domingo, 19 de agosto de 2012

Os gloriosos anos FFHH pra nossa high society


Acabei de assistir uma reportagem da TV Folha na Cultura. Sei que muitos vão pensar assim TV Folha + Cultura = Tucanada. Mas não é bem assim, é quase isso, mas não é!

A reportagem em questão  é uma prova de como as privatizações e a quebra da soberania nacional durante os período FFHH foi benéfica pra uma parte da sociedade brasileira. Pra ser mais exato, pra nossa high society, a nossa elite. Pra esses o governo FFHH foi um primor, um verdadeiro divisor de águas num país já marcado pela profunda desigualdade social.

Vejam só. O ex-secretário da Pesca do governo FFHH se empenhou e ajudou a modificar a legislação nacional a fim de facilitar a autorização de pesca em águas brasileiras por embarcações estrangeiras.

Além do atentado a nossa soberania o que chamou a atenção e mereceu tal reportagem  foi o chamado "pulo do gato". O maior beneficiário dessa "abertura" foi o próprio ex-secretário de FFHH, Gabriel de Araujo, atualmente o maior arrendatário de barcos japoneses que pescam atum na costa brasileira.

Leiam a matéria na Folha Online.

Música de Domingo - You shook me all night long (AC/DC)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Maria Izabel Noronha: Os professores são mesmo despreparados?


Por Maria Izabel Azevedo Noronha no Viomundo


A divulgação das notas médias que compõem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), publicadas no dia 14 de agosto pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP) do Ministério da Educação aponta uma melhora na qualidade do ensino, que vem se desenvolvendo ano a ano.

Devemos, no entanto, rememorar que, desde o ano de 1999 vem ocorrendo por parte de setores do Estado brasileiro um processo de culpabilização dos professores pelos problemas e deficiências da educação nacional. Somos submetidos a avaliações excludentes e tachados de despreparados por alguns governantes.

O fato, porém, é que essas deficiências e problemas da educação decorrem das políticas e medidas educacionais implementadas por autoridades e gestores educacionais em vários estados e municípios, entre eles o Estado de São Paulo, como a “aprovação automática” dos alunos, cujas consequências o nosso Sindicato denunciou e denuncia desde o início da sua implementação.

Nós, professores, defendemos que a aprendizagem dos alunos seja avaliada, não para reprová-los, mas para contribuir com o seu sucesso escolar, localizando suas dificuldades e agindo sobre elas. Da mesma forma, tendo em perspectiva a qualidade do ensino, lutamos pela valorização dos professores e demais profissionais da educação.

Para nós, qualidade do ensino e valorização dos professores são faces de uma mesma moeda. A qualidade do ensino está intrinsecamente ligada às condições de trabalho dos professores e às condições de ensino-aprendizagem dos alunos. Para nós, os resultados do IDEB evidenciam o papel dos professores e a necessidade de avançarmos em políticas que assegurem a melhoria da educação brasileira.

Devemos nos perguntar, então: ao que podemos atribuir este processo progressivo de melhoria da qualidade do ensino na educação básica?

Consideremos, em primeiro lugar, que a estrutura das escolas da rede estadual nada mudou em muitos anos. Ao mesmo tempo, diante de nossas reivindicações salariais, o governo respondeu com um reajuste escalonado em quatro anos, sendo que, na parcela de 2012, anunciou um índice de 10,2% mas, efetivamente, pagou apenas 5,2%, pois os demais 5% se referem à incorporação da Gratificação por Atividade de Magistério, objeto de lei específica, aprovada em 2009 pela Assembleia Legislativa. Finalmente, como resultado de nossa luta histórica, conseguimos a incorporação de todas as gratificações ao salário base e lutaremos para que não retorne este tipo de “política salarial” que, na verdade, corrói nosso poder aquisitivo.

O reajuste escalonado e a incorporação das gratificações significam ainda muito pouco diante da desvalorização do poder de compra de nossos salários. Nós, da APEOESP, dizemos que, apesar das condições existentes, o pouco de qualidade que existe na rede estadual de ensino se deve ao trabalho e compromisso dos professores e não às políticas educacionais do Estado. Por isto, indagamos: como esperar melhorias mais substanciais em São Paulo, que não possui sequer um Plano Estadual de Educação.

Falta em São Paulo um Plano elaborado democraticamente por um Fórum Estadual de Educação, assim como em nível nacional existe o Fórum Nacional de Educação.

A análise dos resultados do IDEB, particularmente no Estado de São Paulo, deve se refletir em mais reajustes salariais, na democratização da gestão educacional e em tratamento mais digno para os professores, sobretudo no caso dos temporários, denominados de “categoria O”, que não tem praticamente nenhum direito profissional. Deve levar também à imediata aplicação da jornada do piso, com a destinação de 33% da jornada de trabalho para atividades como preparação de aulas, elaboração e correção de provas e trabalhos, formação continuada no local de trabalho. Queremos ainda, de imediato, a recomposição do reajuste de 10,5% prometido para 2012 e a reposição de 36,74%, referente as nossas perdas salariais acumuladas.

No que se refere ao ensino médio, os resultados mostram que este é um dos maiores desafios educacionais do País. Desta forma, deve mesmo o Estado de São Paulo insistir em implementar escolas de ensino médio de período integral ou deveria investir na melhoria de todas as escolas de ensino médio, para alavancar este nível de ensino, o que se refletirá na melhoria geral da educação?

Lançamos um desafio: se o governo se sensibilizar com nossas demandas e propostas, de valorização profissional e condições de trabalho, não teremos uma nota média de 5,4 no ensino fundamental, mas poderemos chegar à nota 8,0. A nossa categoria, então, será aplaudida de pé por toda a sociedade.

*Maria Izabel Azevedo Noronha é presidenta da APEOESP,  vice-presidenta da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação e membro do Fórum Nacional de Educação.

domingo, 12 de agosto de 2012

Música de Domingo - Pais e Filhos (Legião Urbana)

Não é clichê, mas sim uma homenagem aos da minha geração e que hoje são pais.
A banda preferida de 11 em cada dez adolescentes dos anos 80 com sua música simples e letra intimista.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Noam Chomsky: Na sombra de Hiroshima




Por Noam Chomsky, publicado por Esquerda.net

O 6 de agosto, aniversário de Hiroshima, deveria ser um dia de reflexão sombria, não só pelos terríveis acontecimentos dessa data em 1945, mas também pelo que revelaram: que os seres humanos, na sua busca dedicada de meios para aumentar a sua capacidade de destruição, finalmente tinham conseguido encontrar uma forma de aproximar-se do limite final.

Os atos em memória desse dia têm, este ano, um significado especial. Têm lugar pouco antes do 50º aniversário do momento mais perigoso na história humana, nas palavras de Arthur M. Schlesinger Jr, historiador e assessor de John F. Kennedy, ao referir-se à crise dos mísseis cubanos.

Graham Allison escreve na edição atual de “Foreign Affairs” que Kennedy ordenou ações que sabia que aumentariam o risco não só de uma guerra convencional, mas também de um confronto nuclear, com uma probabilidade que ele calculou em cerca de 50%, cálculo que Allison considera realista.
Kennedy declarou um alerta nuclear de alto nível que autorizava aviões da Otan, tripulados por pilotos turcos (ou de outro país), a descolar, voar para Moscou e deixar cair uma bomba.

Ninguém ficou mais surpreendido pela descoberta dos mísseis em Cuba que os homens encarregados de mísseis semelhantes que os Estados Unidos tinham colocado clandestinamente em Okinawa seis meses antes, seguramente apontados à China, em momentos de crescente tensão.

Kennedy levou o presidente soviético Nikita Krushov até mesmo à beira da guerra nuclear e ele assomou-se da beira e não teve estômago para isso, segundo o general David Burchinal, então alto oficial de planeamento do Pentágono. Ninguém pode contar sempre com tal prudência.

Krushov aceitou uma fórmula proposta por Kennedy, pondo fim à crise que estava à beira de se converter em guerra. O elemento mais audaz da fórmula, escreve Allison, era uma concessão secreta que prometia a retirada dos mísseis norte-americanos da Turquia no prazo de seis meses, depois da crise ter sido evitada. Tratava-se de mísseis obsoletos que estavam sendo substituídos por submarinos Polaris, muito mais letais.

Em resumo, mesmo correndo o elevado risco de uma guerra de inimaginável destruição, considerou-se necessário reforçar o princípio de que os Estados Unidos têm o direito unilateral de colocar mísseis nucleares em qualquer parte, alguns apontando à China ou às fronteiras da Rússia, que previamente não tinha colocado mísseis fora da URSS. Deram-se justificativas, certamente, mas não creio que aguentem uma análise.

Juntamente com isto estava o princípio de que Cuba não tinha o direito de possuir mísseis para a sua defesa contra o que parecia ser uma invasão iminente dos Estados Unidos. Os planos para os programas terroristas de Kennedy, Operação mangoose (mangusto), estabeleciam uma revolta aberta e o derrube do regime comunista em outubro de 1962, mês da crise dos mísseis, com o reconhecimento de que o êxito final requereria uma intervenção decisiva dos Estados Unidos.

As operações terroristas contra Cuba são habitualmente descartadas pelos comentadores como manobras insignificantes da CIA. As vítimas, como é de supor, veem as coisas de uma forma muito diferente. Pelo menos podemos ouvir as suas palavras em “Vozes do outro lado: Uma história oral do terrorismo contra Cuba”, de Keith Bolender.

Os acontecimentos de outubro de 1962 são amplamente elogiados como o melhor momento de Kennedy. Allison considera-os como um guia sobre como diminuir perigo aos conflitos, gerir as relações das grandes potências e tomar decisões acertadas acerca da política externa em geral. Em particular, aos atuais com o Irã e a China.

O desastre esteve perigosamente próximo em 1962 e não houve escassez de graves riscos desde então. Em 1973, nos últimos dias da guerra árabe-israelita, Henry Kissinger lançou um alerta nuclear de alto nível. Índia e Paquistão estiveram muito perto de um conflito atômico. Houve inumeráveis casos em que a intervenção humana abortou um ataque nuclear momentos antes do lançamento de informações falsas de sistemas automatizados. Há muito em que pensar sobre o 6 de agosto.

Allison junta-se a muitos outros ao considerar que os programas nucleares do Irã são a crise atual mais grave, um desafio ainda mais complexo para os decisores políticos dos Estados Unidos do que a crise dos mísseis cubanos, devido à ameaça de um bombardeamento israelita.

A guerra contra o Irã está já em andamento, incluindo o assassinato de cientistas e pressões econômicas que chegaram ao nível da guerra não declarada, segundo o critério de Gary Sick, especialista em Irã.

Há um grande orgulho sobre a sofisticada ciberguerra dirigida contra o Irã. O Pentágono considera a ciberguerra como ato de guerra, que autoriza o alvo a responder mediante o uso da força militar tradicional, informa o The Wall Street Journal. Com a exceção habitual: não quando os Estados Unidos ou um seu aliado é quem o leva a cabo.

A ameaça iraniana foi definida pelo general Giora Eiland, um dos maiores responsável pela planificação militar de Israel, “um dos pensadores mais engenhosos e prolíficos que [as forças militares israelitas] produziram”.

Das ameaças que define, a mais crível é que qualquer confronto nas nossas fronteiras terá lugar sob um guarda-chuva nuclear iraniano. Em consequência, Israel poderia ver-se obrigado a recorrer à força. Eiland está de acordo com o Pentágono e com os serviços de segurança dos Estados Unidos, que consideram a dissuasão como a maior ameaça que o Irã coloca.

A atual escalada da guerra contra o Irã aumenta a ameaça de uma guerra acidental em grande escala. Alguns perigos foram ilustrados no mês passado, quando um barco norte-americano, pertencente à enorme força militar estacionada no Golfo, disparou contra um pequeno navio de pesca, matando um membro da tripulação indiana e ferindo outros três. Não se necessitaria muito para iniciar outra guerra importante.

Uma forma sensata de evitar as temidas consequências é procurar a meta de estabelecer no Oriente Médio uma zona livre de armas de destruição massiva e de todos os mísseis necessários para o seu lançamento, e o objetivo de uma proibição global sobre armas químicas – que é o texto da resolução 689 de abril de 1991 do Conselho de Segurança, que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha invocaram no seu esforço para criar uma tênue cobertura para a sua invasão do Iraque, 12 anos depois.

Esta meta foi um objetivo árabe-iraniano desde 1974 e por estes dias tem um apoio global quase unânime, pelo menos formalmente. Uma conferência internacional para debater formas de levar a cabo um tal tratado pode ter lugar em dezembro.

É improvável o progresso, a menos que haja um apoio massivo no Ocidente. Ao não se compreender a importância desta oportunidade alargar-se-á uma vez mais a fúnebre sombra que obscureceu o mundo desde aquele terrível 6 de agosto.

Artigo de Noam Chomsky, publicado no jornal mexicano La Jornada. Tradução de Carlos Santos para Esquerda.net

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mensalão e Judicialização da Política: a metáfora da mesa

Por TarsoGenro, via Carta Capital


O grande legado da chamada “era Lula” não é o “mensalão”. Nem este é o maior escândalo da história recente do país. Se a compra de votos para a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso - que certamente ocorreu à revelia do beneficiário - tivesse a mesma cobertura insistente da mídia e se os processos investigativos tivessem a mesma profundidade das investigações do chamado “mensalão”, a eleição que sucedeu aqueles eventos poderia ter sido inclusive anulada e um mar de cassações de mandatos e de punições pela Justiça poderia ter ilustrado, ali sim, o maior escândalo institucional da República. Tratava-se da nulidade de um mandato presidencial, cuja viabilidade teria sido literalmente comprada.

Assim como o impedimento do Presidente Collor foi feito dentro do Estado Democrático de Direito, o processo do mensalão” também o foi. Isso é bom para o país e bom para a democracia. A compra de votos para a reeleição, porém, foi diluída em termos de procedimento penal e logo arquivada também politicamente. Naquela oportunidade a política não foi judicializada, consequentemente, não foi “midiatizada” e, como sabemos, na “sociedade espetáculo” de hoje o que não está na mídia não está na vida política.

O fato de que o Estado de Direito funcionou em todos estes casos não quer dizer que isso ocorreu de maneira uniforme. O tratamento não foi igual para todos os envolvidos. As ações e providências políticas no Estado de Direito refletem no espaço midiático de forma diversa e não cumprem finalidades meramente informativas. São “mercadorias informativas” cujo objeto não é promover necessariamente decisões judiciais perfeitas e justas, apenas passam o “olhar” dos detentores do poder de informar. A Justiça, como a renda, é sempre distribuída desigualmente, porque sobre a distribuição da Justiça e a distribuição de renda incidem fatores externos às suas normas de repartição ideal, que se originam da força política e econômica dos grupos envolvidos nos conflitos políticos.

O Estado Democrático de Direito é o melhor não porque ele é o Estado perfeitamente justo. O Estado de Direito é o desejável porque ele oferece melhores possibilidades de preservar direitos e acolher demandas e porque ele é a melhor possibilidade para preservar os direitos humanos e as liberdades públicas. O processamento dos réus do “mensalão” deve ser considerado, assim, como uma normalidade do Estado Democrático de Direito, mas o que não pode ser considerado como aceitável é o massacre midiático que já condenou os réus e condenou o PT e os petistas de forma indeterminada, antes do pronunciamento do STF. E isso não foi feito de maneira ingênua.

Vejamos porque isto ocorre. O grande legado da “era Lula” foi, além do início da mudança do modelo econômico anterior, o início de uma verdadeira “revolução democrática” no país, o que fez o seu governo ser tão combatido pela direita neoliberal, cujas posições refletem na maior parte da grande mídia, que é plenamente posicionada nos conflitos políticos e econômicos do país.

Mas o que é esta “revolução democrática”? Suponhamos que a democracia seja uma grande mesa onde todos, abrigados no princípio da igualdade formal, sentam-se para viabilizar seus interesses e disputar algo da renda socialmente gerada pelo trabalho social. Nesta grande mesa (resultado aqui no Brasil da Constituição Democrática de 88), entre a promulgação da Constituição e os governos FHC, todos sentavam nos lugares reservados por aquele ordenamento. Obviamente, porém, alguns sentavam em bancos mais elevados, viam toda mesa, observavam o que estava em cima dela para adquirir, para comprar, para “pegar” pela pressão ou pelo Direito. Conversavam entre si de maneira cordata, transitavam “democraticamente” os seus interesses, tendo na cabeceira da grande mesa os Presidentes eleitos.

Outros estavam sentados em bancos tão baixos que não viam o Presidente, não participavam do diálogo, não sabiam o que estava em cima da mesa. Não tinham sequer a quem se reportar em termos de exercício do seu poder de pressão. Estavam só formalmente na mesa democrática, sem poder e sem escuta. O que Lula promoveu foi apenas a correção da altura dos bancos, que agora permite aos trabalhadores, sindicalistas ou não, com as suas grandezas e defeitos, os “sem-terra” e “sem-teto”, os que não contavam nas políticas de Estado, os excluídos que não podiam ascender na vida (inclusive os grupos empresariais e setores médios que não tinham influência nas decisões do Planalto) verem o que sempre esteve em cima da mesa.

O simples fato de ver e dialogar permitiu que estes contingentes sociais passassem a disputar a posse de bens e uma melhor renda. A democracia em abstrato tornou-se um jogo mais concreto. Os governos Lula, assim, levaram a uma nova condição o princípio da igualdade formal, que começa pelo direito das pessoas terem a sua reivindicações apreciadas pelo poder, impulsionadas pelo conhecimento do que pode ser repartido e do que está “em cima” da mesa da democracia.

Isso foi demais. Significou e significa um bloqueio à ruína neoliberal que perpassa o mundo e, embora tenha sido um projeto também negociado com o capital financeiro, trouxe para a política, para o desejo de mudar, para a luta por melhorias concretas, milhões e milhões de plebeus que estavam fora do jogo democrático. Estes passaram a comer, vestir, estudar e reduzir os privilégios da concentração de renda.

A “plebeização” da democracia elitista que vigorava no Brasil é o fator mais importante do ódio à “era Lula” e do superfaturamento político do “mensalão”. Este é o motivo do superfaturamento, que pressiona o STF para que este não faça um julgamento segundo as provas, mas faça-o a partir de juízo político da “era Lula”, que cometeu o sacrilégio de “sujar” com os pobres a democracia das elites.

Para não entrar em debates mais sofisticados sobre Teoria Econômica, situo como premissa - a partir de uma ótica que pretende ser de grande parte da esquerda democrático-socialista - o confronto político sobre os rumos da sociedade brasileira, após a primeira eleição do Presidente Lula: de um lado, tendo como centro aglutinador os dois governos do Presidente Fernando Henrique, um bloco político e social defensor de um forte regime de privatizações, alinhamento pleno com os EEUU em termos de política global -inclusive em relação ao combate às experiências de esquerda na América Latina- com a aceitação da sociedade dos “três terços” (um terço plenamente incluído, um terço razoavelmente incluído e um terço precarizado, miserável ou totalmente fora da sociedade formal, alvo de políticas compensatórias), experiência mais próxima do projeto de sócio-econômico dos padrões neoliberais, que hoje infernizam a Europa; de outro lado, tendo como centro aglutinador os dois governos Lula, um bloco político e social que “brecou” o regime de privatizações, reconstruiu as agências financeiras do Estado (como Bndes, Banco do Brasil e Caixa Federal, para financiar o desenvolvimento), estabeleceu múltiplas relações em escala mundial -libertando o país da tutela americana na política externa- protegeu as experiência de esquerda na América Latina e desenvolveu políticas públicas de combate à pobreza, programas de inclusão social e educacional amplos, tirando 40 milhões de brasileiros da miséria, com pretensões mais próximas das experiências social-democratas, adaptadas às condições latino-americanas.

Estes dois grandes blocos têm no seu entorno fragmentos de formações políticas que ora se adaptam a um dos polos, combatem-se, ou fazem alianças pontuais sem nenhuma afinidade ideológica. Como também fazem alianças as direitas liberais com a extrema esquerda e o centro, ora com a esquerda, ora com a direita. Mais frequentemente estas alianças foram feitas para paralisar iniciativas dos governos Lula, que sobrevivem até o presente, como as políticas de valorização do salário-mínimo, as políticas de implementação do Mercosul, a política externa quando valoriza os governos progressistas latino-americanas e as políticas, em geral, de combate às desigualdades sociais e regionais.

Atualmente perpassa, na maioria da mídia tradicional, uma forte campanha pela condenação dos réus do “mensalão”, apresentando-os como quadrilheiros da impureza política. A mídia seleciona imagens e produz textos que já adiantam uma condenação que o Poder Judiciário terá obrigação de obedecer, pois “este é o maior escândalo de corrupção da história do país”, o que certamente começou com o Partido dos Trabalhadores e seus aliados no governo.

Os réus do “mensalão” e o PT já estão condenados. Já foram condenados independentemente do processo judicial, que muito pouco acrescentará ao que já foi feito, até agora, contra os indivíduos e o partido, sejam eles culpados ou não, perante as leis penais do país. O processo judicial, aliás, já é secundário, pois o essencial é que o combate entre os dois blocos já tem um resultado político: o bloco do Presidente Lula, em que pese a vitória dos seus dois governos, tornou-se - partir do processo midiático - um bloco de políticos mensaleiros, cujas práticas não diferem, no senso comum, de qualquer dos partidos tradicionais. Vai ser muito duro recuperar estas perdas. Mas elas serão recuperadas, pois o povo já se acostumou a ver o que está em cima da mesa da democracia e sabe que ali tem coisas para repartir.

Tarso Genro é atualmente Governador do Estado do Rio Grande do Sul