quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

TRANSPORTE PÚBLICO EM POÇOS - NÚMEROS, APENAS NÚMEROS


Os maiores prejudicados com o aumento da tarifa do transporte público de R$3,00 para R$3,30 (10%) são seus usuários, na imensa maioria trabalhadores assalariados. 

Num exemplo simples: se o trabalhador “A” recebe um salário mínimo e lhe é descontado 6%  referente ao Vale Transporte, em 2015 esse percentual representava R$47,28, já ao longo de 2016 com o aumento da tarifa do transporte público lhe será descontado R$52,80 por mês. A diferença anual chegará a R$66,24 o suficiente para comprar aproximadamente 13 kg de feijão ou 30 kg de arroz.

Agora vejamos outro exemplo. Imaginando que o trabalhador “A” tenha uma família, esposa e dois filhos maiores de cinco anos. Se ele quiser num  domingo aproveitar com sua família de algum dos poucos espaços públicos destinados ao lazer e para isso precisar se deslocar utilizando duas linhas do transporte público, ele desembolsará  R$26,30. Somadas os valores desse “passeio” mais o que é descontado em folha chega-se a bagatela de R$79,10 ou 8,98% do seu salário. Isso se o trabalhador “A” permitir a si e a sua família apenas um final de semana com lazer fora de casa. Isso também se durante todo o mês nem ele e nem sua família precisarem utilizar o transporte público para qualquer outra eventualidade como consultas médicas ou mesmo pagamento de outras tarifas públicas como água, luz, IPTU – lembrando que a maioria dos bairros da periferia de Poços não contam com postos aptos a receber essas tarifas. 

Pensemos noutro exemplo, mais drástico. O trabalhador “B” recebe dois salários mínimos (R$1760,00, valor considerado razoável para os padrões poços-caldenses). 

No entanto o trabalhador “B” também possui dois filhos, ambos cursam o Ensino Médio e no bairro onde moram só possuí escolas voltadas para o Ensino Fundamental. Nosso herói – nesse caso não se trata de eufemismo – gastará por dia com transporte público para seus filhos R$6,60. Por semana R$33,00. Por mês considerando vinte dias letivos R$132,00. Mas os gastos da família com o transporte público não param por aí. Uma vez por semana a esposa de nosso herói precisa se deslocar até a região central da cidade para diversos afazeres – buscar medicamentos que só são distribuídos na farmácia central; fazer o supermercado ou feira; pagar contas de água, luz IPTU; participar de reuniões na escola dos filhos; etc. O trabalhador “B” também gosta de passear com sua família e o faz uma vez por mês. Além disso, participam num domingo por mês do almoço de família promovido na casa dos pais de nosso herói. Os jovens filhos do casal também gostam de se encontrar com os amigos e pelo menos uma vez por mês se deslocam até bairros mais distantes para revê-los. Somados todos os gastos de nosso herói só com passagens chegamos a R$330,00 ou 18,74% do seu salário bruto (lembrando que sobre o salário incide outros descontos como o INSS e a contribuição sindical). 

Resta claro que o transporte público tem grande impacto nas finanças familiares. Mas temos outras reflexões sempre utilizando o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Em 2013 a tarifa em Poços custava R$2,60 e a inflação acumulada naquele ano foi 5,91%. No entanto, o aumento da passagem foi de 7,69% indo a R$2,80. Em 2014 a inflação foi de 6,41 e a passagem saltou para R$3,00, com um aumento de 7%, portanto, e novamente, acima da inflação. Já em 2015 a inflação chegou a 10,67% e aumento foi de 10%, pela primeira vez nos últimos três anos pouco abaixo da inflação. 

Voltando um pouco no passado, porém não tão distante, em janeiro de 2010 os poços-caldenses pagavam R$2,00 na tarifa do transporte público. A inflação acumulada de lá pra cá foi de 48,9%. Se reajustarmos pelo IPCA a tarifa chegará a R$2,98. Ou seja, por esses cálculos a tarifa deveria estar 0,32 centavos mais barata. 

Mas ainda nem chegamos ao pior. Em dezembro de 2014 o prefeito Eloísio do Carmo Lourenço enviou à Câmara projeto de lei reduzindo a alíquota do ISS (Imposto Sobre Serviços) da empresa concessionária do transporte público de 5% para 2%, ou seja, a empresa conseguiu o que nenhum outro contribuinte conseguiu ultimamente, baixar em 60% um dos impostos que paga. 

Ao que tudo indica o cidadão comum de Poços, o trabalhador, aquele que não tem alternativa a não ser usar o transporte público e que teve aumento de 30,36% em sua conta de luz e 3,65% em seu IPTU ao longo do último ano, terá que dormir sabendo que paga cada vez mais caro também na passagem de ônibus enquanto a empresa concessionária, ao contrário de todos os cidadãos comuns, paga menos impostos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Educafro: retrospectiva 2015



Por Ana Paula Ferreira

O curso pré-vestibular comunitário de educação para a camada popular e afrodescendentes – Educafro – está no município de Poços de Caldas há mais de 10 anos e esse ano de 2015 continuou seu histórico de luta. 

Educafro existe porque o Ensino Superior embora com vários avanços ainda é um espaço de poucos. Por isso, a Educafro persiste para possibilitar que estudantes de escolas públicas tenham mais condições conceituais para se inserirem nas faculdades públicas ou privadas. Porém, é importante frisar que a Educafro não se faz apenas como cursinho pré-vestibular. É antes de tudo um movimento social.

O grande ranço que separa os que passam no Enem e os que não têm nota suficiente para cursar o Ensino Superior é um reflexo de um abandono da escola pública e em contrapartida de uma desigualdade de renda absurda que torna possível que apenas a elite se alimente do saber historicamente construído e tenha mais oportunidades de se servir dos meios universitários mais conceituados. É nesse cenário que a Educafro se inscreve: se por um lado busca contribuir para inserção da classe trabalhadora enquanto estudantes universitários, por outro questiona esse modelo econômico que transforma a educação como moeda de troca.

Por isso, além das aulas convencionais, há a aula de Cultura e Cidadania. Por isso que no decorrer do ano participa de inúmeras ações que demonstram a indignação com os problemas sociais. Esse ano de 2015 não foi diferente.

Começamos em março em parceria com o Instituto Moreira Salles e com o grupo que luta pela igualdade de gênero “Moça Você é Machista” para apresentação de um documentário e discussão a respeito do tema aborto. Longe de uma abordagem moralista, religiosa e fundamentalista, buscou-se um olhar não tão divulgado pela grande mídia: a questão saúde pública ao se pensar em milhares de mulheres que anualmente morrem vítimas de abortos clandestinos e de uma sociedade machista e patriarcal.

No dia 1° de maio fizemos uma panfletagem e conversa com os trabalhadores sobre a PL 4330, que roga sobre a regularização das terceirizações do trabalho. No fim do mês, em parceria com a UEMG, realizamos o I Seminário da Mulher Negra com a problemática da desigualdade de gênero e os impactos ainda maiores quando se trata da mulher negra, maior vítima de abuso sexual, desemprego e subempregos; inferiorizada por uma sociedade de consumo que deprecia sua pele, seu cabelo, sua cultura. 

Em parceria com a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) participamos de arrecadações de produtos de higiene e livros para as detentas da cadeia de Poços de Caldas, que se encontram em situação de carência em relação a esses produtos.

Participamos junto com outros grupos da Marcha contra a Intolerância Religiosa, Contra o Genocídio do Povo Negro e Contra a Violência em Relação à Mulher. Realizamos o encontro entre núcleos da Educafro de Minas Gerais que teve o privilégio de receber Frei David, fundador da Educafro e uma liderança de destaque nacional em relação à igualdade racial.

Em setembro, em parceria com o Coletivo de Educação, organizamos a palestra do professor Carlos Rodrigues Brandão, que fez uma fala sobre educação popular e Paulo Freire no espaço cultural da Urca para mais de 500 pessoas. 

Enfim, nossa luta foi em diversas frentes, em relação aos grupos mais vulneráveis, o negro, a mulher, a presidiária, o trabalhador, buscando superar o discurso blablazante e a ação vazia, desconectada de reflexões profundas, apontando para uma tentativa de se fazer a práxis, entre o estudo e a prática, a teoria e o agir sobre o mundo, aproveitando-se do saber como um processo de denúncia e de grito.

Continuemos na luta em 2016!

Ana Paula Ferreira,coordenadora do Educafro Poços.