Nessas
férias de julho passeei muito com minha filha Isabela. A programação
de Julho da cidade estava repleta de atrações que tornavam as
férias muito mais ricas e divertidas para turistas e para os
cidadãos poçoscaldenses que conseguissem se deslocar até o centro,
tendo em vista que a maioria das atrações eram na praça Pedro
Sanches ou na Urca.
Mas,
quero chamar a atenção na verdade é para o que aconteceu atrás do
museu. Três artistas locais apresentariam as lendas da cidade
baseados no livro da museológa
Nilza Megale e assim que eu e minha filha chegamos já vimos tudo
preparado: o local dos instrumentos, o pano de retalhos onde as
crianças assistiriam, as cadeiras ao fundo para os adultos.
Isabela, sem timidez nenhuma
foi sentar-se junto às outras crianças que estavam à frente. Eram
crianças extremamente bem vestidas que conversavam sobre seus
“colégios”. Assim que ela chegou, com seus olhinhos um da cor
azul e outro da cor preta, as crianças ignoraram sua entrada no
grupo, por não ignorarem a diferença da cor das pupilas. Uma delas
passou a conjecturar o motivo, falando as demais com cara de desprezo
que era porque a Isabela tinha machucado o olho e que não enxergava
e várias outras coisas que nem escutei. As demais olharam a Isabela
de cima em baixo e voltaram a olhar a narradora da história
preconceituosa.
Isabela
simplesmente saiu de perto, me pediu um papel e canetas, voltou a
sentar no pano, um pouco mais longe das meninas, e passou a desenhar
suas princesas e seus castelos. Mostrava suas produções entre um
sorriso e outro.
Eu
enquanto mãe observei como a Isabela lidava com a situação. Sempre
a elogiamos muito e lhe falamos que era rara e por isso é bela e
depois conversando com ela expliquei que tem criança que nunca viu
olhos bonitos que nem o dela e perguntei se ela sabia que era linda e
ela disse “sou maravilhosa”.
Entendo
que por ser diferente chame a atenção, mas foi a primeira vez que
vi um gesto de rejeição. Geralmente as pessoas ou crianças
comentam, perguntam, mas não excluem e o que leva a crer que tal
gesto é mais comum entre aqueles que ocupam a classe dominante, a
julgar pela conversa das meninas sobre “colégio” e as roupas que
usavam.
Daí
minha reflexão enquanto educadora foi em outro sentido... como são
esses colégios? Como são organizados? Estão prontos para lidarem
com a diferença?
Compreendo
os vários problemas da escola pública como professores mal
remunerados, falta excessiva dos profissionais em educação, salas
superlotadas, trabalho muitas vezes superficial dos conteúdos,
entendimento do aluno como número no IDEB... Entretanto, por mais
problemas que haja uma coisa é certa: a escola pública está mais
preparada a trabalhar democraticamente do que a escola privada.
Quem
aceita as crianças independentemente se podem pagar o ensino? Quem
contrata cuidadores para as crianças com necessidade especial (no
caso da realidade em Poços de Caldas)? Quem não vem com uma
apostila pronta pra ser executada e tem a grande possibilidade de
elaborar seu próprio currículo junto à comunidade? Quem serve a
merenda igual e de qualidade para todos os alunos? Quem tem a
condição de agregar no mesmo espaço crianças e adolescentes de
diferentes religiões, etnias, culturas?
A
escola pública também tem um olho de cada cor. Inclui negros e
brancos, evangélicos e umbandistas, classe média e camada popular,
crianças com necessidades e crianças com altas habilidades.
Enquanto escola que sabe de sua riqueza por não ser homogênea, a
escola pública só tem a ganhar em democracia, em tolerância, em
respeito pela diversidade, em busca de uma sociedade que não olhe os
olhos, mas o que está por detrás deles... Mas, pra isso, a escola
pública e todos que usufruem dela, professores, gestores, comunidade
escolar, políticos, precisam aceitar esse diferencial riquíssimo
que a escola pública tem, de modo que os grupos atendidos não sejam
mera matrícula de pertencimento, mas uma inclusão de fato de suas
vivências e culturas, pois ao se marginalizar o conhecimento do
aluno a escola pública abandonará seu potencial democrático para
se assemelhar a escola privada que homogeneíza o currículo e ao
fazer isso homogeneíza pessoas.
Ana
Paula Ferreira, professora da rede Municipal e coordenadora
pedagógica do Educafro Poços de Caldas.