Iniciando o ano de 2015 e olhando pelo retrovisor, fica mais
fácil analisar o turbilhão de fatos acontecidos antes, durante e após as
eleições de 2014. E uma coisa salta aos olhos mesmo ao observador menos atento:
a esquerda brasileira saiu, em termos eleitorais, muito menor do que entrou.
As forças do campo democrático-popular sofreram um revés
histórico. Os dados mostram isso. Porém mais importante que os dados é a
análise do porquê de a esquerda ter sofrido golpes tão fortes. De nada adianta
enxergar o efeito e negar a causa. Também não adianta tapar o sol com a
peneira. No caso celebrar a reeleição de Dilma Rousseff – que obteve importante
apoio da esquerda em ambos os turnos, sobretudo no segundo – como se a
reeleição em si representasse um quadro pronto e acabado.
O Brasil que foi às urnas em outubro último elegeu um congresso
mais conservador que o anterior, sendo que esse anterior já era o mais
conservador em décadas. Se é no Congresso que a luta pelos avanços sociais e o
debate sobre a construção de uma nova sociedade mais democrática se dá de forma
privilegiada, não é difícil imaginar o quanto as lutas sociais sofrerão e o
quanto o debate será interditado por esse “novo” Congresso cheio de “velhas”
ideias.
Há um sentimento, ainda não generalizado, mas já muito presente,
o de letargia da esquerda brasileira frente aos desafios de se impor como
alternativa ao status-quo ao mesmo tempo em que pertence ao status-quo. Um
sentimento de angústia, igualmente muito presente, ao ver que parte da esquerda
– ao menos parte da institucionalizada dentro das regras vigentes – abraça antigos
desafetos e adversários histórico, se alia a estes e juntos se conspurcam na partilha do poder. Creio ser desnecessário
afirmar que essa parte da esquerda comete os mesmos desvios que antes combatia
e ao chegar ao poder logo se deixou levar pelos mesmos vícios, provocando ainda
mais mal-estar entre a militância, gerando crise existencial para a própria
esquerda.
Quando Marcelo Freixo surgiu no programa eleitoral de Dilma
Rousseff no segundo turno, escrevi nas redes sociais que aquilo se tratava de
um marco para a esquerda brasileira. De fato se tratou de um marco, afinal, no
segundo turno a esquerda se uniu em prol da reeleição de Dilma. No entanto, a
própria união da esquerda – coisa que não ocorria desde 1989 – já denotava a
sua fraqueza e a crise existencial pela qual passa. Ter que se unir a fim de
derrotar um candidato tão vazio quanto Aécio Neves foi sintoma da correlação de
forças na qual a direita vem ganhando espaço.
A sintese da crise existencial em que
a esquerda brasileira mergulhou pode ser resumida por duas contatações: A de
que Eduardo Jorge – egresso do PT – tornou-se presidenciável pelo PV, partido
reconhecidamente fisiológico, não obstante apresentou propostas muito mais
progressistas que a presidenta candidata à reeleição pelo Partido dos
Trabalhadores. E o sebastianismo
pós-moderno presente no insistente “volta Lula”, deixando a esquerda brasileira
refém de um nome ao invés apresentar uma plataforma programática para a
construção de uma nova sociedade.
Se negar essa crise é difícil, mais difícl ainda é negar o
retrocesso eleitoral que a esquerda presenciou. No estado de São Paulo, berço
do Partido dos Trabalhadores e de vários movimentos sindicais, tanto PT quanto
demais partidos de esquerda foram massacrados pelo eterno governador e membro
da Opus Dei Geraldo Alckmin. O candidato petista ao Palácio dos Bandeirantes, o
ex-ministro Alexandre Padilha, amargou um trágico – para as pretensões petistas
– terceiro lugar com míseros 18% dos votos, ficando atrás inclusive de Paulo
Skaff, convicto demagogo e difícil de ser levado a sério.
O deputado mais votado do PT ficou em 20º lugar entre os mais
votados. Na realidade o
PT paulista regrediu a eleição de 1990 quando elegeu apenas 11
deputados federais. Já o PSOL por pouco não viu o bravo Ivan Valente perder sua
cadeira na Câmara dos Deputados.
Talvez pior, por todo o significado embutido, tenha sido a
derrota de Eduardo Suplicy. Após 24 anos a esquerda brasileira será privada de
ter no Senado Federal um dos seus melhores quadros e uma verdadeira bandeira da
luta pela justiça social e pelos direitos humanos.
Culpar o conservadorismo da elite branca paulista pela
“tragédia” ocorrida em São Paulo é enxergar o efeito sem determinar a causa.
Entretanto é opção mais fácil do que fazer autocrítica.
Já aqui em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do
país, o Partido dos Trabalhadores pela primeira vez elegeu o governador e de
quebra tirou do poder o grupo de Aécio Neves depois de doze longos anos. Mesmo
assim se faz imperioso uma análise mais profunda. Fernando Pimentel nunca foi o
petista mineiro mais próximo dos movimentos populares ao passo que seu vice Antônio Andrade (PMDB) sempre foi ligado ao agronegócio. Os deputados federais petistas mais votados em
Minas – Reginaldo Lopes, campeão nacional de votos pelo PT, Odair Cunha e
Gabriel Guimarães – receberam fortunas para o financiamento de suas campanhas.
Por outro lado candidatos ligados ao campo democrático-popular que se recusaram
a receber doações de empresas tiveram dificuldades em se eleger mesmo sendo
quadros históricos. Patrus Ananaias, ex-prefeito de Belo Horizonte e o
preferido dos movimentos sociais de Minas, obteve menos da metade dos votos de
Reginaldo Lopes.
No Rio Grande do Sul Tarso Genro e Olívio Dutra, dois dos
maiores nomes da política nacional da sua geração, foram derrotados
respectivamente para o governo e o Senado e ambos por figuras cujo discurso de
campanha era o nada sobre o nada com pitadas de coisa nenhuma. Aliás, uma
característica marcante dessas eleições foi o excesso de candidatos cujos
discursos falavam nada sobre tema nenhum.
O Rio de Janeiro talvez tenha sido o palco onde a esquerda
(inclusive eu) quebrou a cara de forma mais patente. A ida de Lindberg Farias
para o segundo turno era dada como favas contadas. Contudo, o segundo turno foi
disputado pelo peemedebista Pezão e pelo representante da Igreja Universal do
Reino de Deus, Marcelo Crivella. Não fosse o desempenho dos representantes do
PSOL – Marcelo Freixo, Chico Alencar e Jean Willys – a esquerda fluminense
teria sido solapada nessas eleições.
No Distrito Federal a esquerda colecionou duas derrotas. A
primeira eleitoral e vergonhosa. O então governador Agnelo Queiroz
amargou um modesto terceiro lugar. A segunda ainda mais vergonhosa foi a
derrota moral. Agnelo deixou o governo sem pagar o salário do funcionalismo
público referente ao mês de novembro.
Na Bahia mesmo com a vitória do PT a eleição não foi um mar de
rosas para a esquerda. Jacques Wagner depois de oito anos no poder garantiu
mais quatro para o PT bahiano ao eleger seu sucessor. No entanto, o vice-governador
eleito é do PP e o senador apoiado pelo PT e eleito é do PSD. A prova que a
esquerda só consegue se manter no poder se estiver aliada às facções da
oligarquia regional. Como mostra Florestan Fernandes, a elite brasileira é
heterogênea e por vezes tem suas dissidências momentâneas, essas dissidências
buscam meios de se manter no poder e garantir seus privilégios se aliando ao
que for necessário e já pensando na futura recomposição com as outras facções
da elite.
Outro caso emblemático nas eleições passadas é o do Maranhão. A
vitória do comunista Flávio Dino expôs as dificuldades da esquerda brasileira.
Lutando contra uma das maiores e mais retrógradas oligarquias do Brasil, Dino
logrou êxito, contudo aceitou uma aliança com facções da elite local e viu o PT
apoiar os Sarney.
Ao esmiuçar os resultados de 2014, resta claro que é hora de a
esquerda brasileira parar para reflexão e inflexão. A esquerda brasileira
precisa disso. Precisa ser mais crítica e fazer sua autocrítica. Tem que reconhecer
os avanços dos últimos doze anos, mas isso não quer dizer que deva ser leniente
com a corrupção ou com o modus operandi de hoje em dia que é o do governo de
consenso.
Caso a esquerda se omita de fazer isso, à direita, e podem ter
certeza a mais golpista possível e que não tem medo do fascismo, continuará a
crescer e a ganhar espaço. O tempo urge e chegou a hora de a esquerda brasileira
fazer uma pausa para dialeticamente realizar sua reflexão, inflexão e por fim
mudar sua forma de ação.
Pra encerrar, se a Venezuela, embora eu particularmente tenha
críticas contumazes ao chavismo, conseguiu implantar um modelo mais
participaitvo e democrático, além de ter enfrentando de frente suas
oligarquias, cabe à pergunta: por que nós não? Não que devêssemos importar o modelo chavista,
longe disso, pois as sociedades de Brasil e Venezuela têm as complexidades próprias
de cada uma. Entretanto, se a Venezuela superou em parte sua complexidade sem o
governismo de consenso e enfrentando desafios de toda sorte, o Brasil poderia
buscar superar seus desafios de maneira minimamente parecida.