamentar no Congresso Nacional.

O PT perdeu o Nordeste, especialmente para Eduardo Campos, mas fez vitórias cruciais: o que Haddad conseguiu em São Paulo foi histórico, algo que outros petistas graúdos já não conseguem mais, como Marta Suplicy, e outros jamais conseguiram, como Aloizio Mercadante. A vitória em Goiânia também foi importante. Mas, mais que suas vitórias próprias, o PT conseguiu em 2012 um movimento importante: as conquistas arrasadoras de Eduardo Paes (PMDB), no Rio de Janeiro, e de Gustavo Fruet (PDT), em Curitiba, lançam luzes importantes para o jogo de 2014, tanto no terreno regional (o PT quer fazer da ministra Gleisi Hoffmann a ministra do Paraná) quanto no nacional.

O PDT sai com uma cara nova das eleições. Se isso é bom ou ruim, eu não sei. A vitória de um quadro histórico em Porto Alegre, Fortunati, e de Fruet, em Curitiba, servem para derrubar a disputa de poder recente dentro do partido, entre dois quadros não necessariamente condizentes com a história do partido: Carlos Lupi e Paulinho da Força. Se esse movimento vai se estender para além de Rio Grande do Sul e Paraná, é o que veremos.
O PSOL saiu forte de 2012, porque aproveitou a projeção de seu único senador – Randolfe Rodrigues – para eleger seu primeiro prefeito em capitais (no caso, Macapá) e para realizar bom debate no Rio de Janeiro, com Marcelo Freixo. Mas o PSOL ainda está longe de ser nacional. O que faz é ocupar um espaço mais à esquerda, depois do PT ter se consolidado como a centro-esquerda brasileira: Haddad foi eleito com muitos votos de conservadores, e muita gente votou no PT pela primeira vez (também por erros do PSDB, que voltou a apostar em Serra).

Mensalão teve algum efeito? Olha, se teve, não foi no Brasil. Os dois principais responsáveis pelas investigações do esquema na CPI entre 2005 e 2006, Eduardo Paes e Gustavo Fruet, fizeram verdadeiros massacres no Rio de Janeiro e em Curitiba, respectivamente, e fizeram isso com importante apoio do… PT. Além disso, na capital de onde partiram os principais nomes do PT condenados pelo STF (José Genoino e José Dirceu), foi eleito justamente um petista (Fernando Haddad), com larga vantagem de votos.

Fraco, fraco mesmo, sai o PV. Há dois anos, o PV lançara Marina Silva para a presidência da República, candidatura fortíssima, que obteve quase 20 milhões de votos. Onde está o PV hoje?

A política brasileira precisa passar por reformas. Temos 30 partidos, mas poucos, bem poucos, com alguma relevância para o debate. Ao invés de depurar, 2012 estendeu esse processo de distanciamento da política: as abstenções e votos nulos foram gigantes. Como ficará para 2014?

Essa é a pergunta que todos vamos fazer a partir de agora.

domingo, 28 de outubro de 2012

Música de Domingo - Samba do Arnesto (Adoniran Barbosa)

Já que hoje é um dia especial na capital paulista, nada melhor que samba genuinamente paulistano.

domingo, 21 de outubro de 2012

Nizar El Khatib: o nosso vice-prefeito




Por João Alexandre Moura

O vice-prefeito é o substituto direto do prefeito municipal em caso de ausência por licença ou outro impedimento. Pode e deve exercer função dentro da administração municipal.Ter um amigo vice-prefeito não é para qualquer um, ainda mais de Poços de Caldas. Orgulho-me em dizer que sou amigo do vice-prefeito eleito Nizar El Khatib, orgulho este que não vem de agora pelo êxito conquistado nas urnas juntamente com o Dr. Eloísio, pós-eleição aparecem vários “amigos”. Admiro e prezo pela amizade do Nizar antes de se tornar nosso vice-prefeito, pessoa íntegra de conduta ética, moral, disciplinar, alegre, equilibrada, educada e sábia.

Conheci este muçulmano prestigiando suas inúmeras palestras sobre a questão da Palestina e sua militância a favor dos direitos humanos. Como professor de geografia e estudioso da sociedade observei atentamente a fala daquele senhor e o brilho em seus olhos quando se remetia a falar das origens árabes e do sofrimento daquele povo. Quando leciono a questão palestina em sala de aula utilizo o discurso e os conhecimentos do amigo Nizar para tentar transmitir aos meus alunos toda a emoção da fala de um cidadão muçulmano, realidade esta desconhecida por muitos do mundo ocidental.

Nizar era um dos candidatos a vice-prefeito menos conhecido da população. Entretanto sua militância política de 30 anos, disposição física, carisma, respeito ao eleitor e paixão pelo que faz, despertou na população de Poços o desejo de mudança. Um prefeito negro, um vice-prefeito muçulmano representa a vitória de muitos que a sociedade trata com inferioridade, discriminação e preconceito.

Desejo que Nizar seja o braço direito do Dr. Eloísio, um vice-atuante, pelo esporte, cultura, diversidade e meio-ambiente. Que as histórias de João Bá e a música de Fernando Guimarães te inspire nesta caminhada e te leve tranquilidade. Torço pelo seu êxito Nizar El-Khatib Arafat. Salam Aleikum.


João Alexandre Moura é Professor, militante cultural e ambiental, além de mestrando em Sustentabilidade.

A última semana das eleições, por Marcos Coimbra



Termina no próximo domingo a eleição municipal de 2012. Em 50 cidades, os eleitores voltam às urnas para votar em um dos candidatos a prefeito que disputam o segundo turno.

Entre essas, na maior cidade brasileira e outras 16 capitais estaduais.

Foram as eleições mais conturbadas desde a redemocratização. Por decisão sem fundamento técnico, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu fazer o julgamento do “mensalão” exatamente no meio do período eleitoral.

O ápice dessa “coincidência” ocorre ao longo desta semana, que os ministros consideram adequada para terminá-lo. 

Para não atrapalhar a viagem ao exterior do Relator - certamente de importância fundamental para o País -, vão deliberar a respeito das penas aos condenados nas vésperas da eleição. Em tempo de preparar as manchetes dos últimos dias.

E ainda há quem se preocupe em silenciar os carros de som nessa hora, para que não perturbem os eleitores enquanto refletem sobre sua decisão final!

Parece que o Judiciário não se incomoda que o julgamento interfira na eleição. Como disse o Procurador-Geral da República em inacreditável pronunciamento, acha até “salutar”.

Os principais veículos da indústria de comunicação dedicaram ao julgamento uma cobertura privilegiada. Na televisão, no rádio, na internet, nos jornais e revistas, foi, seguramente, maior que aquela que a eleição recebeu.

Só os muito ingênuos acreditariam que a grande imprensa foi movida por objetivos morais, que estava genuinamente preocupada com as questões éticas suscitadas pelo “mensalão”. Basta conhecê-la minimamente, saber quem são seus proprietários, articulistas e comentaristas, para não ter essa ilusão.

E lembrar seu comportamento no passado, quando fatos tão graves quanto os de agora - ou mais - aconteceram sob seu olhar complacente.

Como mostra nossa história moderna - desde o ciclo Vargas aos dias de hoje, passando pelo golpe militar de 1964 e a ditadura -, a grande imprensa brasileira escolhe lado e não hesita em defendê-lo. Tem amigos e adversários.

A uns agrada, aos outros ataca. 

No julgamento do “mensalão”, a discussão ética sempre foi, para ela, secundária. O  que interessava era seu potencial de utilização política.

Seria engraçado imaginar uma situação inversa, na qual os denunciados não fossem “lulopetistas” e sim representantes dos partidos que hoje estão na oposição. Se o STF fizesse como faz agora, não mereceria o coro de elogios que ouve, não seria tratado como bastião da moralidade.

Seus ministros, ao invés de receber tratamento de heróis, estariam sendo achincalhados.

Especialmente os indicados por Lula e Dilma. Pobres deles! Cada voto que emitissem contra um oposicionista seria suspeito (o que ajuda a entender porque, no caso concreto, exatamente esses se sintam no dever de ser punitivos ao máximo).   

Nunca foi tão apropriada a teoria de que a eleição municipal é a ante-sala da presidencial. Não para a maioria do eleitorado, que não pensa assim. Mas para a oposição - nos partidos políticos, na mídia, no Judiciário, na sociedade.

Fizeram tudo que podiam para transformar as eleições em uma derrota para Lula e o PT. Imaginaram que os dois sairiam delas menores, derrotados nos principais embates. E que, assim, chegariam à eleição que interessa, a presidencial de 2014, enfraquecidos.

Não foi isso que ocorreu nos confrontos que terminaram no dia 7 de outubro. Pelo contrário. Se as pesquisas de agora forem confirmadas, não é isso que ocorrerá no próximo domingo.

Goste-se ou não do ex-presidente e de seu partido, é um fato. E contra fatos, não há argumentos.


Música de Domingo - Disritmia (Zeca Baleiro)

sábado, 20 de outubro de 2012

Estudantes na Espanha: “Se não há solução, haverá Revolução!”


Estudantes, professores, pais e mães ocuparam esta quinta-feira as ruas de várias cidades espanholas em protesto contra as medidas de austeridade impostas no setor da educação


Após uma greve de três dias inserida numa semana de luta estudantil, que também foi marcada por manifestações e assembleias, milhares de estudantes, professores, pais e mães concentraram-se, em Madri, contra os cortes de 4 bilhões de euros na Educação, o aumento das mensalidades universitárias, o aumento do horário letivo dos professores e a demissão de 50 mil docentes, que foram impostos pelo governo espanhol.


(Foto de Jan Slangen/Flickr)

Os cerca de 100 mil madrilenos que participaram no protesto, convocado pelo Sindicato de Estudantes e pela Confederação de Associações de Pais e Mães de Alunos, contestaram ainda as medidas de austeridade implementadas na Comunidade de Madri na área da Educação, como, por exemplo, o corte de 10 milhões de euros em refeições escolares e a substituição dos apoios para compras de livros por um sistema de empréstimo.
Ao som de palavras de ordem como “Por uma Educação pública de tod@s e para tod@s” e “¡Se não há solução, haverá Revolução!”, a marcha, que começou na Praça Neptuno e passou pelo Ministério da Educação, juntou-se, na Praça do Sol, ao protesto dos trabalhadores do Metro de Madrid e da Empresa Municipal de Transportes. No local, um grupo de estudantes da Real Escola Superior de Arte Dramática realizou uma performance para ilustrar as consequências da austeridade no setor e assinalar a sua intenção de continuar a luta contra as medidas impostas pelo executivo de Mariano Rajoy.

“Vivam os radicais e abaixo os ultras”

Francisco García, secretário geral da Federação de Ensino das CCOO de Madrid, sublinhou, durante o protesto, que os estudantes não se importam que lhes chamem “radicais”. “Sim somos radicais e extremistas em defesa do ensino e dos direitos dos cidadãos, já o ministro é um ‘ultra espanholista’, um ultra liberal e um ultra conservador”, avançou García. “Então, sim, vivam os radicais e abaixo os ultras”, salientou, respondendo às afirmações do ministro da Educação espanhol, que afirmou que a convocatória da iniciativa “estava inspirada em supostos da extrema esquerda radical e anti sistema”.
O protesto, durante o qual foi feito um apelo à mobilização para a Greve Geral de 14 de novembro, contou com a presença dos sindicatos UGT, CCOO e STES, bem como de Cayo Lara, representante da Izquierda Unida.

Manifestações em várias cidades espanholas

Realizaram-se ainda  protestos contra os cortes na Educação em várias outras cidades do estado Espanhol, tais como Barcelona, Valência e Granada.
Conforme avança a Confederação Intersindical Galega, tiveram lugar, esta quinta feira, 23 manifestações contra os cortes na Educação nas principais cidades e vilas da Galiza.
Na Corunha, os alunos de Arquitetura da Universidade da Corunha encerraram a faculdade.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Frei Beto - Um milhão de crianças fora da escola



Os dados, divulgados pelo IBGE em fins de julho, são alarmantes: 3% do total de crianças brasileiras de 6 a 14 anos se encontram fora da escola, o que representa quase 1 milhão de excluídos dos bancos escolares.

Se incluirmos o contingente de 4 e 5 anos e de 15 a 17, o percentual aumenta para 8%, ou seja, 3,8 milhões de crianças e adolescentes.

O Amazonas é o estado que apresenta maior número de crianças de 6 a 14 anos fora da escola – 8,8%. Ali, as distâncias e as dificuldades de transporte pesam no índice. Já Santa Catarina aparece na pesquisa como o estado onde há maior inclusão escolar. Apenas 2,2% daquela faixa etária estão fora da escola.

Nenhum estado do país conseguiu, até hoje, incluir todas as crianças de 6 a 14 anos na escola. A pesquisa do IBGE revela ainda que, dessas crianças desescolarizadas, 62% já frequentaram a escola por algum tempo, mas abandonaram os estudos.

As razões da evasão escolar precoce são muitas. As mais frequentes, porém, são a falta de interesse (falha pedagógica dos educadores), repetência, gravidez precoce e o imperativo de ingressar no mercado de trabalho para ajudar a família.

A desescolaridade provoca na criança e no adolescente baixa autoestima, tornando-os vulneráveis a propostas ilusórias de enriquecimento e consumismo fáceis através do tráfico de drogas e outras práticas criminosas.

O programa “Todos pela educação”, do qual participo, estabelece 5 metas até 2022, data do bicentenário da independência do Brasil: 1) 98% das crianças e jovens entre 4 e 17 anos devem estar matriculados e frequentando a escola; 2) 100% das crianças deverão apresentar as habilidades básicas de leitura e escrita até o final da 2ª série ou 3º ano do ensino fundamental; 3) 70% ou mais dos alunos terão aprendido o que é essencial para a série que cursam; 4) 95% ou mais dos jovens brasileiros de 16 anos deverão ter completado o ensino fundamental e 90% ou mais de 19 anos deverão ter completado o ensino médio; 5) O investimento público em educação básica deverá ser de 5% ou mais do PIB.

São metas elementares e, no entanto, essenciais para qualificar as gerações futuras e permitir ao nosso país acesso ao desenvolvimento sustentável com justiça social.

Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), no mundo 215 milhões de meninos e meninas trabalham para sobreviver ou complementar a renda de suas famílias. Dessas crianças, metade está exposta a condições degradantes de trabalho, como escravidão, servidão por dívidas, exploração sexual com fins comerciais e atuação em conflitos armados.

O governo brasileiro já desenvolve intensa campanha contra a exploração sexual de crianças e o trabalho infantil. No entanto, é preciso aprimorar o combate a toda forma de violência contra crianças, em especial no âmbito familiar. Há que considerar também como violência à infância a extrema pobreza e determinados conteúdos do ciberespaço, pelo qual atuam os pedófilos e disseminadores de pornografia.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros.

domingo, 14 de outubro de 2012

Música de Domingo - Rockin' In The Free World (Neil Young)

Semana passada a música de domingo foi a música entoada em coro pelo povo  de Poços de Caldas que após oito anos se libertou do coronelismo e da política mais baixa, clientelista e fisiológica que se possa imaginar.

Hoje, posto uma música que guarda um pouco de relação com esse momento histórico.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Emir Sader - No mundo das ilusões da velha mídia

Por Emir Sader no seu blog

Imaginemos alguém que só lesse, escutasse ou visse a velha mídia. Que visão teria do Brasil e do mundo?

Em primeiro lugar, não poderia entender por que um governo – corrupto, incompetente, com a economia à deriva, nomeando ministros como troca-troca eleitoral, que cobra muitos impostos, que está atrasado na entrega de todos as obras, do PAC, do Mundial e das Olimpíadas, que tem politica exterior aventureira, etc., etc. – tem 75% de apoio do povo.

Não entenderia como um líder como o Lula – que tem 80% de referências negativas na mídia – consegue que 69,8% dos brasileiros queiram que ele volte a ser o presidente do Brasil em 2014.

Não poderiam entender como o PT – partido corrupto, protagonista do maior escândalo da historia do Brasil – sai fortalecido das eleições municipais, eleja mais prefeitos e mais vereadores e ameace tirar dos tucanos a prefeitura mais importante do Brasil, a de São Paulo – tão bem administrada pela competência dos tucanos.

Não saberiam por que a economia brasileira não naufraga, se leem todos os dias que tudo vai mal, que o governo faz tudo errado, que a economia não cresce. Por que o governo continua a estender as políticas sociais, sem os recursos que a economia deveria lhe dar.

Não entende por que o FHC dá seu apoio e participa da campanha do candidato tucano no Rio – junto com o Aécio e o Álvaro Dias -, mas o candidato tem apenas 2,47% dos votos. Como os tucanos e o DEM perderam 332 prefeituras, sendo os mais preparados para governar.

Leem numa revista semanal que a Argentina é “governada por autoridades cada vez mais repressoras”, que “bloqueiam as liberdades individuais, como o acesso à livre informação, a bens de consumo e ao capital”. Que o governo “já tem o controle autoritário de 80% (sic) dos canais de radio e tv do país”. Que “na ilha de Cristina, os cidadãos só leem o que ela quer”.
Que as grifes “Escada, Armani e Yves Saint-Laurent fecharam suas lojas no país”, assim como a Vuitton e a Cartier. Que a “Avenida Alvear está com ares de fim de feira”. Que “na ilha de Cristina os investidores são tratados como piratas”.

E, no entanto, a Cristina é reeleita no primeira turno. Como entender isso, vendo a velha mídia?

Como entender que a Venezuela está se desfazendo, entre a ineficiência da sua economia, a corrupção e a violência, mas o Hugo Chavez é reeleito para um quarto mandato?

Que a América Latina vai bem enquanto os EUA e a Europa vão mal?

Tudo parece de cabeça pra baixo, o mundo parece absurdo, incompreensível, para quem depende da velha mídia, dos seus jornais, das suas revistas, dos rádios e da suas TVs. 

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Eric Hobsbawm: A crise do capitalismo e a atualidade de Marx


Lembrei-me dessa ótima entrevista de Eric Hobsbawm, publicada pela Fundação Lauro Campos em 2008. Como (graças a Deus!)  ninguém é eterno, perdemos  Hobsbawm enquanto homem, mas sua criticidade e capacidade de reflexão e análise sobre a História e a sociedade continuará presente entre nós por muito tempo ainda.




Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel deintrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do "marxismo-leninismo", não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesaNouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: "O pensador do terceiro milênio?". Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de "relevância atual".


Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título "Ein Gespenst Kehrt zurük" (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa "In Our Time" da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, "são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx" e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal George Soros a seguinte frase: "Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz". Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova "demanda de Marx", do ponto de vista político?



Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da "sociedade burguesa", cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.



A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados "novos movimentos sociais", como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o "proletariado", dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.



Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?



Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer "retorno a Marx" será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.



Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?



Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias "socialistas" foram organizadas sob o chamado "socialismo realmente existente". Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de "O Capital". Como mostram os "Grundrisse", aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.



Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os "Grundrisse". Escritos entre 1857 e 1858, os "Grundrisse" são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?



Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no "Capital", como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).


Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: "Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos "Grundrisse", menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev". Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os "Grundrisse" "trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na "Ideologia Alemã". Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos "Grundrisse" hoje?


Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.



Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?



Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

PS. Eric Hobsbawm morreu de pneumonia aos 95 anos nas primeiras horas do dia de ontem em Londres.