quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Celeuma em torno de Alain Touraine

Virou uma celeuma danada a entrevista que o sociólogo francês Alain Touraine concedeu ao jornal O Globo.

O octogenário intelectual, uma das principais autoridades europeias em estudos sobre os movimentos sociais na América Latina, declarou, dentre outras coisas, que o respeito internacional conquistado pelo Brasil é fruto tanto do esforço de Lula quanto do de FFHH – ressaltando que ambos têm responsabilidades idênticas nisso –, que Serra é “infinitamente” superior a Dilma no quesito experiência, sendo, portanto, uma opção muito melhor para governar o Brasil, e por último sugeriu ter medo de rompantes autoritários do futuro governo Dilma e segmentos do Partido dos Trabalhadores.

Obviamente a esquerda em coro desceu o cacete em Touraine e o acusou de ligações com FFHH – de quem, ao que me parece, Touraine é amigo pessoal ou coisa que o valha. No entanto não estamos falando de um dos “bocas de esgoto” alugados por Serra durante a recente e sórdida campanha presidencial. Nem se trata de algum neointegralista ou membro da Opus Dei, TFP ou congêneres. Touraine conhece bem o processo histórico da América Latina. Mais, diria que Touraine foi bastante honesto consigo mesmo em suas declarações, assim como também o é o historiador brasileiro Boris Fausto, outro intelectual que vê risco a democracia por conta dum terceiro mandato petista. (Só para lembrar, Boris Fausto nunca escondeu sua simpatia pelo PDSB, o que, no entanto, não o torna menor ou desqualifica totalmente suas ponderações).

Devemos tomar o máximo cuidado possível para não cair na tentação do maniqueísmo bucéfalo e acrítico. Simplesmente desqualificar o que o outro pensa e logo jogar-lhe a pecha de militar no partido A ou B não me parece a maneira mais sensata de levar adiante qualquer discussão. Na verdade ao agir assim não há vontade de se levar a discussão adiante, mas sim de interrompê-la simplesmente tentando desacreditar o outro, algo deveras difícil em se tratando de pessoas com o renome dum Alain Touraine ou dum Boris Fausto.

Um exemplo de como Touraine vê a sociedade e sua organização está nas páginas de Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes (Ed. Vozes,1997), onde a idéia de democracia não se materializa unicamente no conjunto de garantias institucionais e formais, mas sim representa a luta dos sujeitos, na sua cultura e sua liberdade, contra a lógica dominadora dos sistemas sociais. Nessa concepção é importante que os sujeitos protejam sua memória e que possam combinar o pensamento racional, a liberdade pessoal e a identidade cultural. Dessa maneira, a democracia deve tratar de seguir dois caminhos: por um lado, criar espaços para a participação cada vez mais perceptíveis e, por outro lado, garantir o respeito às diferenças individuais e ao pluralismo.

Touraine exorta a necessidade que se impõe de uma sociedade plural onde a cultura e as escolhas individuais sejam respeitadas na construção do bem estar coletivo. Nisso meu pensamento vai ao encontro do exposto pelo sociólogo francês. E é justamente aí que vejo Touraine cometer equívocos ao analisar, ainda que de forma bastante rasa, o futuro governo Dilma.

Não tenho a pretensão de desacreditar ou desqualificar Alain Touraine ou Boris Fausto. Meus pontos de discordância com ambos reside no fato de eu não ver perigos iminentes a democracia brasileira por a partir de 2011 adentrarmos num terceiro mandato petista a frente do comando do Estado brasileiro. Tampouco via José Serra mais preparado ou experiente que Dilma Rousseff para presidir o país. E embaso minhas concepções em fatos empíricos muito simples: O acerto das políticas públicas promovidas pelo governo central nos últimos quase oito anos e o inicio dum processo de real participação popular nos assuntos públicos. Obviamente que as políticas públicas de larga escala necessitam ser ampliadas – e de forma mais rápida do que vem ocorrendo atualmente – enquanto a participação popular – o seu maior exemplo são as inúmeras conferências nacionais sobre os mais diversos temas realizadas nos últimos anos – precisam ser aprofundadas e tomar caráter para além do propositivo. Também é inimaginável para mim que José Serra e o PSDB sejam sujeitos capazes de aprimorar essas conquistas.

Ademais são justamente essas conquistas obtidas no governo Lula os pilares para uma sociedade mais justa e menos desigual. Uma sociedade mais democrática, por extensão o inverso da ameaça vista por Touraine e Fausto. Talvez eles não entendam que essas conquistas não são frutos de políticas populistas, antes são parte duma política que busca levar o Estado onde até então ele era omisso. Temas como o “controle social da mídia” são urgentes num país onde meia dúzia de famílias controlam os meios de comunicação, a fim justamente de democratizá-los, e não desejo de se impor a censura. A interloução com os movimentos sociais é algo natural para um partido que se propôs chegar ao poder respaldada exatamente pelas reivindicações desses movimentos, e não forma de cooptá-los.

A experiência do Partido dos Trabalhadores, uma agremiação político-partidário-institucional oriunda dos movimentos mais baixos duma sociedade com o grau de complexidade que a brasileira possui, é algo singular na História da América Latina e o apoio que esses movimentos sociais continuam a dar-lhe mesmo após oito de governo é algo incomum para o olhar europeu, por mais que ele esteja acostumado a olhar para a periferia do mundo.

Um comentário:

Unknown disse...

Concordo com o autor, pois mesmo com todo o aparato intelectual europeu de analise dos países em desenvolvimento, falta o contato real com a complexidade brasileira e latina americana. Segundo o sociólogo Darcy Ribeiro, essa visão europeizante, contamina ainda nossos eruditos. É urgente estudos com olhares mais próximos de nossas necessidades. Devemos, portanto, valorizar mais nossos intelectuais, que muitas vezes são preteridos em relaçao aos estrangeiros, e que, no entanto, fazem verdadeiras obras primas a respeito de nossa realidade.Alguns de nós sabemos que o atual governo esta muito distante do que desejamos, e que suas reformas fortalecem ainda mais o capittalismo, lhe dando sobrevida, mas nós brasileiros sabemos o quanto essas pequenas reformas foram dificeis de serem implementadas, e o quão necessarias são. Não podemos negar que isso tem incomodado as elites, e que os avanços são reais com relaçao a população de mais baixa renda, os numeros que a direita tanto gosta de louvar não negam. Estamos caminhando, e todos juntos o que é mais importante.