segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Precisamos dos dois poderes

Por Tiago Mafra

Quais os limites das transformações sociais possíveis dentro de um modelo democrático atrelado ao modo de produção capitalista? Sem dúvida alguma o Brasil consolidou-se como uma prova cabal de que há uma grande margem de atuação na busca pela redução das desigualdades, agindo dentro da ordem vigente.

Nesse cenário, um dos diversos fatores que fixa a profundidade das transformações operadas é o PODER. Digo aqui não o poder institucional, mas aquele capaz de congregar os interesses dos diversos atores sociais, em especial os movimentos populares, que dão o poder real para além de nomeações, cargos ou instituições.

O poder pautado na base real, popular, com pé no mesmo chão em que pisa o trabalhador, coloca em marcha a participação popular e acaba por evidenciar os distintos interesses de classe. Força ainda, o debate público, traz os movimentos organizados para o cenário e obriga uma disputa constante pela sociedade.

Foi esse poder real que ajudou a eleger o primeiro operário presidente, a primeira mulher presidenta e o primeiro prefeito negro de Poços de Caldas.

A realidade conservadora e suas regras, inegavelmente nos impõem adequações, muitas vezes atrasando o programa de avanços sociais; outras vezes obriga mudanças táticas, forçando adequações que deveriam ser momentâneas.

O incômodo é quando a adequação, que deveria ser pontual, converte-se em regra. É uma certa “banalização da adequação”, uma governabilidade elevada à divindade, que cumpriu nos último anos, muito bem diga-se de passagem, o papel de substituir o poder real, autêntico, com base popular, unicamente pelo poder formal, baseado nas regras vigentes, vazio de povo.

A trelado à essa substituição vieram a reboque os arranjos escusos, as redes de troca de favores e influências, a confusão entre o público e o privado e uma relativização assustadora dos princípios que nos regeram outrora; não há uma “guerra santa” em voga. A luta de classes é evidente, mas não dicotomicamente resumida a governo e oposição como seria mais fácil tentar aceitar. Numa sociedade globalizada, sob influência de uma mídia conservadora e sempre sob pressão das disputas geopolíticas, uma miríade de variáveis nos impede a imprecisão da ramificação binária.

O poder real, popular, atrelado ao formal, das estruturas dominantes, permitiu ao país um governo que aumentou o salário mínimo em 70%, propiciou ensino superior e moradia ao povo, ampliou investimentos em saúde e educação, retomou o planejamento e o combate à defasagem estrutural, enfrentou a fome e a miséria distribuindo renda e gerando emprego, estabeleceu uma política externa soberana e respeitável.

A chamada “revolução democrática” é a maior transformação da história do Brasil. E queremos mais. Revoluções não param. E não há pecado em querer mais, ao menos para os que não compreendem os partidos e governos como profissão de fé. Não os são. Fujamos de axiomas. Há ainda estruturas a modificar, há desigualdades a combater, há um sistema a destruir, relações produtivas a superar. Transformações que só virão com base popular, participação consciente, viva.

É um sentimento de muitos, uma gana por mais. Uns veem como crítica pela crítica. Outros como oportunismo.  Outros tripudiam os “cricris” com a alcunha de “esquerda rivotril”.

Talvez precisemos mesmo de rivotril: contra a ansiedade frente à inércia do poder formal; contra a depressão de saber que tanto mais pode ser feito, mas que depende da decisão de ir além de onde estamos; decisão que a maioria de nossos representantes formais não parece estar propensa a tomar.

A história não para, a luta de classes também não. Tarso Genro afirmou que “ou nos renovamos, ou morremos”, nos mediocrizamos de vez como disse Boff. Trabalho para que caminhemos pela primeira opção, da renovação, para que não fique apenas no campo das possibilidades nosso potencial de vanguarda do período popular da história.

Tiago Mafra é professor de Geografia da rede municipal de ensino de Poços de Caldas e membro do pré-vestibular comunitário Educafro.


sábado, 22 de agosto de 2015

À noite todos os gatos são pardos

Uma rápida passeada pelas redes sociais e logo noto que muitos daqueles que até anteontem julgavam como tresloucadas as ações da Operação Lava Jato, agora estão eufóricos e se regozijando com as denúncias contra Eduardo Cunha.

Todavia, essas denúncias foram feitas pela mesmíssima Operação Lava Jato tão demonizada por aqueles que consideram injustas e perseguição política, talvez até parte de um golpe, as denúncias e a subsequente prisão, por exemplo,  do ex-ministro José Dirceu e do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores João Vaccari Neto. 

Oras, os mesmos que reclamam da seletividade da mídia oligopolizada quando esta trata dos famosos, e já quase enfadonhos,  escândalos de corrupção  – e nisso têm toda a razão – por parecerem  ser sempre culpa de um único partido,  no caso o PT, e omitem casos semelhantes ocorridos nas fileiras do PSDB,  são os mesmos que agora utilizam do subterfúgio da seletividade para julgar quem meteu e quem não meteu a mão na cumbuca da Petrobras.

Esquecem-se eles que se  o desprezível  Eduardo Cunha foi um dos muitos a se beneficiar de dinheiro retirado da Petrobras – uma estatal e, portanto, detentora de recursos públicos – isso ocorreu segundo as denúncias do procurador-geral da República em período recente,  período em que o PT já estava a frente do governo federal.

Pré-julgar Eduardo Cunha – de longe o pior presidente que um dos poderes da República teve desde a redemocratização e porta-voz  do que há de mais conservador e muitas vezes reacionário em nossa sociedade – se esquecendo que no fundo ele faz parte do mesmo esquema de corrupção que encharcou muitos “companheiros” é duma hipocrisia tosca que nem se dá ao trabalho de ser minimamente sofisticada. 

Pré-julgar Eduardo Cunha –  um sujeito que não merece respeito algum por quem baseia a vida em valores éticos e enxerga a Democracia como um bem a ser defendido todos os dias – se esquecendo que ele “apenas” soube  se aproveitar das benesses que a Petrobras dava aos políticos “aliados”, é querer tapar o astro-rei com a peneira enquanto chama todos os  brasileiros de idiotas.

Na mesma lama que chafurda Eduardo Cunha, também estão Fernando Collor – será que o ex-presidente é merecedor da solidariedade dos novos “companheiros”? –  José Dirceu,  João Vaccari Neto e muitos outros considerados pelos neopetistas e petistas chapa-branca  heróis do povo brasileiro.

É fato que a Operação Lava Jato tem tido arroubos e excessos em quantidade preocupante e igualmente é fato que um juiz de primeira instância tem se portado como celebridade enquanto veste a capa de paladino da Justiça. Porém, não podemos jogar fora o bebê junto com a água do banho.  Os  efeitos que a Lava Jato pode  ter ao desvendar uma teia de corrupção que até então nos parecia invisível, ainda não são mensuráveis.

Quanto aos neopetistas e  petistas chapa-branca, no fundo dá até pra entender sua seletividade, afinal,  costumam pensar com o estômago e não com a cabeça.