quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A luta de classes em evidência

Por Tiago Barbosa Mafra

O processo eleitoral que se encerra trouxe definitivamente à tona a disputa em voga na sociedade brasileira. O processo redistributivo e a mudança efetiva nas condições de vida dos trabalhadores, iniciada há 12 anos, fizeram com que as pautas de reivindicações adquirissem um patamar superior, em busca de serviços públicos de maior qualidade, uma vez supridas em parte as demandas mais elementares.

Venceu nas urnas a proposta apoiada pelos movimentos sociais e pela militância que sentiu a obrigação de tomar as ruas em sua defesa. São esses movimentos que conseguiram canalizar as “jornadas de junho” e suas demandas, pedindo dentre outras coisas, mais participação popular e a reforma política profunda, com supressão do financiamento privado das campanhas eleitorais, mudanças nas formas de coligação e alianças entre os partidos.

Os movimentos sociais cobrarão agora, após papel decisivo no segundo turno do processo eleitoral, uma radicalização em direção às mudanças estruturais tão necessárias para seguir combatendo a desigualdade e fortalecendo a democracia. Têm como pauta central, a reforma política a ser conduzida com participação ampla da população (após quase 8 milhões de votantes no plebiscito popular) e o controle social da mídia, em voga em países ditos “desenvolvidos” e chamado de “censura” ou “controle bolivariano” pelos que tem ojeriza à efetiva participação popular nas decisões políticas.

A elite vê com medo qualquer ato em direção à distribuição do poder decisório e de execução, algo que tomou para si como privilégio do qual não quer abrir mão. Estaríamos a caminho da ditadura do proletariado? Talvez ai resida a raiz da onda histérica anti-PT, propagada pela classe dominante através de seus meios de comunicação de massa e adotada, infelizmente, por muitos trabalhadores conforme apontou o resultado apertado do pleito de domingo (26).

Sintomaticamente, na primeira terça (28) após a reeleição, a Câmara dos Deputados derrubou o decreto do Executivo Federal que instalava os conselhos de participação popular como mecanismo de empoderamento e controle social. Isso antes mesmo da posse do novo congresso, onde será mais difícil consolidar alianças e avançar em questões de aprofundamento das reformas estruturais como querem os movimentos sociais, tendo em vista o perfil mais conservador dos representantes que passarão a compor as duas casas legislativas em 2015.

Isso posto, urge ao campo democrático popular, mas em especial ao Partido dos Trabalhadores, repensar sua prática enquanto organização representativa, como partido dirigente e como vanguarda das transformações sociais e anseios populares que foi e que em certa medida ainda é. Cabe perceber que tal papel tem sido deixado em segundo plano para priorizar adequações às lógicas em vigência na disputas leitorais. Prima pelo poder formal, institucional e deixa de lado seu estatuto, as bases e a vontade dos filiados, militantes e demais grupos progressistas que historicamente o apoiaram. Para não se igualar aos demais partidos brasileiros, terá que se reinventar, como ressaltou Tarso Genro ainda durante o processo eleitoral.

A luta de classes está evidenciada. A disputa das ruas e das mentalidades também. A direita apropria-se do sentimento de necessidade de mudança da população, sem ao menos qualificar quais mudanças pretende. A população, a classe trabalhadora, sem referenciais em razão do afastamento e da deficiência de representatividade, divide-se entre a opção pelo projeto de continuidade da melhora dos últimos anos e uma proposta de mudança que não se sabe ao certo qual.

Cabe aos setores mais progressistas continuar e aprofundar a participação nestas disputas. Aos partidos, em especial ao PT, a autocrítica e a reorganização. Ao governo, optar pela composição que aprofundará o status quo ou a tentativa de colocar em marchas mudanças mais profundas na sociedade brasileira e comprar briga com o congresso mais conservador desde 1964. O poder está em disputa, no intento de conter os impulsos raivosos e totalitários da elite que acusa seus adversários de “bolivarianismo” para manter intacto seu patrimônio. Como ensinou Hannah Arendt, “onde se esvai o poder, sobressai a violência”.

Encerro, com a ainda atual reflexão de Florestan Fernandes: “Contra as ideias da força, a força das ideias”.



Tiago Barbosa Mafra é companheiro de lutas populares aqui em Poços de Caldas, professor de Geografia da rede pública municipal de ensino e coordenador do pré vestibular comunitário Educafro.

Um comentário:

Paulo Cássio Pereira disse...

Texto muito bem articulado. Agora é preciso pensar no convencimento no campo das idéias e consolidar as políticas públicas e evitar que tentem transformar o segundo mandato em terceiro turno. Pensando na governabilidade, o governo precisa retomar a agenda política. trabalhar a reforma partidária com um diálogo mais racional e com a efetiva participação da sociedade.Concluindo, o Partido dos Trabalhadores realmente necessita ser reinventado, de "petê" para PT...