terça-feira, 30 de setembro de 2008

Reflexões, inflexões e esperança

A história tem sua própria dinâmica, continua, ininterrupta. Por vezes parece andar de modo mais lento, outras a passos mais largos e velozes. É também a soma de todos os acontecimentos do nosso pequeno cotidiano. Decretar o fim do capitalismo, do socialismo ou da própria historia é tão insano quanto irracional e inverídico. Fukuyama sabe bem disso.

Lênin teria dito a seus camaradas bolcheviques após a revolução menchevique em março de 1917, que àquela geração passaria, bem como a de seus filhos até haver outra revolução na Rússia. Todavia em outubro do mesmo ano os bolcheviques liderados por Lênin e Trotsky tomavam o poder. E os críticos podem dizer tudo de Lênin, menos que ele não entendesse de história.

O capitalismo mostrou-se ao longo do tempo duma capacidade de superação formidável que nem Marx ou filósofos e pensadores liberais como Adam Smith, Stuart Mill ou David Ricardo – para ficarmos nos mais conhecidos –, poderiam imaginar. No entanto o capitalismo vive de “crises”. Ele necessita dessas tanto quanto de proletários, da concentração de renda, do exército de mão-de-obra ou o vampiro necessita de vítimas para sugar-lhes o sangue. Essas crises ao contrário do que dizem os pregadores da cartilha neoliberal não são conjunturais ou para os durkheiminianos de plantão, não são axiomas ou sinal de doença e sim parte da estrutura perversa do sistema. Por esse motivo são cíclicas, são estruturais.

Não foi apenas a crash da Bolsa de Nova York em 1928 o responsável pela Europa e o mundo correrem rumo ao fascinante fascismo de respostas rápidas. Muito antes a Europa era literalmente terra arrasada por uma guerra imperialista que opôs proletários de várias nações. A Europa devastada e amedrontada com o perigo “vermelho” proveniente de Moscou foi o primeiro motivo para as elites locais optarem por Mussolini, Hitler e congêneres no totalitarismo. Enquanto isso os trabalhadores iludidos pela eficiente propaganda demagoga do fascismo morriam de fome e miséria.

Hoje o totalitarismo se apresenta travestido cinicamente de democracia e liberdade de expressão. Democracia dentro dos limites do representativismo ineficiente, corrompido e distante da população, e que ainda assim não passa do portão para dentro da fábrica. Democracia expressa na capitulação das forças sociais a onipresença do “deus mercado”. Democracia desde que o status quo seja mantido inalterado. A liberdade de expressão se resume à liberdade dos grandes oligopólios de comunicação defenderem os interesses de seus donos e vincular peças publicitárias com intuito único de atingir um nicho de consumidores para depois reproduzi-los.

É essa a democracia na qual vivemos confinados. Na verdade a democracia dos dias atuais se prece mais com uma peça publicitária de um mundo melhor que nunca chega. Ou com outra peça, essa teatral do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, O Inimigo do Povo. Nessa peça os que ousam pensar, expor seu pensamento e questionar, são degradados e fadados a viverem isolados do resto da sociedade por tratarem-se de lunáticos perigosos.

O totalitarismo está no nosso cotidiano e nem nos damos conta dele. Eu como, bebo, fumo, ouço, visto, leio... enfim consumo aquilo que a industria de massa quer. Sou alienado quando me conformo com a situação de pobreza dos excluídos e acho natural a divisão de classes pois essa história de luta entre elas é conversa pra boi dormir, no mais o importante hoje é defender o meio-ambiente e dar um prato de comida a quem passa fome. Não tomo conhecimento duma celebre frase de Rousseau: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, disse: Isto me pertence foi o real fundador da sociedade civil. Quantos crimes e horrores teria poupado, quem tivesse gritado: Evitai ouvir esse impostor; porque os frutos são de todos e a terra de ninguém.”

Engano-me e me iludo pensando que um dia...há um dia!!! todos encontraremos o Éden na terra através do “homem cosmopolita” de Kant.

Não percebo que Morales e Chavez fizeram respectivamente por Bolívia e Venezuela em poucos anos o que ninguém fez em cinco séculos. Não percebo que em Cuba os valores são distintos dos nossos. Enquanto me mato de trabalhar para pagar as prestações do meu carro, da minha casa, da minha tv de LCD, do meu celular, etc e tal, lá na pequena ilha do Caribe eles lutam dia e noite pela dignidade e hombridade. Lutam pelo bem coletivo para alcançar o bem individual.

E nós? Lutamos pelo o quê exatamente? Somos individualistas e não lutamos nem por nós mesmos.

Algum imbecilóide disse certa feita, e outros repetiram, que ser comunista é bom desde que haja um rico para sustentá-lo. O que vemos nesses dias é que o liberalismo econômico só é bom se tiver um estado a lhe garantir em caso de infortúnios e portanto o estado não pode ser tão mínimo quanto Reagan e Tatcher pregavam. Vemos a adoção do “socialismo” para os ricos e o mais puro liberalismo econômico para os pobres.


O pseudogoverno ianque do cawboy Bush “privatiza o lucro e socializa as perdas” –parafraseando Celso Furtado – dos gananciosos banqueiros estadunidenses por conta da crise dos subprimes, tentando entregar-lhes a bagatela, imensurável para nós pobres mortais, de “700 bilhões de dólares”. Essa pressa de Bush contrasta com a atitude do próprio diante dos flagelados de Nova Orleans quando da passagem do furacão Katrina. Pois afinal de contas quem necessitava de ajuda naquela intempérie eram em sua maioria negros e pobres moradores das periferias.

Não deixa de ser didático o fato do mesmo pseudogoverno estadunidense – o verdadeiro governo como é do conhecimento de todos está nas mãos das grandes corporações – pregou e conseguiu aprovar no congresso menos impostos para a parcela mais rica da população enquanto ela enchia as burras de dinheiro. Agora quer retirar dinheiro do contribuinte para salvar a burguesia.

Mesmo vendo a desmoralização do neoliberalismo infelizmente penso não ser a crise dos subprimes o epílogo do capitalismo. Mas como Lênin após a revolução menchevique, torço para estar equivocado.

Um comentário:

Blog do Morani disse...

Em 02/10/08 – Morani comenta

A respeito desse seu último comentário, o amigo dissecou bem, muito bem, a dinâmica da história – igual a um dissector que investiga os males de órgãos de um corpo – em suas marchas e contramarchas, quando diz ser “a soma de todos os acontecimentos do nosso pequeno cotidiano”.

Cosmo significa “a ordem do universo”; o caos é o seu antípoda cosmológico. Quando o amigo “dissecou” a sua mente encontrando a afirmação acima mencionada (aspada por mim), veio de encontro a uma verdade maior que teve seu começo nos primórdios da existência humana na Terra; e em termos cosmológicos essa história cabe, toda ela, no espaço de um quadrilátero de poucos centímetros! Nessa hipótese, calculada por um geômetra, físico, matemático e astrônomo que viveu em Alexandria há 2.500 anos a.C., a revolução menchevique em março de 19l7, com a posterior tomada do poder pelos bolcheviques liderados por Lênin e Trotsky, estão inseridas num espaço diminuto – imperceptível até mesmo à maior lente telescópica –, mas estão lá! Esses dois movimentos de cunho político-social poderiam ser revividos com nova revolução se o nosso tempo tivesse um ou mais ídolos com notáveis e notórias forças capazes de movimentar a massa humana, no dizer do sociólogo francês Alain Touraine. O seu terceiro parágrafo está todo ele eivado de total acerto.
Agora, a corrida das elites, pós Primeira Grande Guerra, em direção aos “ídolos” Mussolini e Hitler, deveu-se em grande parte ao Tratado de Versalhes. A figura Hitler foi gestada, sem pressa, na sopa do ódio causado nas barreiras impostas pelas nações vencedoras à Alemanha do Kaiser. E Moscou ainda não tinha outro “ídolo” – Stalin! Mais uma vez você acertou: não foi apenas a quebradeira da Bolsa de Nova York a responsável pela corrida “rumo ao fascinante fascismo de respostas rápidas”. DEMOCRACIA! Vem de há muito minha aversão pela democracia! Esse seu parágrafo vem cimentar a minha convicção de que ela sempre encobriu o totalitarismo “travestido cinicamente de democracia e liberdade de expressão”. Das duas comparações sobre “ela” preferi a segunda à primeira – uma peça do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, embora a primeira possa ser inserida como parte doentia do sistema capitalista-totalitarista – uma ópera bufa, com péssimos atores, na qual se mostra a “privatização ao lucro e a socialização às perdas”. Eis, em resumo, a DEMONOCRACIA de meu avô Bapum – filósofo doméstico de muita sapiência. Quanto ao “homem cosmopolita” de Kant, não creio ser possível tal sonho pelo egotismo dos sistemas que nos apertam quais tentáculos de aço. Somos presas fáceis, até que surjam aqueles “ídolos” dispostos a pegar em armas numa revolução final e definitiva contras as forças que nos jungem!