quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Brasil nada olímpico

Mais uma Olimpíada chega ao fim e com ela mais uma “frustrante” participação brasileira. Afinal de contas, frustrante para quem? Não para mim cara pálida. Explicarei, antes vale ressaltar o caráter extremamente comercial dos jogos olímpicos que há muito perderam seu objetivo lúdico, ou melhor, venderam o objetivo junto com a alma ao deus Mercado. Se durante as Olimpíadas na Grécia Antiga pobres mortais buscavam uma aproximação com os deuses do Olimpo, hoje os atletas apenas se ajoelham perante o onipresente deus “Mercado”. Medalhas, recordes, superação, tudo não passa de estampa para obtenção do louro olímpico pós-moderno, um bom contrato publicitário com uma marca esportiva, ou com outra de equipamentos eletro-eletrônicos, ou de refrigerantes, ou da industria automobilística ou do que quer que seja, o importante é não perder os “bilhões” de dólares guardados para os laureados.

Os jogos Olímpicos há muito também – como toda a competição esportiva – segue critérios políticos – não que esses estejam desvinculados dos critérios comerciais, mas quando se consegue conjugar ambos em plena harmonia, tanto melhor – como ficou explícito na escolha de Pequim para sediá-los esse ano. Uma cidade poluída, o que já denotaria falta de condições para prática esportiva. No entanto Pequim é capital do país que vem se firmando como a grande potência comercial e econômica do século XXI. É sempre assim, critérios políticos ou comercias, no caso de Pequim ambos se completam. Em 1996 por exemplo, no centenário das Olimpíadas modernas, Atenas, capital grega e muito antes de Cristo o berço dos jogos olímpicos, viu Atlanta, capital da Coca-Cola, levar os jogos. Na verdade a Coca comprou aqueles jogos como verdadeira mercadoria que o são.

Pra mim Olimpíada era gostoso mesmo quando acontecia àquela briga entre União Soviética e EEUU para saber quem ficaria a frente no quadro de medalhas, pelo menos era um atrativo à parte. Em 1988, torci muito para os soviéticos terminarem com mais medalhas de ouro em Seul, o que de fato ocorreu. Hoje, essa disputa ente China e EEUU não me empolga. Acho-a um tanto vazia, uma vez que os atletas chineses pouco ou nada diferem dos estadunidenses. A mesma Nike responsável por trabalho escravo, banca astros como o estadunidense ídolo na NBA LeBron James e o herói nacional chinês Liu Xiang, atleta dos 110 metros com barreira. Além do mais, tenho severas críticas quanto ao método de treinamento elaborado pelo governo chinês e o total isolamento de alguns de seus atletas olímpicos. Se é verdade, e o é, que a China de certa maneira deu ao esporte o status de política de estado e não poupou investimento nisso, também é verdade que atletas chineses passaram por um regime draconiano para serem apresentados com um objetivo exclusivamente político por seus mandatários.

Quanto à melancólica participação brasileira na China, fica mais uma vez claro, infelizmente, que a total falta de políticas voltadas para a prática esportiva, enxergando-a como ferramenta de inclusão social e cultural, em nossas escolas públicas – digo isso com a autoridade de professor de escola pública e ex-aluno de tal – não poderia nos levar a resultado melhor do que as parcas medalhas trazidas por nossos atletas. O governo federal, parece até brincadeira, através do Ministério dos Esportes investiu uma quantia razoável em atletas de alto rendimento, ao passo que segue sucateando escolas públicas.

Por isso, pedir investimentos em práticas de iniciação esportiva é pedir demais, se em muitas de nossas escolas não têm sequer biblioteca, giz ou professor!!!

A pífia participação brasileira em jogos Olímpicos está umbilicalmente ligada a outros fatores. A falta de seriedade no trato com a educação e o não entendimento que essa, ao lado do esporte e cultura, forma um trinômio e são indissolúveis, nos relega a resultados iguais ou piores que os trazidos de Pequim.

1- Relatório da Unesco, de 2007, atendo-se à qualidade da educação, mostrou que mais da metade de nossos estudantes sequer sabe ler. Revela também que entre os 45 países pesquisados, o Brasil é o último em gastos públicos com educação.

2-O país gasta anualmente US$ 1.303 por aluno; média da OCDE é de US$ 7.527. O Brasil é o que menos gasta com educação dos 34 países analisados por um estudo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto o país gasta US$ 1.159 (R$ 2.213) em estudantes primários (à frente apenas da Turquia, que gasta US$ 1.120, o equivalente a R$ 2.139) e US$ 1.033 (R$ 1.973) em estudantes do ginásio e segundo grau (o mais baixo).


3- A carga horária média nas escolas é quatro horas, quando, considerando o ambiente adverso em que os mais pobres vivem, o horário integral já deveria ter sido implantado.


4- O acesso à cultura ainda é muito desigual no Brasil. Dados do IBGE mostram que os 10% mais ricos são responsáveis por cerca de 40% de todo o consumo cultural. E, além da desigualdade de renda, há também a desigualdade espacial: as regiões metropolitanas concentram 41% desse consumo.

Prova que não somos tão ruins apenas no quadro de medalhas olímpico e que enquanto o governo nas suas distintas esferas – municipal, estadual e federal – não se conscientizar do problema educacional brasileiro, investindo pesado na formação de cidadãos e não gastando bilhões com federações esportivas – entidades cuja transparência e democracia nunca se fizeram presente e onde inexiste fiscalização sobre os recursos públicos a elas repassados – ou com obras megalomaníacas como sediar o Pan, Copa do Mundo ou – Deus nos livre – Jogos Olímpicos, o Brasil continuará no rodapé tanto do esporte, quanto da educação e da cultura mundial.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A crise da esquerda

Por Paulo Passarinho, no Correio da Cidadania

http://www.correiocidadania.com.br

Após a queda do muro de Berlim – que já havia sido precedida por uma forte inflexão à direita dos partidos social-democratas europeus -, boa parte da esquerda mundial passou a observar com muita atenção, e esperança, a trajetória e a ação política do Partido dos Trabalhadores e de seus aliados de esquerda aqui no Brasil.

O Brasil é um país marcado por gritantes desigualdades sociais, fortemente pressionado por interesses do capital internacional, mas que, desde 1989, experimentava a polarização de uma frente de esquerda que se afirmava como alternativa real de poder.

Essa frente de esquerda foi também um instrumento importante de resistência à ofensiva neoliberal, que nos anos 90 empreendeu em nosso país o programa de mudanças ditado pelos interesses das grandes corporações financeiras transnacionais.

A realização dos primeiros Fóruns Sociais Mundiais, em Porto Alegre, reforçou ainda mais essa sensibilidade e crença da esquerda internacional.

Contudo, a história que se deu a partir de 2002, ainda na campanha eleitoral que acabou por levar Lula à presidência da República, coroou o próprio ajuste do PT e de seus aliados à nova ordem. A história é por demais conhecida, embora haja graves divergências sobre o significado do que de fato ocorreu.

Para os que apóiam Lula, a busca de governabilidade, em meio à crise que se esboçou no ano eleitoral, justificou as posições assumidas pelo novo governo. Para os mais críticos, o novo PT foi apenas a conseqüência de uma metamorfose que se iniciara há alguns anos. Hoje, as evidências sobre a natureza da mudança ideológica e programática dessa frente – agora, acima de tudo, lulista – são gritantes. E tristes.

A principal liderança do PT depois do próprio Lula, José Dirceu – apresentado por muitos, no primeiro mandato do atual presidente, como o representante de um "pólo de esquerda" –, depois de afastado do governo, cassado e processado pelo Supremo Tribunal Federal, em denúncia apresentada pelo Procurador Geral da República, circula pelo Brasil e pelo mundo afora como lobista de interesses de grandes empresas nacionais e internacionais.

A recente reunião da OMC, em Genebra, expôs de forma cristalina a subordinação do governo aos interesses do agronegócio, comprometendo até mesmo a imagem que procurava ser cultivada de uma política externa independente e progressista. Como se isso pudesse ser possível, em meio às opções de uma política econômica – elogiadíssima por Lula – inteiramente controlada por um Banco Central sob o comando direto de executivos indicados por bancos internacionais.

O significado dessa verdadeira tragédia ainda não foi bem assimilado pelos diversos setores da esquerda que insistem em manter o seu apoio a Lula e seus partidos satélites. Sempre encontram as mais diferentes explicações e justificativas para as condutas do governo, mesmo quando ensaiam críticas.
Na falta de argumentos frente às evidências das opções preferenciais de Lula, optam sempre pela lembrança de que a volta dos tucanos poderia ser muito pior. Manifestam, até mesmo, muitas dúvidas sobre o que poderia ter sido feito de forma diferente. Expressam, dessa maneira, uma espécie de regressão intelectual ou abalo cognitivo. Podem alegar também a surrada razão ditada pela "atual correlação de forças".

No tocante à correlação de forças, a vitória eleitoral de Lula em 2002, em meio a sucessivas derrotas da direita e de seus candidatos liberais em todos os países da América Latina, com as exceções da Colômbia, do Peru e do México, deveria ser levada em conta. Bem como o próprio quadro internacional de expansão do comércio global e liquidez financeira que permitia (ao menos até meados do ano passado) uma razoável margem de manobra para mudanças importantes, conforme nos mostrou a vizinha Argentina.

É lógico que a coerência com um programa verdadeiro de mudanças implicaria enfrentamentos importantes com interesses estabelecidos.

Mas não seria esse o papel de uma esquerda, por mais cautelosa e prudente? O fato é que questões programáticas elementares, para o início de um processo de transformações estruturais em prol do mundo do trabalho, foram abandonadas, esquecidas ou mesmo renegadas. Pior: são as questões do mundo do capital que balizam o que passou a ser "o possível".

Mudanças substantivas na política macroeconômica; reforma tributária verdadeira; universalização, com qualidade, dos serviços públicos; fortalecimento da previdência social pública, como fator de seguridade social e de fortalecimento de mecanismos de poupança financeira estatal, sob controle social; reforma agrária para valer, e como suporte para a afirmação e prevalência de um modelo agrícola baseado na agricultura familiar, com estruturas de produção comunitárias e absorção de modernas tecnologias; além de mudanças no padrão dos meios de comunicação de massa, subordinados ao regime de concessões públicas, particularmente os canais de televisão aberta. Seriam exemplos de iniciativas programáticas, essenciais para colocar o país em uma rota de reformas, em prol do povo e do mundo do trabalho.

Mas tudo indica que a outrora esquerda se perdeu. Setores da vanguarda de movimentos importantes, como os dos bancários ou dos petroleiros, parecem muito mais interessados nos negócios dos seus fundos de pensão.

A acelerada financeirização econômica, em combinação com a aguda fragilização de mecanismos de seguridade e de solidariedade social, como é o caso das instituições de garantia de direitos sociais e igualdade de oportunidades, jogaram setores do movimento dos trabalhadores em um defensivismo que aponta para a atomização de suas bandeiras de luta e a perda da solidariedade de classe com os demais setores do mundo do trabalho.

A crise que vivemos, enquanto esquerda brasileira, em meio a um continente em mudanças, não é decorrente, portanto, de uma abstrata carência de projetos alternativos. Ela é fruto da posição política desses setores, que faziam parte da esquerda e que se perderam por
completo em meio à mercantilização avassaladora que contamina a sociedade brasileira, sob a hegemonia dos valores e dos projetos das forças neoliberais.

Somente a reconstrução de um novo bloco de forças, não contaminado pela ideologia dominante, poderá criar as condições para a retomada das bandeiras da mudança e da esperança.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Há algo de muito podre no Cáucaso

Uma nova ordem mundial findando o período de absoluta hegemonia estadunidense começa a ser desenhada no ar. Embora ainda não saibamos de fato qual será a correlação de forças nesse século que nem viu sua primeira década passar, é certo que o mapa geopolítico está sendo redesenhado, trazendo novidades diante daquele perdurado entre o colapso da antiga URSS e a invasão do Iraque. Novas forças emergem nesse cenário e sobem ao palco como protagonistas. Uma é sem dúvidas a China, que deu a luz à bisonha combinação entre capitalismo de Estado e competitividade comercial a qualquer custo, onde a burocracia colocou o Estado a serviço do capital privado e constrói uma economia sustentada na exportação de produtos industrializados relegando a sua enorme população condições de trabalho similar aos primórdios da revolução industrial. Sem deixar de lado, claro, a repressão política e o cerceamento as liberdades individuais. Outra, é a União Européia, desunida, vacilante, dúbia, claudicante, cínica e ainda tendo de livrar-se das sabotagens partidas do outro lado do Canal da Mancha. Outro ator de peso nesse novo cenário geopolítico é a Rússia. Após duas décadas de silêncio e resignação vendo sua antiga esfera de influência esfacelar-se – como no caso da Iugoslávia – ou ser assaltada por forças ocidentais – forças econômicas – ressurge no cenário mundial com a mesma velha volúpia imperialista.

O ressurgimento russo já era algo esperado, pelo menos desde o momento em que deu vida nova a sua economia – o país passa por um boom econômico – e tornou a Europa Ocidental sua refém na delicada questão energética. Contudo esperou o momento certo para um retorno triunfante – ao menos para o neoczar Vladimir Putin – e mostrar ao mundo aquilo que os chechenos já conhecem, o quão forte e preparado é o exercito russo. Se bem que EEUU e Geórgia colaboraram bastante para esse retorno.

Do lado estadunidense, Bush insisti reiteradamente em isolar a Rússia e abrir as portas da OTAN – embora o fato ainda não tenha se consumado – para a Geórgia de Mikhail Saakachvili e a Ucrânia de Viktor Yushchenko, duas ex-repúblicas soviéticas, dando arrepios a União Européia temente da reação russa em caso da idéia ser levada adiante. Na mesma conjuntura há também a aproximação do imperialismo ianque com outros países da antiga “cortina de ferro”, visando à criação de um novo “cordon sanitaire” em torno da Rússia e um escudo antimísseis através de tratados firmados com Polônia e Republica Tcheca. Contribui ainda para animosidade entre Kremlin e Casa Branca, declarações de altas autoridades da política externa ianque – falcões da plumagem dum Dick Cheney – e o desejo declarado do candidato republicano a sucessão presidencial, John McCain, de excluir a Rússia do chamado G8 , afirmando que em vez de tolerar a chantagem nuclear desse país ou os seus 'cyberataques', as nações ocidentais deveriam deixar claro que a solidariedade da OTAN, do Báltico ao Mar Negro, é indivisível e que as portas da organização permanecem abertas a todas as democracias comprometidas com a defesa da liberdade. Tudo isso predispondo uma antiga disputa com nova roupagem, pois não é difícil vislumbrar num horizonte próximo, a ameaça representada pelo imperialismo russo aos interesses ocidentais no Cáucaso e na Ásia Central.


Do outro lado – da mesma moeda – está o tresloucado presidente aventureiro da Geórgia, Mikhail Saakachvili. Esse bajulador de ianques, chegou ao poder em 2003 através da chamada “revolução rosa”, foi reeleito em janeiro último num processo eleitoral maculado por fraudes diversas, é responsável por um governo autoritário e desrespeitador das liberdades individuais e políticas, além de notabilizar-se como violador dos direitos humanos ao perseguir minorias étnicas, cometeu dois equívocos estratégicos que lhe custarão caro. O primeiro foi acreditar nas promessas de George “Cawboy” Bush que lhe daria socorro militar em caso de necessidade. O segundo, esse um erro grasso, o de pensar poder sozinho provocar para depois enfrentar a Rússia, enquanto a ajuda da OTAN não chegasse, subestimando o poderio bélico de seu oponente que não titubeou em reagir contra o bombardeio a Ossétia do Sul – Em 1992 após uma guerra civil, a Ossetia do Sul tornou-se uma república autônoma, independente de fato do governo de Tbilisi, embora não reconhecida pela ONU, União Européia e Estados Unidos e com tropas russas exercendo o papel de forças de paz na região.

Agora Saakachvili terá de amargar uma derrota acachapante, ficará mais longe da OTAN – qual potência européia irá chancelar tal admissão e comprar briga com a Rússia? – verá tropas russas ocupando parte do território georgiano por dias, meses ou quem sabe anos a fio, enquanto luta para manter-se no poder, uma vez que Moscou não poupará esforços para arrancar-lhe da cadeira presidencial.

Uma suposição plausível para os recentes acontecimentos talvez seja que, os EEUU incentivaram e deram apoio logístico para que Tbilisi atacasse os separatistas ossetas visando envolver a Rússia num conflito militar no Cáucaso com o intuito – obviamente não declarado – de testar a força do exército russo. No momento Washington não teria nem condições políticas e nem caberia no seu orçamento militar, sustentar um conflito de altas proporções, como um provável contra a Rússia – é interessante constatar que desde o ensejo da IIª Grande Guerra não se registrou guerra alguma entre potências, as guerras a partir de 1945 ficaram sempre restritas entre centro versus periferia ou entre dois países periféricos.

Nesse contexto a Geórgia estaria sendo usada como bucha de canhão. Ademais o Ocidente poderá usar o “intervencionismo russo”, como justificativa para continuar a política de isolamento de Moscou e acelerar a construção de gasodutos e oleodutos para tirar energia da região do Mar Cáspio sem passar por território russo. Ainda deixaria o Kremlin atarefado com a Geórgia, enquanto discute a possibilidade ou não de um ataque liderado pelo Uncle Sam ao Irã.


É nesse caldo de preconceito e interesses gigantes que se meteu o aventureiro georgiano crente de que, o treinamento dado a seus militares pelas forças ianques e a Mossaud (serviço secreto israelense) lhe valeria no caso de bombardear a Ossétia do Sul, acendendo o estopim de um conflito contra os russos. Na verdade deu o pretexto que a Rússia tanto almejava. No mais, Moscou sempre disporá do argumento que Washington, Paris, Londres, Roma, Ancara e Berlim reconheceram a independência de Kosovo à revelia da Sérvia.

domingo, 17 de agosto de 2008

Quem confia em Aécio Neves?

Por Gilson Caroni Filho, na Carta Maior

http://cartamaior.com.br

O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, gosta de aparecer na grande imprensa como o "tucano diferente". Um oposicionista que caminha na contramão da política pequena de seus companheiros de partido, apresentando-se como um homem público preocupado com o desequilíbrio federativo, originado pelo que chama de "hegemonia paulista na política". Sua originalidade residiria no fato de ser um oposicionista com propostas para o país, ave rara no bloco conservador. Nada mais enganoso. Nada mais perigoso.

Suas críticas mais recentes ao governo do presidente Lula desmontam os elementos discursivos empregados na tentativa de produzir sua significação, de elaborar uma persona que o defina como "construtor de pontes" entre partes que, segundo ele, estão "cegas por radicalizados projetos de poder".

Segundo o jornalista Ricardo Noblat, o governador lamenta que Lula desperdice o seu segundo mandato não promovendo reformas na Previdência Social, na área tributária e nas relações trabalhistas. Todas elas, segundo Aécio, "indispensáveis para a fundação de um Estado moderno, ficarão para ser feitas pelo sucessor de Lula. Que ainda será obrigado a enxugar despesas governamentais que não param de crescer".

Como se vê, não há qualquer diferença entre as prioridades do "construtor de pontes" e o ideário neoliberal da cúpula tucana. As reformas estruturais mais importantes - agrária, habitação, educação e a do saneamento básico-não têm lugar na sua agenda. Como não teve nas de FHC, Serra e Alckmin.

A reforma da Previdência é uma bandeira cara ao neoliberalismo. Com o "nobre" propósito de combater um falso déficit, o objetivo é a supressão de direitos, principalmente de mulheres e beneficiários do salário mínimo. Aécio finge ignorar que as receitas superam as despesas, mesmo após três anos seguidos de aumentos reais do mínimo.

Simula desconhecer que o presidente já afirmou que a reforma será pautada pelo Fórum de Negociação da Previdência, como proposta amadurecida na sociedade civil, "permitindo que as novas gerações tenham um sistema mais condizente com as necessidades dos trabalhadores". Um foco bem diferente do que reza o receituário mercantil.

Não sabe também que, em fevereiro, o governo encaminhou projeto de reforma tributária que pretende desonerar empresas, gerar mais empregos e acabar com a guerra fiscal entre os Estados. Em que nuvem anda o jovem Aécio? Ou em que praia do litoral fluminense tem surfado o sobrinho de Tancredo?

Para o "construtor de pontes", o PAC ( Programa de Aceleração do Crescimento) não passa de uma jogada marqueteira."Rode por Minas. Tente encontrar alguma obra de vulto financiada pelo PAC. Não encontrará", aconselha.

Pena que tenha esquecido de dizer que o Estado que governa tem 114 das 119 prefeituras envolvidas em desvios de verbas do programa. E que o PSDB detém o maior número de prefeitos sob suspeita de fazer parte do esquema de apropriação ilegal dos recursos. Alguém precisa lembrar ao governador que obras de vulto não brotam do chão, ainda mais se no subsolo há dutos duvidosos. E que, como liderança estadual, cabe a ele alertar seus correligionários quanto a esse pequeno deslize ético.

Em visita ao Rio, na manhã de um ensolarado 15 de agosto, Aécio atacou supostas falhas do governo na segurança pública, argumentando que "o governo federal não assumiu a sua responsabilidade na questão da segurança pública, contingenciando recursos do Fundo Penitenciário e do Fundo Nacional de Segurança". É uma pena que a censura da imprensa mineira, praticada em proveito do seu próprio governo, deixe o fenômeno de Minas tão desinformado.

Uma breve leitura do jornal Brasil de Fato, em 14 de maio de 2007, faria com que tomasse ciência de que na sua gestão ", os investimentos em saúde, segurança pública e educação caíram, de R$ 11,6 bilhões para R$ 8,7 bilhões, impactando a vida de milhares de pessoas na capital e no interior do estado."

Há algum tempo, a vereadora petista Neila Batista, em artigo intitulado "MG: Quase um Estado de exceção" afirmou que "o silêncio da Assembléia Legislativa de Minas, com exceção das poucas vozes do PT e do PC do B, e o pacto da maior parte imprensa regional, que se engajou em sua carreira rumo à Presidência da República confirmam a regra... ou a exceção"

Fragilizando instituições caras ao jogo democrático, ignorando a importância do sistema partidário e "fazendo uso de uma máquina de marketing inigualável no país", a "novidade" que vem das alterosas é a melhor expressão do mandonismo risonho que segue à risca os preceitos neoliberais.

Seria interessante que Aécio aproveitasse a segunda metade do mandato para redemocratizar o Estado, dialogar com os movimentos sociais e, se der tempo, conhecer Minas Gerais. É uma das unidades federativas mais ricas do país. Bem mais surpreendente que as noites do Leblon

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Mais um golpe contra a liberdade de imprensa em Minas: Retirado do ar site jornalístico que continha denúncias contra Aécio Neves

Fonte: Biscotio Fino e Massa

http://www.idelberavelar.com

Por Idelber Avelar

O site de notícias Novo Jornal, conhecido pelas denúncias que tem veiculado contra o governador Aécio Neves, foi retirado do ar ontem, em ação conjunta da Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos e da Polícia Militar. Foram apreendidos os computadores do site. Ao acessar a página, o internauta chega a esse aviso do Ministério Público de Minas, que anuncia que a página foi “suspensa” e que está sob investigação por “indícios de prática de crimes”. A imprensa noticiou que a ação foi fruto de uma representação recebida pela Procuradoria que alegava que o site publicava matérias atentatórias à honra de autoridades públicas como o Procurador Geral de Justiça do Estado, Jarbas Soares Junior, e principalmente o governador Aécio Neves . Nenhum veículo de imprensa noticiou quem foi o autor da representação.

No momento em que foi retirado do ar, o Novo Jornal trazia em sua primeira página uma matéria com pesadas críticas ao Presidente do STF, Gilmar Mendes. A matéria ainda pode ser lida no cache do Google. O Novo Jornal também denunciou que o governador Aécio Neves pagou US$ 269 milhões de dívidas da Rede Globo de Televisão na compra da Light. A denúncia, feita em minucioso detalhe, mostra que o governo mineiro criou uma empresa, a RME -- Rio Minas Energia Participações S/A -- que teria pago por 79,57% das ações da Light e adquirido somente 75,40% das mesmas, transferindo para fundos credores da Globo nos Estados Unidos o montante de 269 milhões de dólares. Simultaneamente, Aécio nomeava o ex-presidente da holding do Grupo Globo, Ronnie Vaz Moreira, presidente da tal RME e diretor-financeiro da Light.

Ainda é possível, também, ler no cache do Google o editorial do Novo Jornal que denunciava a censura à imprensa em Minas Gerais, assim como uma missiva de um leitor com críticas a Gilmar Mendes. Ainda pelo cache do Google, é possível rastrear nos arquivos do site censurado 21 menções ao Governador Aécio Neves e 11 menções ao Procurador Jarbas Soares Junior. O Novo Jornal acusa o Procurador de barrar toda e qualquer apuração de denúncias. Evidentemente, é de grande importância preservar esses textos.

Com a subserviência que lhe é própria, a “grande” imprensa mineira noticiou a criação da Promotoria Estadual de Combate aos Crimes Cibernéticos dizendo que com o crescente número de crimes praticados por usuários da rede, o MPE decidiu pela sua implantação, sem oferecer ao leitor qualquer fundamentação da veracidade da premissa de que o número de crimes online é mesmo “crescente”. Com a mesma subserviência, o grupo Diários Associados noticiou que o Procurador Jarbas Soares encaminhava ao PG da República uma ação que removia obstáculos à atuação dos promotores sob a incrível manchete MP luta contra a mordaça em Minas – título que adquire tons bastante irônicos à luz da última ação do MP mineiro.

Desnecessário é dizer que o Biscoito se solidariza com o jornalista responsável pelo Novo Jornal, Marco Aurélio Flores Carone, a última vítima da ditadura aecista. Seria muito, muito divertido ver esses textos reproduzidos por aí à exaustão. Este blog já gravou três ou quatro dos mais incisivos e vai republicá-los em breve.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sempre o mesmo eco oriundo dos porões da ditadura

Em 1964 o Brasil vivia sob o estado de direito com um governo eleito de forma democrática – ato ainda ratificado através do plebiscito de janeiro de 1963 . As instituições liberal-burguesas e os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo funcionavam normalmente, ainda que muitas vezes sabotados ou cooptados pela força do capital internacional aliado a seus lacaios tupiniquins. Ao contrário do disparate pregado hoje e ontem pela direita retrograda e reacionária, não havia qualquer perigo eminente do próprio governo perpetrar um golpe comunista no país, prova de tamanha mentira reside principalmente no fato do presidente João Goulart conseguir, até então, firmar-se na política através de um populismo capenga e a uma postura dúbia em relação a alguns temas de relevância nacional.

O que de fato ocorria e tirava o sono dos setores mais reacionários era o momento histórico em que se encontravam movimentos populares e sociais, um momento ímpar na sociedade brasileira, com forte ímpeto para lutas tanto na cidade quanto no campo. Sentia-se no ar a esperança de transformação duma sociedade marcada pelo oligarquismo e subserviência aos interesses imperialistas do Norte, além da quebra das amarras que ainda nos unia a ao século XIX, colonial e escravagista.

Foi nesse clima que concorreu o crime contra a classe proletária e aos interesses dos trabalhadores. Os militares incentivados/auxiliados despudoradamente por uma potência estrangeira, atendendo as súplicas de nossa burguesia atrelada aos interesses do grande capital internacional, a importante e majoritária parcela do clero Católico e ao que mais pudesse existir de reacionário naquela sociedade, usurparam o poder para depois perseguir, torturar e assassinar quem se opusesse ao estado de exceção implantado por eles próprios.

Qual a legitimidade dos governantes daqueles dias sombrios que perduraram por mais de duas décadas? Qual a legitimidade democrática da “Anistia” ampla e irrestrita forjada pelos próprios usurpadores do poder?

É ingenuidade ou má fé declarar que todos que pegaram em armas naqueles anos estão em pé de igualdade e ou devem ser anistiados ou julgados da mesma forma. Qualquer contratualista, Rousseau, Locke ou Hobbes, deve estar se remoendo em seu tumulo ao ouvir tamanha ignorância!!! Se o estado foi criado justamente para coibir o abuso dos mais fortes sobre os mais fracos, como defender tal ponto de vista? Recorro ao pensamento de Rousseau para explanar o quanto agem de má fé aqueles que pregam a anistia para ambos os lados. Para o filósofo francês o “contrato social” é um pacto constituindo o fundamento ideal do direito político e repousando numa forma de associação capaz de defender e proteger com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada sociedade.

Ora, não foi justamente o contrário o que assistimos durante o regime militar? Portanto insistir na defesa de seqüestradores, torturadores e assassinos que agiram utilizando-se de instrumentos estatais para tal crime – não nos esqueçamos que nem mesmo a Constituição outorgada pelos ditadores de plantão ou os seus Atos Institucionais, previam seqüestro, tortura ou assassinato como política de estado – justificando que cumpriam ordens superiores ou que o país vivia em estado de guerra é discrepância jurídica . Repetir que esses criminosos estão amparados debaixo da Lei de Anistia que teria atendido ambos os lados do conflito, não passa de descaramento e afronta a uma sociedade que ainda não acertou suas contas com o passado.

Se o debate é sempre suscitado não é por outro motivo se não um clamor da sociedade civil em querer ver essa página da história virada. O clube militar, oficiais da reserva, ou quem quer que seja, não podem impedir a sociedade de se manifestar e pressionar o Estado a rever sua posição ignominiosa perante a Lei da Anistia de 1979.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Um novo projeto de recolonização

Há pouco tempo soube que Bush comprou terras e usinas de etanol na região de Ribeirão Preto. Um fundo internacional capitaneado pelo ex-presidente da Petrobras e genro de FFHH, Henri Philippe Recihtsul, vem adquirindo quantias vultuosos de terras no Centro-Oeste. Exemplos de outros grupos internacionais – sejam em forma de pessoa jurídica ou até mesmo física – comprando grandes extensões de terra em todas as regiões de Brasil, em especial na Amazônia, são abundantes e amparados por uma lei caduca e fora do espaço-tempo. O Estado mostra-se leniente sobre assunto tão caro a nossa soberania ao constatarmos – e ficarmos abismados com – a inexistência de dados oficiais tanto do Incra, quanto do Ibama ou do Ministério da Agricultura, sobre a quantidade de terras que se encontra em mãos de grupos ou cidadãos estrangeiros.

Toco nesse assunto porque um embate histórico entre “trabalho versus capital” e “soberania nacional versus colonização” está sendo travado nesse momento, ainda que muitas pessoas não tenham se apercebido disso. Está ficando nítido a olho nu, o quanto a soberania nacional se esvai graças à sanha do capital internacional que reencontrou um antigo filão, a colonização dos países terceiro-mundistas através da exploração/saturação de suas matérias-primas e solo e o conseqüente abandono desses à sua eterna condição na divisão internacional do trabalho. O projeto de recolonização em tempos neoliberais em nada difere substancialmente dos antigos projetos de colonização, ou seja, o objetivo único é sempre exaurir o solo e extorquir a população condenada.

Tanto no caso da aquisição de imensidão de terras por estrangeiros, como no do tão propalado etanol, é preocupante a atuação desleixada do Estado brasileiro – obviamente por razões da força do capital. O cultivo da cana-de-açúcar guarda relação direta com a expulsão de outras culturas em direção à floresta por pressão dos plantadores de cana, o risco de especialização produtiva da agricultura de certos estados, a sobreutilização dos recursos hídricos, a falta de regularização fundiária de um percentual grande de terras destinadas a tal cultura e a perpetuação das relações de trabalho no setor onde é sabido o modo animal como são tratados os chamados bóias-fria. Isso tudo num país acostumado ao mal produzido por monoculturas como a do café ou da própria cana-de-açúcar.

Não deixa de ser preocupante também a defesa reticente prestada por alguns membros do governo, e de forma ainda mais entusiasmada pelo presidente Lula, sobre os benefícios gerados pelos agrocombustíveis, desprezando de maneira presunçosa e perigosa os riscos da monocultura num país onde tradicionalmente graça a concentração fundiária e de renda, sem citar o risco imediato de perdemos nossas terras produtivas para capital internacional.

Se o baluarte mor do pensamento direitista tupiniquim, Roberto Campos – ou Bob Field como preferia – estivesse entre nós, seria defensor incansável da política do governo Lula para o agronegócio e os agrocombustíveis.

Muito mais do que apenas a desnacionalização de nossas terras e potenciais energéticos ou um negócio lucrativo para o imperialismo ianque – ou venha de onde vier esse imperialismo –, o agrocombustível da forma como vem sendo tratado e vendido por nossas elites (governo, mídia e burguesia nacional, como sempre entreguista) não é, e nunca poderia ser, a salvação para o Brasil.É na verdade nossa perdição. Pois representa um novo projeto de recolonização do país a fim de dar sobrevida ao já exaurido modo de vida que o ocidente optou e exportou há pelo menos 5 ou 6 décadas atrás no auge desse capitalismo desumano e materialista ao extremo – como se pudesse haver algum dia outra forma de capitalismo –, e de quebra tentar barrar o atual processo de derrotas que o neoliberalismo vêm sofrendo no continente latino-americano graças aos movimentos populares que vêm ganhando cada vez mais intensidade nessa região do globo.

Para o Brasil num futuro bem próximo, o agronegócio e os agrocombustíveis representam pobreza, miséria, exploração, quiçá trabalho escravo e certamente a entrega de mão beijada de nossa soberania.