quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sempre o mesmo eco oriundo dos porões da ditadura

Em 1964 o Brasil vivia sob o estado de direito com um governo eleito de forma democrática – ato ainda ratificado através do plebiscito de janeiro de 1963 . As instituições liberal-burguesas e os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo funcionavam normalmente, ainda que muitas vezes sabotados ou cooptados pela força do capital internacional aliado a seus lacaios tupiniquins. Ao contrário do disparate pregado hoje e ontem pela direita retrograda e reacionária, não havia qualquer perigo eminente do próprio governo perpetrar um golpe comunista no país, prova de tamanha mentira reside principalmente no fato do presidente João Goulart conseguir, até então, firmar-se na política através de um populismo capenga e a uma postura dúbia em relação a alguns temas de relevância nacional.

O que de fato ocorria e tirava o sono dos setores mais reacionários era o momento histórico em que se encontravam movimentos populares e sociais, um momento ímpar na sociedade brasileira, com forte ímpeto para lutas tanto na cidade quanto no campo. Sentia-se no ar a esperança de transformação duma sociedade marcada pelo oligarquismo e subserviência aos interesses imperialistas do Norte, além da quebra das amarras que ainda nos unia a ao século XIX, colonial e escravagista.

Foi nesse clima que concorreu o crime contra a classe proletária e aos interesses dos trabalhadores. Os militares incentivados/auxiliados despudoradamente por uma potência estrangeira, atendendo as súplicas de nossa burguesia atrelada aos interesses do grande capital internacional, a importante e majoritária parcela do clero Católico e ao que mais pudesse existir de reacionário naquela sociedade, usurparam o poder para depois perseguir, torturar e assassinar quem se opusesse ao estado de exceção implantado por eles próprios.

Qual a legitimidade dos governantes daqueles dias sombrios que perduraram por mais de duas décadas? Qual a legitimidade democrática da “Anistia” ampla e irrestrita forjada pelos próprios usurpadores do poder?

É ingenuidade ou má fé declarar que todos que pegaram em armas naqueles anos estão em pé de igualdade e ou devem ser anistiados ou julgados da mesma forma. Qualquer contratualista, Rousseau, Locke ou Hobbes, deve estar se remoendo em seu tumulo ao ouvir tamanha ignorância!!! Se o estado foi criado justamente para coibir o abuso dos mais fortes sobre os mais fracos, como defender tal ponto de vista? Recorro ao pensamento de Rousseau para explanar o quanto agem de má fé aqueles que pregam a anistia para ambos os lados. Para o filósofo francês o “contrato social” é um pacto constituindo o fundamento ideal do direito político e repousando numa forma de associação capaz de defender e proteger com toda a força comum, a pessoa e os bens de cada sociedade.

Ora, não foi justamente o contrário o que assistimos durante o regime militar? Portanto insistir na defesa de seqüestradores, torturadores e assassinos que agiram utilizando-se de instrumentos estatais para tal crime – não nos esqueçamos que nem mesmo a Constituição outorgada pelos ditadores de plantão ou os seus Atos Institucionais, previam seqüestro, tortura ou assassinato como política de estado – justificando que cumpriam ordens superiores ou que o país vivia em estado de guerra é discrepância jurídica . Repetir que esses criminosos estão amparados debaixo da Lei de Anistia que teria atendido ambos os lados do conflito, não passa de descaramento e afronta a uma sociedade que ainda não acertou suas contas com o passado.

Se o debate é sempre suscitado não é por outro motivo se não um clamor da sociedade civil em querer ver essa página da história virada. O clube militar, oficiais da reserva, ou quem quer que seja, não podem impedir a sociedade de se manifestar e pressionar o Estado a rever sua posição ignominiosa perante a Lei da Anistia de 1979.

Um comentário:

Blog do Morani disse...

COMENTANDO HUDSON LUIZ VILA BOAS


Se dermos alguns passos ao pretérito – 25/08/61 – relembraremos a renúncia de Jânio que fará no próximo dia 25 do corrente 47 anos! E parece ter sido ontem.
Com a sua renúncia tresloucada, e sonhadora de que seria reconduzido ao poder pela vontade popular, Jânio abriu as portas definitivamente ao seu vice Jango Goulart. Sabemos pela história que nem os militares conservadores, e os políticos da UDN, não aceitavam como novo titular do governo federal aquele gaúcho, amigo de Leonel Brizola à época governador do Rio Grande do Sul. Leonel ficou ao lado de Goulart, com o respaldo do III Exército. Por breve momento, tudo indicava uma guerra civil. Foi essa brecha entre as forças militares que deu o impulso reacionário àqueles contrários a posse do novo presidente. Adotou-se o Parlamentarismo para que uma guerra civil fosse contornada. O confronto entre os contrários e o novo presidente havia sido adiado, mas não esquecida. Fomentava-se na calada das noites nos quartéis, e em outros lugares, a próxima queda de Goulart. O célebre comício da Central precipitou o repúdio daquele grupo ao indeciso Goulart, pois como o seu antecessor agiu tresloucadamente assinando uma série de decretos, em público, determinando reformar radicais como a nacionalização das refinarias e a reforma agrária, que acabou por não acontecer. A igreja, ligada à classe média urbana ( por que não incluir a elite?) organizou passeatas em S.Paulo e outras capitais “em nome de Deus, da Família e da Liberdade” em claro repúdio às intenções populares e reformista do governo Goulart. Em 31 de março de 1964 João Goulart se viu exilado. Começava, então, uma Era de terror com forte repressão por parte dos militares. Os elementos nocivos se desencadearam sobre as cabeças dos brasileiros que assistiam, de há muito, os Atos Institucionais. Somente com o governo Figueiredo, veio à tona o compromisso com a anistia geral e irrestrita.

Verdadeiramente – como diz o amigo em seu comentário sobre a situação na época – o momento histórico em que se encontravam os movimentos populares e sociais, tirava o sono aos setores mais radicais e se fazia urgente medidas eficazes contra essa reação popular. Concorriam, para tanto, os interesses do capital internacional, o clero católico, na sua mais profana forma de influir nos anseios populares de braços dados, todos entre si, a outras faces da nossa sociedade indiferentes às prisões, torturas e execuções dos chamados “marginais do regime”.
Distante de nossas fronteiras, mandava nos destinos de nossas políticas o famigerado FMI ditando normas até mesmo aos reajustes do salário-mínimo.
Mas o peso maior das discrepâncias recaiu sobre aqueles que pegaram em armas para defender a sociedade que não estava ombreada, quer filosófica ou politicamente, às duras medidas dos governos militares. Esses extrapolaram ao direito de manter a ordem a todo custo, num regime de caserna.
Se o espírito do Estado existe para defender com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sociedade, por que se descaracterizou esse dever enquanto sobrevivia o “regime de caserna”? Ele contava com a “legalidade”; usou e abusou dela. Era o Poder, representava o Estado que se obrigava àqueles princípios de proteção aos cidadãos. Como quer, então, que a Anistia de 1979 seja de tal forma abrangente que alcance até mesmo torturadores e assassinos que se movem, ainda, em meio à sociedade, no Congresso e em outros setores produtivos de nossas riquezas? Nada sei de Rousseau, Locke ou Hobbes – conhece-os apenas pela fama de seus nomes –, mas devem mesmo estar se revirando no fundo de suas sepulturas, importunados com um passado que ainda não foi resgatado totalmente por nossa sociedade.
Morani