sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A PEC NÃO É O XEQUE MATE


Por Tiago Barbosa Mafra

A Proposta de Emenda Constitucional 55 (PEC 55 no Senado, PEC 241 na Câmara Federal), com intuito de modificar o texto original da Constituição Federal de 1988, atende puramente a interesses rentistas e do capitalismo financeiro. A esperança do governo Temer é aprová-la ainda esse ano, com vigência para 20 anos e efeitos muito mais duradouros. Cunhada como “PEC da Responsabilidade Fiscal” que afetará todos os investimentos primários da União, com efeitos sucessivos para as demais esferas de governo, sem contudo afetar o pagamento de juros da dívida pública.

A princípio, com todo o desgaste da política brasileira, falar em responsabilidade fiscal soa bem. Com o desemprego e paralisia econômica, parece responsável falar em teto de gastos, limitação de gastos. Mas essas terminologias escondem algumas pretensões. Hoje a divida representa mais de 60% do PIB e para garantir a manutenção dos repasses aos credores, sem limites, os serviços públicos é que sofrerão os efeitos e a qualidade dos serviços piorará. Os mínimos constitucionais de investimentos acabarão gradativamente por se perder, serviços públicos se precarizarão e consolidaremos o imaginário social de que “o que é público é ruim”. Numa projeção feita pelo CNS ( Conselho Nacional de Saúde), nos próximos 20 anos a saúde deixará de receber 400 bilhões de reais. Na prática representaria o fim do SUS. De acordo com análise feita pela Câmara dos Deputados, para a educação, o congelamento dos investimentos do governo federal representa perdas de até R$58,5 bilhões, somente nos primeiros 10 anos. A medida compromete TODAS as metas do Plano Nacional de Educação (PNE). (CNTE com base nos dados do IPCA e LDO).

A projeção da população brasileira é de 220 milhões de habitantes para 2030 (IBGE), 15 milhões a mais de pessoas pressionando os serviços públicos com investimentos congelados. E com a qualidade pior do que a que temos hoje, vem o xeque mate. O golpe parlamentar foi a abertura da partida. A PEC é o posicionamento apenas das peças para que mais à frente tenhamos a jogada final. Muitos, frente à eminência de aprovação no Senado, já disparam: a PEC não será suficiente. Outras medidas serão requisitadas: reformas previdenciárias, flexibilização da CLT, sempre sob a justificativa de equilíbrio e ajuste fiscal. E não resolverá o problema.

O que se fará no país é garantir o pagamento de juros da dívida acima da garantia e oferta de serviços públicos à população. É o rentismo sobrepondo a qualidade de vida. Essa já era uma crítica que se fazia ao governo Lula e que persistiu no governo Dilma. Agora, além de não rever a questão dos pagamentos da dívida, a PEC vem para desmontar o serviço público brasileiro. Pagamos, somente com juros, R$218 bilhões (2013), R$ 243 bilhões (2014) e R$ 367 bilhões (2015). (Fonte: Tesouro Nacional)

Ao mesmo tempo em que discursa a responsabilidade fiscal, Temer aumenta repasses às empresas de publicidade e comunicação; reajusta os salários dos magistrados; igrejas continuam sem tributação; a auditoria da dívida pública, prevista na CF de 1988, bem como a tributação de grandes fortunas, permanecem somente no papel.

Mas qual a jogada final? A precarização dos serviços, do trabalho e da previdência preparam o terreno para a abertura para terceirizações e privatizações. É o avanço do neoliberalismo sobre as fatias produtivas e de serviços que permanecem nas mãos dos Estados Nacionais. E ai em breve, teremos a possibilidade de ingressar no TiSA (Trade in Service Agreement), acordo comercial e de serviços que vem sendo costurado pelas grande potencias econômicas e que visa liberalizar ao máximo, ampliar o poder das grandes corporações e sucumbir a autodeterminação dos povos, as constituições nacionais e os direitos sociais e trabalhistas. E somos parte desse xadrez.

Enfim, o que está em jogo é uma visão acerca das funções do Estado. Nossa saída? Mais democracia, mais participação, justiça econômica e redução das desigualdades.  Tudo que havíamos começado a fazer. Tudo que os “donos” históricos do Brasil não querem. Haverá tempo para uma reação?


Tiago Barbosa Mafra é professor de Geografia nas redes públicas Estadual e Municipal de ensino. Voluntário no Curso Pré Vestibular Comunitário EDUCAFRO.

terça-feira, 26 de julho de 2016

O DESAFIO DA DEMOCRACIA

Por Tiago Barbosa

Mesmo após quase 20 anos dos governos chamados progressistas estarem à frente de diversos países da América Latina, os problemas estruturais historicamente formados ainda afligem grande parte da população da região. Ainda somos 167 milhões de latino americanos na pobreza e 71 milhões na indigência, segunda dados da CEPAL (2014).

Frente a essa situação agregam-se ainda o processo de internacionalização da economia e as mudanças nos modelos produtivos e de organização do trabalho, produtos da globalização e das formas de adequação do capitalismo na busca de mais acumulação e lucro. É nesse cenário que identificamos o que o pensador português Boaventura de Souza Santos chama de “zonas livres de democracia”, as áreas onde as instituições democráticas “(...) coexistem com práticas totalitárias que impedem ou interrompem os processos de transformação democrática”. O autor, ao tratar sobre o êxito dos governos progressistas na região, demonstra a fragilidade das conquistas das últimas décadas, justamente porque não houve logro em criar uma outra mentalidade democrática a partir desses governos.

Criam se assim, as zonas livre de democracia, áreas onde o fascismo impera em diversos aspectos do cotidiano, para além do âmbito da democracia formal, ou, a burocracia do voto. Em seu texto Cidadania y democracia en Bolivia (2015), Álvaro Garcia LINERA chama a atenção para a escassez de vivência política do povo na Bolívia, mas que se aplica à realidade de grande parte dos países da América Latina. LINERA aponta que “(...) tenemos que el tiempo democrático de la vida social se comprime a su mínima expresión, mientras que el tiempo de la arbitrariedad estatal se amplia en términos absolutos”.

Os fascismos cotidianos e a estrutura de construção da consciência coletiva subserviente, individualista e avessa à participação dão o toque final às democracias de baixa intensidade, com espaço político democrático, mas com os demais âmbitos da vida dominados pelas marcas do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado. Seria o que o geógrafo Milton Santos e o escritor Ignácio Ramonet, dentre outros, nominaram de GLOBALITARISMO. Um mundo economicamente globalizado, mas socialmente desigual, culturalmente homogeneizador e politicamente refém das grandes corporações financeiras e transnacionais. Um totalitarismo atualizado, dentro dos moldes do século XXI, garantidor da manutenção e ampliação dos ganhos dos mesmos de sempre.

O capitalismo globalizado e o modo de vida que acaba por impor, traz ainda a visão de crise contínua, com seus receituários próprios da necessidade de contínuos ajustes fiscais, austeridade e “esforços coletivos” que normalmente afetam os setores sociais e as camadas mais pobres de nossos países. Uma visão única dos processos, que por si carregam as visões únicas de alternativas disponíveis. Afirma BOAVENTURA: “Por isso estamos em uma situação quase contraditória, porque quanto mais necessária é a alternativa, mais difícil é pensar e criar essa alternativa”.

Nesses tempos de novos totalitarismos, estabelecem se os padrões ocidentais, eurocêntricos, e a cargo das transnacionais, que operam as novas formas de imperialismo, não mais sob a batuta dos Estados, mas sim das mega-corporações. Nessa “aldeia global totalitária”, à massa cabe apenas o trabalho e não a vida pública, em relação à qual tem apatia ou repulsa.

LINERA salienta o quanto o passado subserviente da população lhe condiciona a não participação política. Primeiro com os processos excludentes da primeira constituição, onde pobres, indígenas, crianças e velhos estavam fora dos círculos de “cidadania”. Posteriormente, a cidadania se dava por meio da filiação sindical, instrumento através do qual se fazia chegar aos governantes as demandas populares. E por fim, o modo contemporâneo da vida política com eleições democráticas, onde a vivência cidadã se restringe ao voto, como citado anteriormente. O autor inclusive caracteriza a cidadania moderna como sendo irresponsável, na medida em que a vida política se converte em uma cerimônia burocrática de poucos instantes, de tempos em tempos, por meio da delegação da decisão a outrem que não o cidadão. Nesse modelo os partidos são os mandatários, uma elite política a quem cabe o exercício delegado do poder.

Novamente, é urgente a necessidade de uma saída, um desafio da democracia como algo constante, de intensa e duradoura mobilização na tentativa de efetivar direitos e reduzir as desigualdades. “O poder constituinte do futuro terá um pé nas instituições e um pé na rua, na ação direta e pacífica” (BOAVENTURA). Uma ampliação da cidadania depende “(...) de un arranque de iniciativa social que reinventaria el significado de ciudadania como acto de responsabilidad permanente de cada persona en el destino de lás demás”.

O indicativo é justamente para que se busque, em cada espaço, em cada lugar, a construção de espaços de resistência, de ilhas de democracia, capazes de a princípio resistir, se multiplicar e buscar modificar a lógica à qual estamos submetidos atualmente, um mundo de múltiplos fascismos aceitos como normalidade.

Por Tiago Barbosa Mafra – professor de Geografia na rede pública municipal e membro do Pré Vestibular Comunitário Educafro. 

terça-feira, 7 de junho de 2016

NÃO À POLÍTICA: NEGATIVA PERIGOSA


Por Tiago Barbosa Mafra

É tempo de paradoxos: enquanto milhões ligados a movimentos sociais ocupam as ruas constantemente, um sentimento coletivo de descrença em relação à política ganha corpo e força. É histórico que sociedades que negaram a política como instrumento de gestão da vida pública enveredaram por caminhos totalitários, profunda ou sutilmente.

Um ódio às entidades partidárias é notório. E argumentos não faltam, pois as mais de 30 siglas têm pouco de conteúdo ideológico e muito de empresarial: foram capturados pela lógica financeira, plutocrática, da manutenção do controle político via estruturas públicas com finalidades privadas. E mesmo os que operaram reformas se valeram da lógica mercantil vigente para fazê-lo.

Longe de entrar no mérito dos meios, o fato é que tudo tem demonstrado que essa forma de conduzir a vida e as decisões públicas ( na maioria das vezes sem o povo) apresenta um profundo esgotamento.
E nesse ponto crucial, de necessidade de novos arranjos e opções, convivem proposições diametralmente opostas, desde os que pedem mais participação, democracia efetiva aos que deixam revelar o ódio à política, confundindo as criticas aos partidos a uma aversão ao republicanismo como um todo.

A criminalização da política, em um país que vive há poucos anos um ensaio de democracia, tende a evidenciar o caráter totalitário de setores elitistas, atrelados ao capital internacional e que usam o oligopólio dos meios de comunicação para propagar uma visão única sobre a crise, bem como sobre seus antídotos, com a garantia da útil disseminação pela classe média apolítica e desprovida de privilégios que tanto pelos quais tanto preza, bem como por trabalhadores despolitizados, inseridos no consumo, mas não na vida pública.

Nesse cenário de caos, pouca reflexão encontra espaço. Sobram resposta fáceis, políticas de austeridade, equilíbrio fiscal, sempre é claro, à custa das partes mais pobres da população. No país do “povo cordial”, avesso ao conflito, falar em luta de classes é heresia. Chega de crise, “vamos trabalhar!”.

Mas não se resolve crise com mais crise. Vivemos na prática, uma onda fascista, saudosa (conscientemente ou não) de outros totalitarismos.  São características evidentes, mas travestidos de normalidade, ou no máximo, de um “mal necessário”. Restrição de direitos, criminalização de movimentos sociais e partidos, ataques à cultura, desmonte de uma tentativa de bem estar social de 13 anos. Mas tudo pelo bem da nação.

É notório que o modelo de conciliação não se sustentará. Muito menos com relações promíscuas entre entidades privadas. Não retornaremos mais à mesma situação. O país está em disputa. Só não se sabe em que direção, profundidade e em benefício de quem caminharemos.

O que já sabemos é que a história e a política não devem ser negadas. A sociedade não deve continuar encarando a desigualdade como algo natural ou aceitável. O Brasil vive  a evidenciação da luta de classes.

O resultado? Algo entre o poder popular e a violência totalitária. Que os pobres não paguem a conta novamente.


Tiago Barbosa Mafra é professor de geografia na rede pública municipal de ensino e voluntário no pré vestibular comunitário Educafro.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

QUEM LUTA, EDUCA... E PAGA O PREÇO

Por Daniela Volpi 
Eis que nos dias 15,16 e 17 de março de 2016 os professores da rede municipal entraram em greve, usufruindo deste direito constitucional do trabalhador para conseguir efetivamente reclamar seus direitos.
No município de Poços de Caldas os docentes do Ensino Fundamental I - àqueles que alfabetizam seus filhos - estão com o salário abaixo do Piso Nacional desde janeiro deste ano. Além do que, têm por direito a destinação de 1/3 de sua jornada para trabalhos extraclasse tais como preparação de aulas e correção de avaliações tão importantes para a melhoria da qualidade de ensino, previstos em lei desde 2008.
Na ocasião da greve, além do cumprimento destes quesitos, foi pedido a administração a negociação destes três dias de greve para que não houvesse desconto em folha, mediante reposição dos dias não trabalhados, já que os alunos têm direito a não menos que 200 dias letivos no calendário escolar.
É certo que o direito de trabalhar, e todos precisamos de trabalhar e receber nossos salários para honrar nossos compromissos, está suspenso quando quando decide-se entrar em greve. Mas esperávamos uma mínima compreensão por parte da administração, tendo em vista o vergonhoso salário que recebemos.
Pois bem, os professores estão sentindo agora, de maneira punitiva, os efeitos da luta por seus direitos: o professor das séries iniciais que recebe hoje o salário bruto (abaixo do piso nacional) de R$ 984,15 e líquido menos de R$ 800,00, receberá neste mês maio algo em torno de R$ 600,00 reais, tendo em vista o desconto dos três dias de greve somados a perda do descanso semanal remunerado.
Manifesto aqui meu desapontamento frente a tal decisão, já que estes dias poderiam ser repostos, sem ocasionar perdas salariais; assim como é realizado na esfera estadual.
Ademais, o salário que deveria ter sido reajustado em janeiro, de acordo com a Lei de Piso Nacional, não foi corrigido até o momento. Segundo as negociações, se tal reajuste vier a ocorrer, as correções não incidirão sobre os meses anteriores. Ora, serão 6 meses de salário abaixo do piso, totalizando uma perda de mais de R$ 500,00 para o professor. Pois é esta a valorização que se dá para aqueles que preparam as futuras gerações.
São as ações humanas e políticas que se julgam neste momento. Todas as pessoas têm o direito de acreditar nas suas posições e lutar por elas. Mas não de ferir o direito de outrem.
Portanto, quando vierem as propagandas eleitorais tratando das novas vagas criadas em creches ou de “trocentos” alunos matriculados em tempo integral... Lembre-se que existe uma classe trabalhadora sendo aniquilada em função destes números. 
Sim! Às custas da mão de obra barata do professor!
Daniela Volpi, educadora da rede municipal de Poços de Caldas. 

quinta-feira, 21 de abril de 2016

UM DOMINGO VERGONHOSO!!!

Antes de qualquer coisa é preciso deixar algo claro: impeachment é um instrumento previsto na Constituição, portanto legal. Porém, faz-se necessário que, para haver impeachment, haja de fato algum crime de responsabilidade e as tais “pedaladas” fiscais são, por ora, motivo de intenso debate e controvérsia entre juristas.  Inclusive havendo uma corrente que defende o julgamento do mérito pelo Supremo Tribunal Federal. Dito isso sigamos adiante.

A incrível derrota sofrida pela jovem Democracia brasileira no último domingo foi também a pá de cal no nosso presidencialismo de coalizão, termo cunhado pelo cientista político Sérgio Abranhes. Não seria de todo ruim, caso houvesse algo a disposição para sucedê-lo. Ao contrário, parece que o que nos reserva o futuro é, se levarmos em conta as intenções de quem financiou o golpe – FIESP e Instituto Millenium à frente – uma “democracia” sem sindicatos, movimentos sociais, partidos populares, uma sociedade onde não haja o equilíbrio gerado por conflitos e tensões. Ou seja, algo parecido com o que Albert Camus um dia chamou de “afirmação total”, a afirmação do status-quo e a negação da revolta. Portanto, algo muito distante de qualquer tipo de sociedade em que se busque de alguma forma, ainda que tímida, reverter o processo de acúmulo do capital e distribuí-lo de maneira mais honesta e racional.

C.B. McPherson, cientista político canadense, autor de "A teoria política do individualismo possessivo", limitou a democracia representativa como sendo uma democracia formal. Essa seria o conjunto do Estado com suas instituições regradas por governantes/representantes eleitos em eleições regulares e periódicas. O contraponto a essa democracia seria a “democracia substancial”, aquela onde se encontra efetiva participação popular e o empoderamento da sociedade se dá de forma contínua. Com certeza FIESP e Instituo Millenium não anseiam uma democracia substantiva, pois, para tanto, é necessário respeitar alguns direitos básicos e a própria dignidade humana.

Mas voltando ao show de horrores que tivemos o desprazer de assistir no domingo passado. Restou claro e patente que a História sempre cobrará em algum momento a fatura pelas nossas escolhas. É extremamente emblemático notar que  todos os deputados do PSOL – que nos últimos dez anos foram inúmeras vezes motivo de deboche e chacota por parte dos petistas –  se posicionaram de forma contundente contra o golpe de Estado elaborado por Eduardo Cunha, Michel Temer, Aécio Neves et caterva. Tão emblemático quanto foi  ver Ronaldo Lessa (PDT-Alagoas) ser o último a votar e votar contra o golpe. Lessa para quem não sabe ou não se lembra, foi governador de Alagoas e por diversas e reiteradas vezes traído pelo PT.  Continuando nessa linha não podemos deixar de citar o trabalho de Flávio Dino, governador do Maranhão, que nos dias que antecederam o show de horrores trabalhou incessantemente contra o golpe. Justo ele que quando digladiou contra a oligarquia Sarney foi abandonado e traído pelo PT. Por outro lado, também emblemático e sintomático, foi a postura dos aliados preferenciais do PT nos últimos tempos. Figuras como Paulo Maluf, Sarneyzinho e Newton Cardoso Jr. (para ficarmos em três exemplos bem representativos) votaram a favor do golpe travestido de impeachment.

A traição por parte dos neoaliados do PT era previsível e anunciada. André Singer no ótimo “As raízes do lulismo – reforma gradual e pacto conservador” (2009) já mostrava profundas preocupações sobre os limites do consenso formado em torno de uma agenda de inserção social e equilíbrio político que claramente primava pelo consenso e a não ruptura. Vladimir Safatle escrevendo uma série de artigos para a revista Carta Capital antes das jornadas de junho de 2013, já alertava sobre o apodrecimento de nosso presidencialismo de coalizão e a radicalização política que se aproximava.

Quando o PT se reinventou no governo, deixando de ser um partido firme na defesa das propostas do campo democrático popular e grande formador de quadros para se tornar um partido adepto do presidencialismo de coalizão, do governismo de gabinete e tocado na base da liberação de verbas e emendas, ele se tornou apenas um partido um pouco menos distante dos movimentos socais, sindicatos e sociedade civil organizada do que os seus antecessores no poder.


Isso explica bastante a razão dos pequenos discursos proferidos pelos parlamentares petistas não terem sido tão contundentes se comparados com os dos deputados do PSOL ou do PCdoB.  Falta-lhes, a maioria dos parlamentares petistas, a energia de quem luta por um sonho, o sonho de transformar o mundo e não apenas o mundo ao seu redor. Falta-lhes utopia. Sobra-lhes pragmatismo

sexta-feira, 4 de março de 2016

O projeto Político Pedagógico da escola e seu currículo: sua grande autonomia


Por Ana Paula Ferreira

A escola enquanto instituição social não se isola territorialmente. Além de possuir janelas e portas com possibilidade de receberem novos ares, compreende também pessoas que transitam em seu ambiente e que carregam em si a marca da onde vieram, da onde falam, da onde pensam.

Devido a essa condição de pertencimento à sociedade, a escola cumpre o papel que lhe é exigido por leis, parâmetros, referencial curricular. Isso é uma forma de se organizar politicamente a escola, minimizando as contradições regionais, sociais, econômicas, em busca de coordenadas gerais no qual a escola se torne um espaço propulsor nas discussões das demandas de uma nação. O sociólogo Florestan Fernandes já sinaliza essa importância da instituição escolar, associada a um plano social, que na visão desse teórico ela deveria atingir altos patamares de racionalização através das disciplinas curriculares e ainda uma consciência cívica de modo que a população pudesse participar cada vez mais das decisões políticas. Como disse uma vez em entrevista "Um povo educado não aceitaria as condições de miséria e desemprego como as que temos".
           
O problema é que na atual conjuntura de um Estado que segue ditames do capitalismo, das leis do mercado, a escola é vista como espaço pragmático e utilitarista, devendo formar quadros de trabalhadores.  O espaço escolar é invadido por esse paradigma e esse é um reflexo nefasto porque lhe retira a condição da própria origem da palavra “escola”, que em grego quer dizer “lugar do ócio”, no sentido de ocupar o tempo livre com criatividade, discussão de temas e assuntos, estudo e se contraporia a ideia de ‘negócio’, que etimologicamente quer dizer negar o ócio.
           
Não é a toa que a escola imita a fábrica com seus apitos (opa, sinais), com seus muros altos, com a compartimentação de salas de aula e profissionais (professores) especialistas que pouco dialogam com as outras áreas. Aula no pátio é coisa rara (a não ser pelo professor de Educação Física), aula com projetos é visto como ineficiente, afinal não trabalha as perguntas e respostas da Prova Brasil, aula com jogos é ainda associada a “passar o tempo”.
           
O ruim é que talvez por desconhecimento, talvez por ser mais cômodo, toda escola tem seu grau de autonomia curricular legitimado por lei e que raramente é utilizado consoante ao Projeto Político Pedagógico. Refiro-me ao artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB9394/96) que garante a cada estabelecimento de ensino sua estruturação curricular assentada na discussão com a comunidade escolar.
           
Assim, há um programa curricular nacional, o hegemônico, o que estimula em linhas gerais o que é necessário que todos aprendam. Entretanto, é também possível que cada escola faça seu próprio currículo, partindo do senso comum da localidade, dos saberes populares, da história e do conhecimento microrregional e dialogando com o mundo, com a sociedade, através de uma participação com os profissionais da educação, alunos e familiares.

Quando digo profissionais da educação estão subtendidos não somente os professores e a direção, mas inclusive as merendeiras, cuidadores, pessoal da secretaria e da limpeza, lembrando que todos em suas atividades acabam por educar e possuem um público que é específico e precisam, portanto de participar do plano da escola. Em relação aos familiares, é sabido que a criação de uma participação cada vez mais profunda com a comunidade é um desafio para boa parte das instituições escolares, mas é um dever democrático buscar essa inserção dos responsáveis diretos pelos alunos nos debates e nas definições do currículo escolar.

Dessa forma, a escola usará suas portas e janelas para entrar não somente leis e pessoas, mas ideias, conhecimento de mundo e romperá aos poucos com a ordem capitalista que se instala na linha de produção escolar quando esta adota o mesmo currículo pasteurizado que outras escolas de realidades diferentes. Amparada na sua terra e nas suas pessoas, a escola pode pensar sua estrutura, sua filosofia, seu currículo, concatenado com seu projeto político pedagógico.
Quem sabe assim a escola deixe de ser apenas um espaço dentro da comunidade para ser um espaço de pertencimento, aliando conhecimento popular com conhecimento científico, preocupação com o saber e com uma ação social, teoria e prática, global e local.


Ana Paula Ferreira é Pedagoga e mestranda em Educação pela UNIFAL.

Sugestão de leitura:
A construção do projeto político-pedagógico na escola  de Antônio Betinil. Revista Educação, v. 01, n. 3, jan./dez. 2005.
Planejamento participativo na escola. O que é e como se faz Maristela Gemerasca e Danilo Gandin. Edições Loyola, 2002.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Que nos libertemos em comunhão!

Por Ana Paula Ferreira

É muito comum na mesma área de trabalho haver pequenas rivalidades, dissabores, ausência de diálogo entre profissionais. Exemplificando o campo da educação que é o terreno onde piso, há certo mal estar entre professores da lei 100, os concursados e os designados. Em termos municipais há a incoerente diferença salarial entre as professoras regentes de turma do Ensino Fundamental I (quase todas com nível superior) e os professores regentes de aula, os PII, que provoca comparações e cria espaço para uma hierarquia simbólica onde na verdade ela não existe. Nesse cenário nos aprisionamos em nossos afazeres cotidianos e nos impossibilitamos de superar os percalços da educação.

Quantos de nós já não ouvimos: “Fecho a porta da sala e faço o meu trabalho”? Não quero dizer com isso que o professor dessa linha de pensamento não faça um bom trabalho pedagógico, mas se nega a aprofundar o que a educação nos mostra ser: um caminho para nos libertarmos em comunhão.
           
Liberdade consiste em ter tempo livre; em não precisar ser escravo de dois ou três períodos para lecionar diante da miséria salarial; de termos dinheiro suficiente para o lazer; para além de educarmos os filhos de outros, termos tempo para nossos filhos; tempo livre para formação política para sabermos de nossos direitos e não só dos deveres.
           
Seríamos então livres diante da ditadura de uma sociedade que sucateia o trabalho docente ao ponto de lhe cercear a produção intelectual e transformá-lo em mero executor de programas? Estaríamos exercendo a liberdade ao sermos obrigados a trabalhar dois turnos ou mais diante do peso das responsabilidades financeiras contrastando com salários insuficientes?
           
Se os problemas entre os professores não são individuais, mas marcas de uma categoria, o posicionamento de embate deve ser de um coletivo como expressão de um grupo que não apenas ensina conteúdos, mas ensina com o exemplo da luta.

Ser educador é acreditar em mudança! Ser educador é criticar quando necessário, mostrando que a contradição que dinamiza o processo, embora a não concordância para aqueles que ocupam o poder cause um mal-estar.

Queremos liberdade não a conta-gotas, queremos mais tempo para o lazer, para o estudo, para formação humana e profissional. Temos a lei 11.738 que nos ampara! Temos o PNE que pontua em uma de suas metas a equiparação salarial do docente com outros profissionais que tenham curso superior.  

Para exercermos a liberdade de escolha por um cargo apenas de 30hs – tal qual a proposta do Executivo - precisamos de um salário realmente compensatório, pois caso contrário é nos aprisionarmos nas amarras financeiras. Ninguém quer cansar de trabalhar! Precisamos! E talvez representantes políticos fechem os olhos para isso.

Não há processo de libertação se não for para todos. Por isso, o projeto encaminhado pelo Executivo municipal de Poços de Caldas não satisfaz haja vista que em termos concretos beneficia só uma parcela dos profissionais da educação. Faz parte da prática dominante o “dividir para conquistar”! Mas, perante isso, que não nos rendamos a discursos mesquinhos e individualistas, principalmente daqueles que já se beneficiaram uma vez da redução da carga horária e hoje novamente querem fazer esse movimento. Que continuemos na luta para que a educação deixe de ser mero discurso político em época de eleição e passe a ser atenção verdadeira daqueles que nos representam.

Ana Paula Ferreira é Pedagoga e mestranda em Educação pela UNIFAL.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

DEPOIS DE 2 MESES

Por Joel Borges Junior

Há 2 meses atrás, fiz um post¹ falando sobre as eleições na Argentina e cheguei a conclusão de que Mauricio Macri não seria tão diferente do que estava acontecendo na Argentina.

Depois de 2 meses fiz um balanço:

- Aumento de 700% da conta de Luz

- Desvalorizou o peso e mudou a matriz arrecadatória, beneficiando os exportadores e prejudicando as classes baixa e média.

- Gerou mais inflação. (Calcularam uma inflação de 25 a 30% para 2016 e só Janeiro já atingiu 9.11%. Ano passado, a média era de 1.4% por mês.)

- Poderá atrair, de acordo com o governo, 20 bilhões de investimento no país.

- Desvalorizou os salários dos trabalhadores (A Cristina quando saiu, deixou 5588 pesos que valiam 607,81 dolares e estava acordado desde agosto para ir para 6060 pesos quando virasse o ano. Com a desvalorização do peso, mesmo indo para 6060 pesos, o salário está em 463,69 dólares.).

- Despediu mais de 24 mil empregados públicos (Alguns se dedicavam à implementação de projetos do Estado em bairros pobres e outros porque não concordavam com a política neoliberal)

- Abandonou os inundados do litoral (A província de Entre Ríos foi parcialmente inundada. Macri chegou a passar de helicóptero pela cidade de Concordia, a mais afetada. Faz 1 mês do acontecido e não teve nenhum plano de ação para atender a população afetada até agora. Muita gente foi salva por próprios civis. Segundo noticias, tem 30 mil pessoas desabrigadas.)

- Reprimiu os protestos sociais, deixando trabalhadores feridos porque eles simplesmente reclamavam por seus postos de trabalho. (nenhuma manifestação na era Kirchner foi reprimida com balas de borracha ou cassetete, como foi com Macri em seu primeiro mês de mandato)

- Burlou o Congresso, nomeando dois juízes da Corte Suprema a dedo e violando a Lei dos Médios (com a ajuda de Héctor Magnetto, o dono do Grupo Clarín)

- Taxando mais os serviços públicos, pondo em risco o déficit fiscal.
- E o ponto mais agravante na minha visão: Na Argentina há um mecanismo chamado Decreto de Necessidade de Urgência, que só pode ser utilizado em situações extremas pelo Executivo. Cristina Kirchner usou este recurso 29 vezes em 8 anos. Macri usou este recurso 260 vezes em 2 meses, e pior, muitos deles fere a Constituição.

Começou com o papo padrão de político "Vamos acabar com a corrupção, diminuir a maquina pública, combater o narcotráfico, readquirir confiança dos investidores". Sempre o mesmo papo abstrato, sem mostrar solução. A unica solução é colocar nas costas da classe média, trabalhadora e pobre.

Na minha análise, de até o momento, ele está terrível e eu errei grandiosamente na análise feita 2 meses atrás. Macri não é essa maravilha como estão tentando passar. Está prejudicando a população, os trabalhadores e ajudando somente os empresários. Ele está agindo como ditador pesado e a grande mídia argentina (que é do lado dele, ainda mais depois que ele mudou a lei dos médios na base da caneta) está escondendo isso.

Mas ainda há tempo para mudar minha opinião. Mas por enquanto é tenebroso seu mandato.

Joel Borges Junior,  funcionário público