A Líbia foi o primeiro país em toda a história do  Conselho de Direitos Humanos da ONU a ser suspenso de suas atividades  por violação dos direitos humanos. Seria a Líbia o primeiro Estado a  ocupar uma cadeira no Conselho a violar aqueles direitos? O que dizer  das prisões norte-americanas em Guantânamo e da expulsão dos ciganos na  França, para citar só dois exemplos?
O Conselho de Segurança da  ONU adotou, em 17 de março, uma resolução autorizando ataques aéreos  contra as forças de Muamar Khadafi. A resolução foi adotada com dez  votos a favor e cinco abstenções. Abstiveram-se todos os países do BRIC –  Brasil, Rússia, Índia, China, e mais a Alemanha. Rússia e China,  portanto, não fizeram uso de seu direito de veto. Os BRIC articularam-se  com base na condenação do uso da força nas relações internacionais e na  busca do diálogo.
Ao contrário da expectativa de alguns  círculos, a abstenção brasileira significou, no mínimo, que não haverá  uma ruptura total com os rumos da política externa antecessora, nem  mesmo diante da visita de Obama ao Brasil. A liderança de Dilma Roussef  não penderá para o alinhamento automático com os EUA. Como bem salientou  Luiz Aberto Moniz Bandeira, a defesa dos interesses nacionais  brasileiros não significa, absolutamente, antiamericanismo. A opção  brasileira de se abster demonstra maturidade e, sobretudo, coerência.
A  resolução contra a Líbia só pôde ser adotada quando os EUA tornaram  possível seu não envolvimento direito, delegando a execução das  operações militares à França e ao Reino Unido, com o apoio da Liga  Árabe, e com base em uma resolução do Conselho de Segurança,  precavendo-se assim de reviver a situação ocorrida no Iraque.
A  Líbia integrará, portanto, a lista de antigos aliados ocidentais que se  tornaram alvos militares por “violação dos direitos humanos”, junto com o  Panamá de Manuel Noriega, o Iraque de Saddam Husseim e o Afeganistão do  Talibã. De “cachorro louco”, Khadafi passou a amigo do Ocidente quando  reconheceu, em 2003, sua responsabilidade no atentado contra o avião da  PanAm que explodiu sobre a cidade de Lockerbie, em 1988, deixando 270  mortos, e desistiu de seu projeto de desenvolver armas nucleares. Em  2006, os EUA anunciaram a retirada da Líbia da lista de países  terroristas e puseram fim ao seu isolamento internacional, viabilizando  contratos milionários na área energética, inclusive com outros  importantes países membros da OTAN.
Um dos maiores crimes contra  os direitos humanos do século XX, entretanto, ocorreu sob os olhos  indiferentes da comunidade internacional, sem que a ONU adotasse  quaisquer medidas. Em 1994 a Ruanda, país sem qualquer importância  estratégica cravado no coração da África, foi palco de um genocídio  perpetrado durante 100 dias por radicais hutus contra tutsis e hutus  moderados, resultando na morte de cerca de um milhão de pessoas. Os  principais acusados pela indiferença são os mesmos que aprovaram a  resolução do Conselho de Segurança contra a Líbia, ou seja, EUA, França e  Grã-Bretanha, além da Bélgica.
O Bahrein, por sua vez, está  sendo palco dos mais graves protestos da maioria xiita contra a elite  sunita desde a década de noventa, que pede o fim da monarquia e a  garantia das liberdades democráticas. Nesse caso, não se aventou a  possibilidade de discutir a situação no âmbito das ONU, apesar da  ocupação do país por tropas da vizinha Árabia Saudita e dos Emirados  Árabes. O detalhe que faz a diferença, é que o microestado abriga a V  Frota dos EUA responsável por vigiar o petróleo no Golfo Pérsico. A  situação no Iêmen, da mesma forma, não mereceu atenção ocidental. A  política externa de Barack Obama, portanto, coincide na essência com  aquela de George Bush.
Coincidência ou não, a conduta da ONU  também difere diante de situações similares, e a lei internacional é  aplicada com mais ou menos rigor de acordo com a conveniência. Dois  pesos, duas medidas.
Larissa Ramina é Doutora em Direito Internacional pela USP e Professora da UniBrasil e da UniCuritiba.
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