terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Reflexão, inflexão e ação

Iniciando o ano de 2015 e olhando pelo retrovisor, fica mais fácil analisar o turbilhão de fatos acontecidos antes, durante e após as eleições de 2014. E uma coisa salta aos olhos mesmo ao observador menos atento: a esquerda brasileira saiu, em termos eleitorais, muito menor do que entrou.

As forças do campo democrático-popular sofreram um revés histórico. Os dados mostram isso. Porém mais importante que os dados é a análise do porquê de a esquerda ter sofrido golpes tão fortes. De nada adianta enxergar o efeito e negar a causa. Também não adianta tapar o sol com a peneira. No caso celebrar a reeleição de Dilma Rousseff – que obteve importante apoio da esquerda em ambos os turnos, sobretudo no segundo – como se a reeleição em si representasse um quadro pronto e acabado.

O Brasil que foi às urnas em outubro último elegeu um congresso mais conservador que o anterior, sendo que esse anterior já era o mais conservador em décadas. Se é no Congresso que a luta pelos avanços sociais e o debate sobre a construção de uma nova sociedade mais democrática se dá de forma privilegiada, não é difícil imaginar o quanto as lutas sociais sofrerão e o quanto o debate será interditado por esse “novo” Congresso cheio de “velhas” ideias.

Há um sentimento, ainda não generalizado, mas já muito presente, o de letargia da esquerda brasileira frente aos desafios de se impor como alternativa ao status-quo ao mesmo tempo em que pertence ao status-quo. Um sentimento de angústia, igualmente muito presente, ao ver que parte da esquerda – ao menos parte da institucionalizada dentro das regras vigentes – abraça antigos desafetos e adversários histórico, se alia a estes e juntos se conspurcam  na partilha do poder. Creio ser desnecessário afirmar que essa parte da esquerda comete os mesmos desvios que antes combatia e ao chegar ao poder logo se deixou levar pelos mesmos vícios, provocando ainda mais mal-estar entre a militância, gerando crise existencial para a própria esquerda.

Quando Marcelo Freixo surgiu no programa eleitoral de Dilma Rousseff no segundo turno, escrevi nas redes sociais que aquilo se tratava de um marco para a esquerda brasileira. De fato se tratou de um marco, afinal, no segundo turno a esquerda se uniu em prol da reeleição de Dilma. No entanto, a própria união da esquerda – coisa que não ocorria desde 1989 – já denotava a sua fraqueza e a crise existencial pela qual passa. Ter que se unir a fim de derrotar um candidato tão vazio quanto Aécio Neves foi sintoma da correlação de forças na qual a direita vem ganhando espaço.

A sintese da crise existencial em que a esquerda brasileira mergulhou pode ser resumida por duas contatações: A de que Eduardo Jorge – egresso do PT – tornou-se presidenciável pelo PV, partido reconhecidamente fisiológico, não obstante apresentou propostas muito mais progressistas que a presidenta candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores.  E o sebastianismo pós-moderno presente no insistente “volta Lula”, deixando a esquerda brasileira refém de um nome ao invés apresentar uma plataforma programática para a construção de uma nova sociedade.

Se negar essa crise é difícil, mais difícl ainda é negar o retrocesso eleitoral que a esquerda presenciou. No estado de São Paulo, berço do Partido dos Trabalhadores e de vários movimentos sindicais, tanto PT quanto demais partidos de esquerda foram massacrados pelo eterno governador e membro da Opus Dei Geraldo Alckmin. O candidato petista ao Palácio dos Bandeirantes, o ex-ministro Alexandre Padilha, amargou um trágico – para as pretensões petistas – terceiro lugar com míseros 18% dos votos, ficando atrás inclusive de Paulo Skaff, convicto demagogo e difícil de ser levado a sério.

O deputado mais votado do PT ficou em 20º lugar entre os mais votados. Na realidade o
PT paulista regrediu a eleição de 1990 quando elegeu apenas 11 deputados federais. Já o PSOL por pouco não viu o bravo Ivan Valente perder sua cadeira na Câmara dos Deputados.

Talvez pior, por todo o significado embutido, tenha sido a derrota de Eduardo Suplicy. Após 24 anos a esquerda brasileira será privada de ter no Senado Federal um dos seus melhores quadros e uma verdadeira bandeira da luta pela justiça social e pelos direitos humanos.

Culpar o conservadorismo da elite branca paulista pela “tragédia” ocorrida em São Paulo é enxergar o efeito sem determinar a causa. Entretanto é opção mais fácil do que fazer autocrítica.

Já aqui em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, o Partido dos Trabalhadores pela primeira vez elegeu o governador e de quebra tirou do poder o grupo de Aécio Neves depois de doze longos anos. Mesmo assim se faz imperioso uma análise mais profunda. Fernando Pimentel nunca foi o petista mineiro mais próximo dos movimentos populares ao passo que seu vice Antônio Andrade (PMDB) sempre foi ligado ao agronegócio.  Os deputados federais petistas mais votados em Minas – Reginaldo Lopes, campeão nacional de votos pelo PT, Odair Cunha e Gabriel Guimarães – receberam fortunas para o financiamento de suas campanhas. Por outro lado candidatos ligados ao campo democrático-popular que se recusaram a receber doações de empresas tiveram dificuldades em se eleger mesmo sendo quadros históricos. Patrus Ananaias, ex-prefeito de Belo Horizonte e o preferido dos movimentos sociais de Minas, obteve menos da metade dos votos de Reginaldo Lopes.

No Rio Grande do Sul Tarso Genro e Olívio Dutra, dois dos maiores nomes da política nacional da sua geração, foram derrotados respectivamente para o governo e o Senado e ambos por figuras cujo discurso de campanha era o nada sobre o nada com pitadas de coisa nenhuma. Aliás, uma característica marcante dessas eleições foi o excesso de candidatos cujos discursos falavam nada sobre tema nenhum.

O Rio de Janeiro talvez tenha sido o palco onde a esquerda (inclusive eu) quebrou a cara de forma mais patente. A ida de Lindberg Farias para o segundo turno era dada como favas contadas. Contudo, o segundo turno foi disputado pelo peemedebista Pezão e pelo representante da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella. Não fosse o desempenho dos representantes do PSOL – Marcelo Freixo, Chico Alencar e Jean Willys – a esquerda fluminense teria sido solapada nessas eleições.

No Distrito Federal a esquerda colecionou duas derrotas. A primeira eleitoral e vergonhosa. O então governador Agnelo Queiroz amargou um modesto terceiro lugar. A segunda ainda mais vergonhosa foi a derrota moral. Agnelo deixou o governo sem pagar o salário do funcionalismo público referente ao mês de novembro.

Na Bahia mesmo com a vitória do PT a eleição não foi um mar de rosas para a esquerda. Jacques Wagner depois de oito anos no poder garantiu mais quatro para o PT bahiano ao eleger seu sucessor. No entanto, o vice-governador eleito é do PP e o senador apoiado pelo PT e eleito é do PSD. A prova que a esquerda só consegue se manter no poder se estiver aliada às facções da oligarquia regional. Como mostra Florestan Fernandes, a elite brasileira é heterogênea e por vezes tem suas dissidências momentâneas, essas dissidências buscam meios de se manter no poder e garantir seus privilégios se aliando ao que for necessário e já pensando na futura recomposição com as outras facções da elite.

Outro caso emblemático nas eleições passadas é o do Maranhão. A vitória do comunista Flávio Dino expôs as dificuldades da esquerda brasileira. Lutando contra uma das maiores e mais retrógradas oligarquias do Brasil, Dino logrou êxito, contudo aceitou uma aliança com facções da elite local e viu o PT apoiar os Sarney.


Ao esmiuçar os resultados de 2014, resta claro que é hora de a esquerda brasileira parar para reflexão e inflexão. A esquerda brasileira precisa disso. Precisa ser mais crítica e fazer sua autocrítica. Tem que reconhecer os avanços dos últimos doze anos, mas isso não quer dizer que deva ser leniente com a corrupção ou com o modus operandi de hoje em dia que é o do governo de consenso.

Caso a esquerda se omita de fazer isso, à direita, e podem ter certeza a mais golpista possível e que não tem medo do fascismo, continuará a crescer e a ganhar espaço. O tempo urge e chegou a hora de a esquerda brasileira fazer uma pausa para dialeticamente realizar sua reflexão, inflexão e por fim mudar sua forma de ação.


Pra encerrar, se a Venezuela, embora eu particularmente tenha críticas contumazes ao chavismo, conseguiu implantar um modelo mais participaitvo e democrático, além de ter enfrentando de frente suas oligarquias, cabe à pergunta: por que nós não?  Não que devêssemos importar o modelo chavista, longe disso, pois as sociedades de Brasil e Venezuela têm as complexidades próprias de cada uma. Entretanto, se a Venezuela superou em parte sua complexidade sem o governismo de consenso e enfrentando desafios de toda sorte, o Brasil poderia buscar superar seus desafios de maneira minimamente parecida.