Por Ana Paula Ferreira
A escola enquanto instituição social não se isola
territorialmente. Além de possuir janelas e portas com possibilidade de
receberem novos ares, compreende também pessoas que transitam em seu ambiente e
que carregam em si a marca da onde vieram, da onde falam, da onde pensam.
Devido a essa condição de pertencimento à sociedade, a
escola cumpre o papel que lhe é exigido por leis, parâmetros, referencial
curricular. Isso é uma forma de se organizar politicamente a escola,
minimizando as contradições regionais, sociais, econômicas, em busca de
coordenadas gerais no qual a escola se torne um espaço propulsor nas discussões
das demandas de uma nação. O sociólogo Florestan Fernandes já sinaliza essa
importância da instituição escolar, associada a um plano social, que na visão
desse teórico ela deveria atingir altos patamares de racionalização através das
disciplinas curriculares e ainda uma consciência cívica de modo que a população
pudesse participar cada vez mais das decisões políticas. Como disse uma vez em
entrevista "Um povo educado
não aceitaria as condições de miséria e desemprego como as que temos".
O
problema é que na atual conjuntura de um Estado que segue ditames do
capitalismo, das leis do mercado, a escola é vista como espaço pragmático e
utilitarista, devendo formar quadros de trabalhadores. O espaço escolar é invadido por esse paradigma
e esse é um reflexo nefasto porque lhe retira a condição da própria origem da
palavra “escola”, que em grego quer dizer “lugar do ócio”, no sentido de ocupar
o tempo livre com criatividade, discussão de temas e assuntos, estudo e se
contraporia a ideia de ‘negócio’, que etimologicamente quer dizer negar o ócio.
Não
é a toa que a escola imita a fábrica com seus apitos (opa, sinais), com seus
muros altos, com a compartimentação de salas de aula e profissionais (professores)
especialistas que pouco dialogam com as outras áreas. Aula no pátio é coisa
rara (a não ser pelo professor de Educação Física), aula com projetos é visto
como ineficiente, afinal não trabalha as perguntas e respostas da Prova Brasil,
aula com jogos é ainda associada a “passar o tempo”.
O
ruim é que talvez por desconhecimento, talvez por ser mais cômodo, toda escola
tem seu grau de autonomia curricular legitimado por lei e que raramente é
utilizado consoante ao Projeto Político Pedagógico. Refiro-me ao artigo 26 da
Lei de Diretrizes e Bases (LDB9394/96) que garante a cada estabelecimento de
ensino sua estruturação curricular assentada na discussão com a comunidade
escolar.
Assim,
há um programa curricular nacional, o hegemônico, o que estimula em linhas
gerais o que é necessário que todos aprendam. Entretanto, é também possível que
cada escola faça seu próprio currículo, partindo do senso comum da localidade,
dos saberes populares, da história e do conhecimento microrregional e
dialogando com o mundo, com a sociedade, através de uma participação com os
profissionais da educação, alunos e familiares.
Quando
digo profissionais da educação estão subtendidos não somente os professores e a
direção, mas inclusive as merendeiras, cuidadores, pessoal da secretaria e da
limpeza, lembrando que todos em suas atividades acabam por educar e possuem um
público que é específico e precisam, portanto de participar do plano da escola.
Em relação aos familiares, é sabido que a criação de uma participação cada vez
mais profunda com a comunidade é um desafio para boa parte das instituições
escolares, mas é um dever democrático buscar essa inserção dos responsáveis
diretos pelos alunos nos debates e nas definições do currículo escolar.
Dessa
forma, a escola usará suas portas e janelas para entrar não somente leis e
pessoas, mas ideias, conhecimento de mundo e romperá aos poucos com a ordem
capitalista que se instala na linha de produção escolar quando esta adota o
mesmo currículo pasteurizado que outras escolas de realidades diferentes.
Amparada na sua terra e nas suas pessoas, a escola pode pensar sua estrutura,
sua filosofia, seu currículo, concatenado com seu projeto político pedagógico.
Quem
sabe assim a escola deixe de ser apenas um espaço dentro da comunidade para ser
um espaço de pertencimento, aliando conhecimento popular com conhecimento
científico, preocupação com o saber e com uma ação social, teoria e prática,
global e local.
Ana Paula Ferreira é Pedagoga
e mestranda em Educação pela UNIFAL.
Sugestão de leitura:
A construção do
projeto político-pedagógico na escola de
Antônio Betinil. Revista Educação, v. 01, n. 3, jan./dez. 2005.
Planejamento
participativo na escola. O que é e como se faz Maristela Gemerasca e Danilo
Gandin. Edições Loyola, 2002.
Um comentário:
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