* Por Tiago Barbosa Mafra
Os dias se passam, os sobreviventes não mais são encontrados, a decomposição dos corpos ainda é grande problema sanitário, o país continua arrasado, mas o impacto visual e emocional das notícias quentes e dos salvamentos gloriosos das tropas de paz da ONU já passou. Tanto que, as menções ao Haiti pós terremoto são vagas e ocupam pequeninos espaços nos noticiário diários, quando sobra uma brecha na programação.
Estranho pensar que as desgraças parecem tão imediatas quanto as notícias, mas apenas parecem.
A história de construção das condições de miséria do Haiti são relegadas ao esquecimento. Não se fala também do controle total, que de modo velado já existia, mas que agora, com uma mãozinha da mãe natureza, se institucionaliza através dos programas de ajuda e reconstrução do país abalado pelos terremotos dos últimos meses. Ajuda que trará uma conta muito grande para as futuras gerações de haitianos, disfarçada de acordos econômicos e de “cooperação” entre países.
Um dos momentos de preparo dessas condições de miséria, pode ser visto em um pequeno texto do jornalistas uruguaio Eduardo Galeano, de 1999, que aponta a maneira que o livre comércio lida com as diferenças de desenvolvimento dos países.
Não esqueçamos que nada surge do vazio. O processo histórico não permite ocultar os verdadeiros vilões. Terremotos não podem ser controlados. Dignidade humana ao alcance de todos, pelo contrário, é muito bem controlada pelas estruturas capitalistas e serve como moeda de troca nas relações de poder no tabuleiro geopolítico mundial.
A liberdade de Comércio
As notícias de rotina não têm divulgação. Em março deste ano, sessenta haitianos rumaram para a costa dos Estados Unidos num desengonçado barquinho, com a ilusão de ser recebidos como se fossem balseiros cubanos. Os sessenta morreram afogados.
Estes fugitivos da miséria tinham sido, todos eles, plantadores de arroz.
Muita gente vivia disso, no Haiti, até que o Fundo Monetário Internacional contribuiu para o desenvolvimento desse palpérrimo país, o país mais pobre do hemisfério ocidental, proibindo os subsídios à produção nacional de arroz.
E o Haiti passou de país produtor a país importador, os agricultores de arroz haitiano se transformaram em mendigos ou balseiros e o Haiti passou a ser, acredite-se ou não, um dos quatro mais importantes mercados do arroz norte-americano no mundo. O Fundo Monetário Internacional, ao que se saiba, jamais proibiu os enormes subsídios à produção de arroz nos Estado Unidos.
1999
GALEANO, Eduardo. O teatro do bem e do mal. trad. Sérgio Faraco.- 2a. edição- Porto Alegre: L&PM Pocket, 2008: 114.
Isso apenas mostra como as manobras do capital continuam a expoliar os pobres, sem se importar com as pessoas que morrem todos os dias, por falta de oportunidade, por falta de alimentos, por falta de estrutura de vida, por falta de esperança, por falta…
Como escreveu certa vez o filósofo Jean Jacques Rousseau, nas relações entre o forte e o fraco, a liberdade oprime.
Não esqueçamos das tragédias e dos Haitis espalhados pelo mundo e pelo Brasil. É o que quer a máquina de degradar homens. É o que não podemos aceitar.
* Tiago Barbosa Mafra é professor de Geografia na Rede Municipal de Ensino e no curso pré-vestibular comunitário Educafro.
tiago.fidel@yahoo.com.br
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