quarta-feira, 30 de julho de 2014

Israel: anão humanitário

Por Tiago Barbosa Mafra

Após as declarações do governo brasileiro considerando a mais recente ação militar israelense sobre o território palestino da Faixa de Gaza como sendo “inaceitável” e “desproporcional”, e ainda, a retirada do representante diplomático brasileiro de Tel Aviv, a resposta dos sionistas foi imputar ao Brasil a alcunha de “anão diplomático”. Obviamente que a quase imediata reação, tão agressiva diplomaticamente quanto a ofensiva militar, num ímpeto de declarar a irrelevância daqueles que chegam a discordar, mesmo que timidamente, de Israel, prova que a opinião do anão não é tão irrisória assim.

Mas a tarefa aqui hoje não é debruçar sobre a decisão do Itamaraty. Faz se necessária uma análise acerca de outro ator desta cena, um outro anão. Estas linhas são dedicadas a discorrer um pouco sobre Israel: o anão humanitário.

Israel tem um histórico infindável, vergonhoso, de violações e desrespeito às convenções ou qualquer acordo internacional no tocante aos direitos humanos. Isso lhe garante a titulação de anão humanitário. Opera diariamente, com maestria, um conjunto de ações na Palestina contra seus irmãos de origem também semita, mas que fazem questão de tentar extinguir. Tarefa que já executam há 67 anos contra os palestinos.

A construção deste desprezo pelos direitos humanos remonta ainda ao século XIX, nos escritos de Herlz e depois alimentado pela Declaração de Balfour (1917), antes mesmo da criação do Estado de Israel, que fomenta a falácia da necessidade de “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

Organizados já como Estado em 1948, em processo de ocupação expansionista e unilateral, Israel inicia sua longa escalada de agressões e desrespeito ao povo que ali habitava. Apoiados na banalização da violência, na institucionalização da tortura, na segregação e na discriminação étnica e religiosa, avançam initerruptamente no processo de “colonização”, anexação territorial e migração forçada das populações que não deveriam estar em uma terra prometida apenas a um seleto grupo.

Para que a terra seja realmente aos prometidos, é necessário na visão sionista, retirar os entraves. É a base da apologia ao extermínio palestino, que tem rendido frutos e se concretizado de forma brutal.

Uma coisa é inegável: o anão humanitário aprendeu com a história. Decidiu inclusive reproduzir os feitos de seus professores em proporções gigantescas e prolongadas. Na verdade, os territórios palestinos são hoje grandes campos de concentração. Ratoeiras que dão pouca perspectiva de vida e muito menos de dignidade. O muro de 750 km que dá “segurança” à Israel no entorno da Cisjordância restringe o livre fluxo dos palestinos. Há guaritas e checkpoints espalhados por todo lado. Os muros se reproduzem nas fronteiras de Gaza e até na conexão territorial com o Egito. Não há autonomia sobre nada. Toda a água, comida, combustível, medicamentos, produtos básicos, dependem de autorização para entrar em Gaza. Mas é uma questão de segurança. Como saber se todas essas regalias não serão entregues aos “fundamentalistas” do Hamas? Prevenção do anão.

Não bastasse cercar, aperta. Desapropria, confisca, demole casas e conjuntos residenciais inteiros, em razão do abandono. Só não se perguntam porque tudo é deixado pra trás continuamente pelos palestinos. Alguns analistas chegam a dizer que é em razão do alto índice de chuvas: chuva de fósforo branco, que cai em conjunto com toneladas de outras bombas jogadas durante os bombardeios indiscriminados sobre qualquer tipo de construção, seja casa, hospital, escola ou prédio comercial. Reza a lenda que os pilotos israelenses nem precisam fazer treinamento com alvos, pois qualquer local que for atingido será válido, desde que contribua com a causa do povo de deus.

O anão humanitário também tem entendimento relativista no tocante às resoluções das instâncias internacionais. Chego a pensar que a única decisão considerada válida da ONU na visão sionista é a que criou o Estado de Israel. Se bastaram com essa e se viram desobrigados a cumprir quaisquer outras. Talvez por isso tenham infindáveis denúncias e condenações na Anistia Internacional ou na própria ONU.

Na realidade o que está em curso é uma versão atualizada de nazismo, um modelo século 21. Um formato sustentado internamente por dirigentes desajuizados, militares brutais, colonos inescrupulosos e eleitores conservadores, sem memória, como já alertavam alguns intelectuais judeus franceses em 1967. Quase um conjunto de assassinos.

Externamente, a sustentação e custeio vêm das grandes corporações, dos conglomerados midiáticos, da indústria bélica, do governo estadunidense (aliado incondicional), além da impotência dos anões diplomáticos mundo fora.

O resultado é o impedimento da autodeterminação do povo palestino, uma limpeza étnica. O que é chamado de uma república parlamentarista se assemelha mais a um Estado teocrático, beligerante, expansionista e racista.

Por fim, reproduzo uma fala do ex-ministro das relações exteriores do Anão Diplomático em relação ao conflito gerado pelo anão humanitário:

“É lamentável que o humanismo que aprendemos a cultivar, em boa parte, como reação aos sofrimentos causados ao povo judeu, venha a dar lugar a outra visão, em que predominará a expressão da dor no rosto, coberto de lágrimas, da menina palestina, perdida no meio dos escombros causados pelos bombardeios israelenses, e que busca desesperadamente seus pais ou seus irmãozinhos, provavelmente mortos, ao mesmo tempo que procura, em vão, entender o mundo que a rodeia.” Celso Amorim, Ministro da Defesa – 25/07/2014.

Tiago Barbosa Mafra é professor de Geografia na rede pública municipal de Poços de Caldas e membro do pré-vestibular comunitário Educafro.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um pouco talvez menos gente

Por Tiago Barbosa Mafra

Cercas, muros quilométricos, escassez de produtos básicos à sobrevivência, racionamento de energia elétrica, controle sobre a água, barreiras de contenção e checkpoints para monitorar as movimentações da população. Somadas à dominação territorial e à intolerância, parece um descritivo da situação europeia no ápice da II Guerra Mundial. Mas não é. As táticas são parecidas, mas as vítimas de ontem são hoje os algozes e cada empecilho à uma vida digna citado acima nada mais é do que parte do retrato cotidiano das últimas seis décadas da vida dos palestinos, massacrados em um território descontínuo, mas unidos pela repressão, violência e genocídio aplicados à Cisjordânia e a Gaza.

Mais uma vez, o Estado de Israel e suas forças armadas assassinas avançam implacavelmente sobre Gaza, assassinando indiscriminadamente a população, bombardeando hospitais e escolas e contando com apoio das potências ocidentais, a inoperância da ONU e o silêncio do mundo.

Corpos destroçados, espalhados, crianças ensanguentadas, a chuva de fósforo branco (banido desde 1980 - Genebra) nos céus de Gaza. Imagens e vídeos que correm o mundo graças às possibilidades do fluxo das notícias, que ampliam tanto nosso arcabouço de informações quanto nosso sentimento de impotência frente a mais uma incursão genocida, dentre tantas já perpetradas na Palestina.

Edward Said já dizia: “O mais difícil é ser a vítima das vítimas”. Mais uma vez a frase se materializa.

No prefácio do livro “Os condenados da Terra”, Sartre diz que tem “a esperança como sua concepção de futuro”. As cenas recorrentes do massacre em Gaza, mais uma vez escancaradas ao mundo durante a nova ofensiva, fazem com que até mesmo a esperança na humanidade se esvaia frente ao espetáculo da barbárie.

A vida nada mais vale. Mas o mercado bélico se aquece. Impedidos de ser, de simplesmente existir, os palestinos agonizam mais uma vez enquanto suas escolas, casas, hospitais são bombardeados com uma arma letal proibida pelas convenções internacionais. Mas não há convenções, não há nada que pare Israel e sua máquina militar. Além de ocupar os territórios numa escalada gradativa, os sionistas dão, de tempos em tempos, a mostra de que aprenderam bem com os nazistas o que significa a blitzkrieg.

E sempre “cede” e “cessa”, quando a matança começa a gerar mal estar. Então para, se retira, os holofotes se apagam no dinamismo da informação globalizada, e mais uma vez a Palestina respira, espera, agoniza, em destroços, uma vez mais como inúmeras outras nos últimos 60 anos. O “exército da paz” se vai enquanto os “terroristas” do Hamas podem voltar tranquilamente a maquinar o fim de Israel.

Enfim, tem dias que são de descrença na humanidade, que tiram o sono, a utopia, a força, a vontade. Hoje a esperança morreu um pouquinho, junto com os mais de 80 palestinos já assassinados. Dois terços dessas vítimas são mulheres e crianças. Hoje só resta lembrar o maluco beleza: “Tem dias que a gente se sente, um pouco talvez menos gente”.



Tiago Barbosa Mafra é professor de Geografia na rede pública municipal de Poços de Caldas e membro do pré vestibular comunitário EDUCAFRO.