De
todas as propostas apresentadas pelas instâncias de poder até o
momento a fim de responderem as manifestações de julho, a mais
ousada e que de fato daria uma resposta a altura das manifestações
foi exatamente a de uma Assembleia Constituinte.
Ainda
que essa Assembleia viesse a tratar exclusivamente da reforma
política – o que parece pouco, mas indubitavelmente já
representaria um avanço sem precedentes desde 1988 – seria a
oportunidade há muito aguardada para colocarmos o dedo na ferida:
como são financiadas as campanhas? como são formadas as alianças
com vistas ao horário eleitoral? qual o objetivo de partidos
ideologicamente, ou ao menos historicamente, tão discrepantes se
unirem numa coligação proporcional? Tudo isso estaria em debate
numa Assembleia Constituinte.
Todavia
a grita da direita encastelada desde o oligopólio midiático até as
mais altas cortes de Justiça, passando por associações patronais,
pelo Congresso Nacional, por governos estaduais e chegando aos partidos da
chamada “base aliada”, retirou tal proposta da agenda.
De
imediato as forças progressistas – ah, quanta saudade de quando o
Partido dos Trabalhadores usava em seu vocabulário o termo Campo
Democrático Popular! – encamparam a ideia de um plebiscito. Algo
sem a abrangência da Assembleia Constituinte, mesmo assim uma ideia
altamente democrática e com ares de inovação em nossa democracia
formal, cujo teor trará questões objetivas sobre uma reforma
política, senão tão ampla, ao menos com potencial de mudar
substancialmente o quadro caso algumas de suas propostas sejam
acatadas pela população.
Não
obstante, demorou menos ainda para que a direita novamente se
mostrasse contrária e em ato contínuo iniciasse uma campanha
bradando a bolivarização do Brasil e que o mais certo em casos
assim seria o Congresso votar em regime de urgência uma reforma
política e colocá-la em termos de consulta à população na forma
de referendo.
A
estratégia da direita é clara, inibir a todo o custo o debate
aprofundado sobre a Reforma Política que se arrasta há quase duas
décadas num Congresso dominado por interesses privados, enquanto o
Judiciário afirma não haver possibilidade constitucional para se convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva ou mesmo um plebiscito
popular.
O que a direita não compreendeu é que o que está posto em xeque pela população que saiu às ruas é exatamente o staus quo, o estabilishment,o sistema putrefato ao qual a própria direita está umbilicalmente amarrada e não conseguirá se dissociar por mais que tente ou consiga surfar na onda das manifestações legítimas em seu todo e justas no geral. É como se dissessem aos manifestantes: “Fiquem calmos, nós entendemos que vocês estão contra o sistema e cansados dele. Então vamos chamá-lo pra resolver essa questão”.
O que a direita não compreendeu é que o que está posto em xeque pela população que saiu às ruas é exatamente o staus quo, o estabilishment,o sistema putrefato ao qual a própria direita está umbilicalmente amarrada e não conseguirá se dissociar por mais que tente ou consiga surfar na onda das manifestações legítimas em seu todo e justas no geral. É como se dissessem aos manifestantes: “Fiquem calmos, nós entendemos que vocês estão contra o sistema e cansados dele. Então vamos chamá-lo pra resolver essa questão”.
Por
outro lado, a Presidenta Dilma e os partidos de esquerdas parecem ter
compreendido que contra o sistema não se coloca mais sistema, mas
sim dá ouvidos a sociedade estabelecendo canais de diálogo e de
participação mais ativa. Isso me faz lembrar do filósofo grego
Cornelius Castoriadis: "As
instituições dos dias de hoje enxotam, afastam, dissuadem as
pessoas de participar. E, no entanto, em matéria de política, a
melhor educação é a participação ativa –
o que exige uma transformação das instituições de modo que essa
participação passe a ser permitida e incentivada."
Ademais,
o PT está sendo obrigado a reconhecer muito antes do que imaginara,
que os avanços obtidos ao longo dos últimos dez anos através de
uma reforma gradual e de um pacto conservador, como analisou André Singer, relegou a segundo plano as tradicionais bandeiras do próprio
Partido dos Trabalhadores. Reformas estruturais sempre defendidas
foram esquecidas ou relegadas a terceiro, quarto, quinto plano em
nome da tal governabilidade. Foi assim com a própria reforma
política, como também a reforma federativa, a reforma agrária, a
reforma urbana, a reforma fiscal/tributária (alterando a perversa
fórmula brasileira aonde o mais pobre paga proporcionalmente mais
impostos que o mais rico), além das reformas sindical e trabalhista
(que de fato atendam aos interesses do trabalhador) e das prementes
democratização da mídia, taxação sobre grandes fortunas, redução
da jornada de trabalho.
Entretanto,
a mesma crise do tamanho de um tsunami que perturba Brasília na
comemoração do décimo ano em que forças mais próximas à
esquerda estão no poder, trouxe consigo uma oportunidade histórica
de a esquerda se reencontrar consigo. A oportunidade da esquerda
impor-se sobre os interesses conservadores e propor o aprofundamento
dos ganhos sociais e a radicalização da retórica e da práxis
democrática.
Em
suma, para a esquerda, para o Campo Democrático Popular, não há
meio termo possível; ou
encabeça
o processo de mudanças desempenhando o papel que a História sempre
lhe
reservou de ser vanguarda, ou será
engolida
pelo tsunami que vem das ruas.
Afinal,
embora a
direita não compreenda o valor desse
tsunami cheio
de demandas
e reivindicações típicas da esquerda, a pulverização e a difusão
de tantas outras demandas somadas
a frustração de não serem atendidas pode
facilmente torná-lo
caldo fascista para
uma reação contra a Democracia.
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