quinta-feira, 30 de julho de 2015

UM OLHO DE CADA COR

Nessas férias de julho passeei muito com minha filha Isabela. A programação de Julho da cidade estava repleta de atrações que tornavam as férias muito mais ricas e divertidas para turistas e para os cidadãos poçoscaldenses que conseguissem se deslocar até o centro, tendo em vista que a maioria das atrações eram na praça Pedro Sanches ou na Urca.

Mas, quero chamar a atenção na verdade é para o que aconteceu atrás do museu. Três artistas locais apresentariam as lendas da cidade baseados no livro da museológa Nilza Megale e assim que eu e minha filha chegamos já vimos tudo preparado: o local dos instrumentos, o pano de retalhos onde as crianças assistiriam, as cadeiras ao fundo para os adultos.

Isabela, sem timidez nenhuma foi sentar-se junto às outras crianças que estavam à frente. Eram crianças extremamente bem vestidas que conversavam sobre seus “colégios”. Assim que ela chegou, com seus olhinhos um da cor azul e outro da cor preta, as crianças ignoraram sua entrada no grupo, por não ignorarem a diferença da cor das pupilas. Uma delas passou a conjecturar o motivo, falando as demais com cara de desprezo que era porque a Isabela tinha machucado o olho e que não enxergava e várias outras coisas que nem escutei. As demais olharam a Isabela de cima em baixo e voltaram a olhar a narradora da história preconceituosa.

Isabela simplesmente saiu de perto, me pediu um papel e canetas, voltou a sentar no pano, um pouco mais longe das meninas, e passou a desenhar suas princesas e seus castelos. Mostrava suas produções entre um sorriso e outro.

Eu enquanto mãe observei como a Isabela lidava com a situação. Sempre a elogiamos muito e lhe falamos que era rara e por isso é bela e depois conversando com ela expliquei que tem criança que nunca viu olhos bonitos que nem o dela e perguntei se ela sabia que era linda e ela disse “sou maravilhosa”.


Entendo que por ser diferente chame a atenção, mas foi a primeira vez que vi um gesto de rejeição. Geralmente as pessoas ou crianças comentam, perguntam, mas não excluem e o que leva a crer que tal gesto é mais comum entre aqueles que ocupam a classe dominante, a julgar pela conversa das meninas sobre “colégio” e as roupas que usavam.

Daí minha reflexão enquanto educadora foi em outro sentido... como são esses colégios? Como são organizados? Estão prontos para lidarem com a diferença?

Compreendo os vários problemas da escola pública como professores mal remunerados, falta excessiva dos profissionais em educação, salas superlotadas, trabalho muitas vezes superficial dos conteúdos, entendimento do aluno como número no IDEB... Entretanto, por mais problemas que haja uma coisa é certa: a escola pública está mais preparada a trabalhar democraticamente do que a escola privada.

Quem aceita as crianças independentemente se podem pagar o ensino? Quem contrata cuidadores para as crianças com necessidade especial (no caso da realidade em Poços de Caldas)? Quem não vem com uma apostila pronta pra ser executada e tem a grande possibilidade de elaborar seu próprio currículo junto à comunidade? Quem serve a merenda igual e de qualidade para todos os alunos? Quem tem a condição de agregar no mesmo espaço crianças e adolescentes de diferentes religiões, etnias, culturas?

A escola pública também tem um olho de cada cor. Inclui negros e brancos, evangélicos e umbandistas, classe média e camada popular, crianças com necessidades e crianças com altas habilidades. Enquanto escola que sabe de sua riqueza por não ser homogênea, a escola pública só tem a ganhar em democracia, em tolerância, em respeito pela diversidade, em busca de uma sociedade que não olhe os olhos, mas o que está por detrás deles... Mas, pra isso, a escola pública e todos que usufruem dela, professores, gestores, comunidade escolar, políticos, precisam aceitar esse diferencial riquíssimo que a escola pública tem, de modo que os grupos atendidos não sejam mera matrícula de pertencimento, mas uma inclusão de fato de suas vivências e culturas, pois ao se marginalizar o conhecimento do aluno a escola pública abandonará seu potencial democrático para se assemelhar a escola privada que homogeneíza o currículo e ao fazer isso homogeneíza pessoas.

Ana Paula Ferreira, professora da rede Municipal e coordenadora pedagógica do Educafro Poços de Caldas.