Soube há pouco tempo que o TSE está discutindo a hipótese de alterar as regras sobre o quociente eleitoral. A discussão se trava no pedido de Mandado de Segurança 3.555 do candidato a deputado federal nas eleições de 2006 João Caldas (PR). O quociente eleitoral necessário para ocupar vaga de deputado em 2006, em Alagoas, foi de 154,3 mil votos. A sua Coligação Alagoas Força do Povo obteve apenas 152 mil votos, o correspondente a 10,9% dos votos válidos do estado, mas abaixo do quociente eleitoral. Por isso, a coligação não participou da distribuição da sobras. Caldas foi candidato mais votado da coligação, com 34,3 mil, mas não teve direito a mandato. Foram eleitos deputados com menos votos, mas cujo partido atingiu o quociente eleitoral.
Faz sentido o ex-parlamentar entrar na justiça para obter seu mandato? Na minha opinião – e não sou jurista – não, não faz sentido. Pois Caldas concorreu com outros candidatos sabendo de antemão da existência do quociente eleitoral em eleições proporcionais, além do que já havia sido eleito em outras eleições com o mesmo formato.
Nunca morri de amores pelo voto proporcional em lista aberta como o é no Brasil. No meu entender ele transforma cada unidade federativa – estado, Distrito Federal e municípios, – em enormes e desiguais distritos eleitorais fazendo com que os maiores adversários não estejam fora do partido, ao contrario dentro da própria agremiação, personaliza o voto e desvirtua o programa partidário – se é que existe. Consegue ser ainda mais nefasto se conjugado a coligações que na suma não respeitam a vontade do eleitor, pois esse vota em vários candidatos e partidos de uma só tacada.
Um debate aberto e que se encontra no horizonte das possibilidades reais mas ainda carece de maior amadurecimento por parte da sociedade, é uma reforma política – ainda que simplória pois manteria inalterado o quadro da divisão federativa – com introdução do voto em lista, financiamento público, regras claras para determinação da lista partidária eleitoral e adoção do voto único em cada esfera federativa, onde o eleitor não poderia optar por mais de um partido ou coligação no âmbito municipal, estadual ou federal.
No entanto enquanto tal debate apenas amadurece, acredito que o voto proporcional em lista fechada seria o mais adequado na atual conjuntura que obviamente não é ad eternum. A dinâmica atual da correlação de forças entre movimentos progressistas, democráticos e populares versus movimentos conservadores, a constituição da sociedade civil organizada, a divisão clássica dos três poderes, o bicameralismo e a volúpia do mercado e do poder econômico sobre o Estado, somados a cultura brasileira de pouca democracia participativa, nos leva a uma conjuntura onde as oligarquias políticas se mantêm por gerações no poder.
Todavia pior do que insistir no voto proporcional como está é modificar o quociente eleitoral – único instrumento existente hoje capaz de balizar a disputa política sem transformá-la em jogo puramente individual e personalista, dando algum sentido a instituição partido político – de forma que o deturpe.
A deturpação desse instrumento na prática tornará toda eleição em majoritária.
Particularmente nós agrupados ideologicamente na esquerda, devemos nos opor a tanto, pois o poder legislativo, um dos poucos canais que consegue exprimir algum tipo de representação popular – ainda que muito pequeno – e trazer a tona debates que fujam da mesmice e da ditadura do pensamento único, estará fadado a sucumbir de vez ao poder econômico. Se hoje alguns poucos representantes de movimentos sociais populares e sindicais conseguem se eleger na “rabeira” de uns puxadores de votos – na maior parte das vezes financiados pelo grande capital –, isso será abolido, pois apenas aqueles políticos adestrados pelo sistema receberão “doações” volumosas o suficiente para garantir a eleição, uma vez que dependerão exclusivamente de seus próprios votos.
Ademais sem o quociente eleitoral as eleições para deputados e vereadores ganhariam tom de disputa pessoal e seria incoerente com a decisão do STF do ano passado que definiu o mandato como do partido e não do ocupante da cadeira. Essa decisão é coerente com todas as bases do pensamento liberal que pressupõem os partidos como pilar para existência da democracia representativa. Nesse caso pior que a democracia representativa é a personalização das instituições burguesas. Uma mudança profunda nas regras do quociente eleitoral tornaria os partidos mera formalidade, mais uma vez se perderia um debate, dessa vez o interno de cada agremiação, restando apenas os caciques de cada como detentores exclusivos do poder.