Por Tiago Mafra
Quais os limites das transformações sociais possíveis
dentro de um modelo democrático atrelado ao modo de produção capitalista? Sem
dúvida alguma o Brasil consolidou-se como uma prova cabal de que há uma grande
margem de atuação na busca pela redução das desigualdades, agindo dentro da
ordem vigente.
Nesse cenário, um dos diversos fatores que fixa a
profundidade das transformações operadas é o PODER. Digo aqui não o poder
institucional, mas aquele capaz de congregar os interesses dos diversos atores
sociais, em especial os movimentos populares, que dão o poder real para além de
nomeações, cargos ou instituições.
O poder pautado na base real, popular, com pé no mesmo chão
em que pisa o trabalhador, coloca em marcha a participação popular e acaba por
evidenciar os distintos interesses de classe. Força ainda, o debate público,
traz os movimentos organizados para o cenário e obriga uma disputa constante
pela sociedade.
Foi esse poder real que ajudou a eleger o primeiro operário
presidente, a primeira mulher presidenta e o primeiro prefeito negro de Poços
de Caldas.
A realidade conservadora e suas regras, inegavelmente nos
impõem adequações, muitas vezes atrasando o programa de avanços sociais; outras
vezes obriga mudanças táticas, forçando adequações que deveriam ser momentâneas.
O incômodo é quando a adequação, que deveria ser pontual,
converte-se em regra. É uma certa “banalização da adequação”, uma
governabilidade elevada à divindade, que cumpriu nos último anos, muito bem
diga-se de passagem, o papel de substituir o poder real, autêntico, com base
popular, unicamente pelo poder formal, baseado nas regras vigentes, vazio de
povo.
A trelado à essa substituição vieram a reboque os arranjos
escusos, as redes de troca de favores e influências, a confusão entre o público
e o privado e uma relativização assustadora dos princípios que nos regeram
outrora; não há uma “guerra santa” em voga. A luta de classes é evidente, mas
não dicotomicamente resumida a governo e oposição como seria mais fácil tentar
aceitar. Numa sociedade globalizada, sob influência de uma mídia conservadora e
sempre sob pressão das disputas geopolíticas, uma miríade de variáveis nos
impede a imprecisão da ramificação binária.
O poder real, popular, atrelado ao formal, das estruturas
dominantes, permitiu ao país um governo que aumentou o salário mínimo em 70%,
propiciou ensino superior e moradia ao povo, ampliou investimentos em saúde e
educação, retomou o planejamento e o combate à defasagem estrutural, enfrentou
a fome e a miséria distribuindo renda e gerando emprego, estabeleceu uma
política externa soberana e respeitável.
A chamada “revolução democrática” é a maior transformação
da história do Brasil. E queremos mais. Revoluções não param. E não há pecado
em querer mais, ao menos para os que não compreendem os partidos e governos
como profissão de fé. Não os são. Fujamos de axiomas. Há ainda estruturas a
modificar, há desigualdades a combater, há um sistema a destruir, relações
produtivas a superar. Transformações que só virão com base popular,
participação consciente, viva.
É um sentimento de muitos, uma gana por mais. Uns veem como
crítica pela crítica. Outros como oportunismo. Outros tripudiam os
“cricris” com a alcunha de “esquerda rivotril”.
Talvez precisemos mesmo de rivotril: contra a ansiedade
frente à inércia do poder formal; contra a depressão de saber que tanto mais
pode ser feito, mas que depende da decisão de ir além de onde estamos; decisão
que a maioria de nossos representantes formais não parece estar propensa a tomar.
A história não para, a luta de classes também não. Tarso
Genro afirmou que “ou nos renovamos, ou morremos”, nos mediocrizamos de vez
como disse Boff. Trabalho para que caminhemos pela primeira opção, da
renovação, para que não fique apenas no campo das possibilidades nosso
potencial de vanguarda do período popular da história.
Tiago Mafra é professor de Geografia da rede municipal de
ensino de Poços de Caldas e membro do pré-vestibular comunitário Educafro.