sexta-feira, 5 de novembro de 2010

E a esperança vence o medo. De novo!!!

Apenas hoje me animei a escrever algo sobre a vitória de Dilma Rousseff. Estava cansado, enfadado mesmo, após aquilo que talvez que tenha sido a campanha mais longa de nossa história política.

Mais cedo conversando com a antropóloga Maria José de Souza, a Tita, falávamos sobre a importância simbólica da vitória de uma mulher, divorciada, ex-guerrilheira, pouco (ou nada) carismática, com fama de arrogante e representando um partido de esquerda. Algo muito simbólico para uma sociedade machista e latentemente conservadora. Some a isto a fato de ela suceder um governo liderado por um ex-metalurgico, nordestino retirante e que não fala inglês. É muito para o Brasil.

No domingo à noite enquanto comemorávamos mais uma vitória da esperança contra o medo, confessei a um amigo companheiro de lutas populares que três vitórias seguidas do Partido dos Trabalhadores no plano nacional era algo impensável há vinte e um anos atrás, quando eu com 14 anos de idade vi Lula ser derrotado por Collor na segunda campanha mais sórdida de nossa história republicana – a primeira, obviamente, foi essa de 2010.

Mas por que Dilma venceu? Ou, por que o Brasil mudou?

A resposta da segunda pergunta já responde à primeira. O Brasil mudou porque desde 1989 nossa sociedade experimenta um fenômeno no qual relevantes transformações, de forma ou outra, foram rapidamente assimiladas pela camada mais baixa. O país vive desde a eleição de Collor um período ímpar. Um período onde a democracia formal se fortaleceu a ponto de nos dar o alicerce a fim de aprofundar a democracia. Hoje somos obrigados a reconhecer a oportunidade, e também a responsabilidade, que temos de avançar rumo a uma democracia que deixa de ser meramente “formal” para ser aquilo que C. B. Mcpherson – dentre outros pensadores alinhados a esquerda anglo-saxônica – chama de democracia “substancial”. A democracia cujos poderes transpassam a esfera das instituições estatais e torna a sociedade civil organizada sua co-protagonista.

Bom, mas ainda não respondi o porquê desse fenômeno. O porquê é justamente o reconhecimento, por parte do grupo que governa o país desde 2003, da enorme desigualdade social sentida na carne por nós brasileiros – a ponto de Eric Hobsbawm ter nos alcunhado de “monumento” à desigualdade social – e a imediata implantação de políticas públicas capazes de reduzir essa desigualdade.

Em suma, o Estado passou a se fazer presente onde antes era omisso. E de certa forma de maneira eficaz – o mesmo “eficaz” que é tão caro a pensadores liberais como John Rawls ou seu discípulo brasileiro Bresser Pereira – e contínua.

Miro no exemplo da cidade onde moro há 13 anos. Poços de Caldas. Uma cidade conservadora e tradicionalista. Aqui José Serra venceu em ambos os turnos. Porém na região mais afastada e onde a presença do Estado se faz mais urgente, a Zona Sul, foi Dilma quem obteve êxito nos dois turnos. Coisa semelhante ocorreu em quase todos os municípios médios ou grandes do país onde Serra superou Dilma.

Não é à toa que nesta campanha presidencial vimos Dilma sobrepujar Serra nas periferias e Serra sobrepujar Dilma nos centros. A velha e démodé luta de classes se mostrou rediviva sob o slogan de “pobres contra ricos” e por mais que teimamos em sepultar Karl Marx, suas teses e conceitos voltam a nos assombrar. Talvez porque Marx nunca tenha morrido de fato como a direita sempre pregou.

São sintomas desse processo de transformação pelo qual a sociedade brasileira passa, por um lado, a redução da desigualdade social e o reconhecimento dos direitos positivos dos mais diversos movimentos sociais, e, por outro lado, o recrudescimento de um discurso conservador flertando constantemente com o fascismo. Exemplo desse recrudescimento é o soberbo ataque carregado de preconceito aos nordestinos ou o ódio destilado a Dilma, a Lula e ao PT pelo fato de o ProUni atender essencial e prioritariamente as camadas mais baixas –fato presenciado por mim na escola pública onde leciono.

Obviamente não acredito ser essa presença eficaz e contínua do Estado o meio final para de fato desenvolvermos uma democracia substancial, no entanto a mesma não tem condições de se desenvolver por si só. Além do mais realismo e um pouco de pragmatismo são fatores que se impõe dada a conjuntura atual e ao próprio dinamismo do sistema, uma vez que não se propõe uma ruptura, mas sim um processo de conquista ampla e legitima, e, espero eu, aprofundado permanentemente.

Por fim, não é que só agora esteja havendo uma divisão na sociedade brasileira entre ricos e pobres. Pelo contrário. Essa divisão sempre existiu. A diferença é que “nunca antes na história desse país” ela foi constatada e atacada pelo conjunto organizado de instituições políticas, jurídicas, administrativas e econômicas, ou seja, pelo próprio Estado burguês.

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