sábado, 27 de março de 2010

Eterno trovador

Renato Russo completaria 50 anos hoje. O vocalista de uma das maiores bandas do rock nacional deixou uma legião de fãs e projetos no cinema e na literatura.


Por Pedro Rocha, no O Povo Online


No começo da década 1990, a estudante Andrea Araújo fez campana no orelhão próximo à rádio que sorteava ingressos para o show da Legião Urbana. Depois de várias ligações, conseguiu garantir a entrada para a apresentação da banda que a fazia garimpar raridades em sebos, gravar programas de televisão e transcrever em cadernos as letras que contavam a sua vida.

Um Renato Russo esvoaçante, vestido com uma blusa branca cheia de babados e segurando uma rosa vermelha na mão ainda sobe ao palco de sua memória. ``A performance dele é uma coisa que não sai da cabeça``, confessa Andrea 20 anos depois do show em Fortaleza, quando era uma entre os milhares de jovens aficionados pela banda de rock mais ouvida no País à época.


O carioca Renato Manfredini Jr. era o catalisador dessa paixão. Nesse tempo, o distrito federal fervilhava sobre os estertores da Ditadura Militar com bandas de rock pipocando pelas super-quadras do Plano Piloto. Algumas se consagrariam ao longo dos anos, como Titãs e Paralamas do Sucesso, mas nenhuma aglutinaria com tanta força essa paixão quanto o grupo formado por Renato, Marcelo Bonfá (bateria), Dado Villa-Lobos (guitarra) e Renato Rocha (baixo).


"Esse culto ainda existe com pessoas que nunca viram a banda tocar, a gente vê uma galera com seus 18 anos que é fã e nunca viu eles no palco. Eu acho isso muito interessante. As letras dele eram muito fortes, sem data de validade. Acho que ainda hoje não apareceu uma banda no pop rock como Legião Urbana``, diz Andrea.


Depois de integrar a banda de punk-rock Aborto Elétrico, Renato Russo escolheu a dedo os integrantes da Legião Urbana e já no final da década de 1980 chegava ao auge, tocada em todo o Brasil, estourando nas paradas de sucesso com o disco Que país é esse? e a música Faroeste Caboclo. O famoso show realizado em 1988 no estádio Mané Garrincha reuniu 40 mil pessoas e deixou patente a tensão entre os jovens da capital federal.


"O Renato faz parte da primeira turma de adolescentes que cresceu numa cidade igualmente adolescente. Ele tinha 13 anos quando chegou na cidade, mesma idade de Brasília. Foi a geração que desceu dos apartamentos pra tomar conta da cidade. Puxavam uma extensão e ligavam os amplificadores em locais públicos pra tocar. Toda a turma do rock de Brasília fez isso, uma ocupação mesmo no melhor dos sentidos. Foi a geração que deu alma a Brasília``, disse o jornalista Carlos Marcelo, autor da biografia Renato Russo: O Filho da Revolução (Editora Agir).


Envelhecer

A morte precoce em 1996, aos 36 anos, abreviou seus planos, mas não impediu que os jovens continuassem se identificando com suas letras. Todavia, os lançamentos póstumos pouco revelam do que poderia vir a ser a produção de Renato Russo. Leitor e cinéfilo precoce, o músico pretendia enveredar sua criação pelas outras linguagens artísticas com projetos como a adaptação para o cinema de Capitães da Areia (1937), de Jorge Amado, produção de um filme sobre a Legião Urbana e de um livro da história de sua geração em Brasília, além disso queria montar uma ópera baseada no romance Bom Crioulo (1895), do cearense Adolfo caminho, obra considerada pioneira por abordar abertamente o tema da homossexualidade.


"Pelo que ele escreveu e falava aos familiares, ele iria dividir a vida em três terços. O primeiro dedicado a musica e ao rock, o segundo ao cinema e no terceiro se tornaria um escritor. Isso mostra que o Renato, muito mais do que um roqueiro, foi uma espécie de antena parabólica, tinha um lado de cronista muito forte, mostrava nas suas letras as angústias, os desejos e as frustrações de uma geração``, fala Carlos Marcelo.


Para Marcelo Fróes, produtor que conviveu a época com algumas das figuras mais importantes do rock de Brasília, o legado de Renato Russo ainda carece de uma leitura mais consistente. ``Existem sim, muitas bandas que se inspiram no carisma, na fama e no sucesso da fórmula de Renato Russo, mas efetivamente influência - como ingrediente para algo legítimo - eu não vejo tanta quanto gostaria. Talvez falte espontaneidade nessa busca de inspiração, para que se torne uma verdadeira influência e nos brinde com coisas igualmente geniais".


O cantor das angústias juvenis, personalidade tímida e intimista, provavelmente seguiria uma carreira solo, como já vinha ensaiando nos dois discos que lançou em paralelo a Legião Urbana. O trovador solitário, como se denominou nos anos entre o Aborto Elétrico e a Legião, talvez se tornasse um velho rabugento para Andrea: ``Ele não teria muita paciência de envelhecer, não seria uma pessoa legal. Eu não queria ser vizinha dele``.



E MAIS


- Três filmes sobre Renato Russo devem chegar ao cinema ainda este ano. O primeiro dos projetos é uma biografia do vocalista a ser interpretado pelo ator global Thiago Mendonça. Além disso, duas películas baseadas nas narrativas Faroeste Caboclo e Eduardo e Mônica serão produzidas.


- Uma coletânea com duetos do cantor Renato Russo também será lançada em comemoração ao aniversário. Renato Russo: Duetos, idealizado por Marcelo Fróes, traz 15 faixas gravadas pelo cantor com artistas que vão de Caetano Veloso (Change parters) e Dorival Caymmi (Só louco) a Herbert Vianna (Nada por mim) e Cássia Eller (Vento no litoral).

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