terça-feira, 29 de março de 2011

ONU: dois pesos, duas medidas

A Líbia foi o primeiro país em toda a história do Conselho de Direitos Humanos da ONU a ser suspenso de suas atividades por violação dos direitos humanos. Seria a Líbia o primeiro Estado a ocupar uma cadeira no Conselho a violar aqueles direitos? O que dizer das prisões norte-americanas em Guantânamo e da expulsão dos ciganos na França, para citar só dois exemplos?

O Conselho de Segurança da ONU adotou, em 17 de março, uma resolução autorizando ataques aéreos contra as forças de Muamar Khadafi. A resolução foi adotada com dez votos a favor e cinco abstenções. Abstiveram-se todos os países do BRIC – Brasil, Rússia, Índia, China, e mais a Alemanha. Rússia e China, portanto, não fizeram uso de seu direito de veto. Os BRIC articularam-se com base na condenação do uso da força nas relações internacionais e na busca do diálogo.

Ao contrário da expectativa de alguns círculos, a abstenção brasileira significou, no mínimo, que não haverá uma ruptura total com os rumos da política externa antecessora, nem mesmo diante da visita de Obama ao Brasil. A liderança de Dilma Roussef não penderá para o alinhamento automático com os EUA. Como bem salientou Luiz Aberto Moniz Bandeira, a defesa dos interesses nacionais brasileiros não significa, absolutamente, antiamericanismo. A opção brasileira de se abster demonstra maturidade e, sobretudo, coerência.

A resolução contra a Líbia só pôde ser adotada quando os EUA tornaram possível seu não envolvimento direito, delegando a execução das operações militares à França e ao Reino Unido, com o apoio da Liga Árabe, e com base em uma resolução do Conselho de Segurança, precavendo-se assim de reviver a situação ocorrida no Iraque.

A Líbia integrará, portanto, a lista de antigos aliados ocidentais que se tornaram alvos militares por “violação dos direitos humanos”, junto com o Panamá de Manuel Noriega, o Iraque de Saddam Husseim e o Afeganistão do Talibã. De “cachorro louco”, Khadafi passou a amigo do Ocidente quando reconheceu, em 2003, sua responsabilidade no atentado contra o avião da PanAm que explodiu sobre a cidade de Lockerbie, em 1988, deixando 270 mortos, e desistiu de seu projeto de desenvolver armas nucleares. Em 2006, os EUA anunciaram a retirada da Líbia da lista de países terroristas e puseram fim ao seu isolamento internacional, viabilizando contratos milionários na área energética, inclusive com outros importantes países membros da OTAN.

Um dos maiores crimes contra os direitos humanos do século XX, entretanto, ocorreu sob os olhos indiferentes da comunidade internacional, sem que a ONU adotasse quaisquer medidas. Em 1994 a Ruanda, país sem qualquer importância estratégica cravado no coração da África, foi palco de um genocídio perpetrado durante 100 dias por radicais hutus contra tutsis e hutus moderados, resultando na morte de cerca de um milhão de pessoas. Os principais acusados pela indiferença são os mesmos que aprovaram a resolução do Conselho de Segurança contra a Líbia, ou seja, EUA, França e Grã-Bretanha, além da Bélgica.

O Bahrein, por sua vez, está sendo palco dos mais graves protestos da maioria xiita contra a elite sunita desde a década de noventa, que pede o fim da monarquia e a garantia das liberdades democráticas. Nesse caso, não se aventou a possibilidade de discutir a situação no âmbito das ONU, apesar da ocupação do país por tropas da vizinha Árabia Saudita e dos Emirados Árabes. O detalhe que faz a diferença, é que o microestado abriga a V Frota dos EUA responsável por vigiar o petróleo no Golfo Pérsico. A situação no Iêmen, da mesma forma, não mereceu atenção ocidental. A política externa de Barack Obama, portanto, coincide na essência com aquela de George Bush.

Coincidência ou não, a conduta da ONU também difere diante de situações similares, e a lei internacional é aplicada com mais ou menos rigor de acordo com a conveniência. Dois pesos, duas medidas.


Larissa Ramina é Doutora em Direito Internacional pela USP e Professora da UniBrasil e da UniCuritiba.

domingo, 27 de março de 2011

quarta-feira, 23 de março de 2011

Adeus Liz Taylor

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Para um admirador do cinema clássico a morte de Elizabeth Taylor traz consigo a inevitável comparação com o cinema atual, onde os efeitos especiais são os protagonistas das tramas (se é que ainda há tramas) e a sétima arte, com raríssimas exceções, prefere deixar de lado a reflexão e o ativismo social e político que tivera antes.

Tenho em minha estante “O Espectador Noturno”, livro de Jerôme Prieur onde o francês narra as primeiras impressões que grandes nomes da literatura mundial tiveram no primeiro contato com a Sétima Arte. Hoje essas impressões, com certeza, seriam mais impactantes sob o ponto de vista da “adrenalina” e menos sob o ponto de vista da emoção e do afloramento de sentimentos líricos. É justamente isso que Liz Taylor representou: o sentimento lírico na arte de interpretar diante das câmeras.

De qualquer modo morreu a cidadã Elizabeth Taylor, assim como já morreram atores e atrizes com os quais dividiu a telona (Spencer Tracy, Montgomery Clift, Paul Newman, James Dean, Rocky Hudson, Deborah Kerr, Katherine Hepburn, Eva Marie Saint, Donna Reed), além claro de grandes diretores (Vincent Minnelli, George Stevens, Richard Brooks), símbolos de uma época que não existe mais.

Meus filmes preferidos de Liz Taylor:

Father of the Bride (1950) - direção Vincent Minnelli
Father's Little Dividend (1951) – direção Vincent Minnelli
A Place in the Sun (1951) – direção George Stevens
Cat on a Hot Tin Roof (1958) – direção Richard Brooks
Who's Afraid of Virginia Woolf? (1966) – direção Mike Nichols

terça-feira, 22 de março de 2011

Líbia: hipocrisia, dupla moral, dois pesos e duas medidas

Por Max Altman, via Carta Maior

O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a resolução que autoriza a imposição de uma zona de exclusão aérea em território líbio, salvo os vôos de natureza humanitária e inclui “todas as medidas que sejam necessárias ”para a proteção da população civil, excluindo, porém, a ocupação militar de qualquer porção da Líbia. Além disso, endurece o embargo de armas à Líbia e reforça as sanções impostas no mês passado a Kadafi e seu círculo mais próximo de colaboradores.

Paris e Londres encabeçaram a arremetida contra a Líbia numa corrida contra o relógio a fim de que a ONU se pronunciasse antes que o último reduto rebelde, Bengazi, fosse recuperado pelas forças leais a Kadafi. O documento recebeu a aprovação de 10 países – Grã Bretanha, França, Estados Unidos, Líbano, Colômbia, Nigéria, Portugal, Bósnia e Herzegovina, África do Sul e Gabão -, nenhum voto contra e cinco abstenções – Brasil, Rússia, China, Índia e Alemanha. A Rússia exigiu a inclusão de um cessar-fogo imediato, medida atendida por Trípoli, e a China insistiu numa solução pacífica da crise, ao reiterar suas sérias reservas quanto à zona de exclusão aérea, ao mesmo tempo em que rechaçava o uso da força nas relações internacionais. Estranhamente, Moscou e Pequim, que detêm poder de veto, não o utilizaram para barrar aspectos da resolução com os quais não concordavam.

Diferentemente da Tunísia e do Egito, quando massas de centenas de milhares, desarmadas, saíram às ruas erguendo as bandeiras de pão, emprego, justiça social, progresso, liberdade e democracia, derrubando por força de seus protestos e pressão os ditadores apoiados pelas potências ocidentais, Ben Ali e Mubarak, na Líbia facções armadas com armamento blindado, artilharia antiaérea, armas individuais modernas e até alguma força aérea ocuparam o leste do país e algumas cidades do oeste determinadas a tomar Trípoli e acabar com o ditador Muamar Kadafi.

Estabeleceu-se com isto uma franca guerra civil. Quando, no curso dos combates, as tropas fieis a Kadafi avançaram sobre os bastiões rebeldes, o chamado Conselho Nacional Líbio de Transição passou a reclamar com insistência o apoio do Ocidente em armas e logística e a exclusão aérea. Ou bem os oposicionistas contavam desde o início com o respaldo dos países hegemônicos e estes estavam roendo a corda ou calcularam mal a capacidade de resistência de Kadafi e o apoio de grande parte da população líbia com que conta. A verdade é que a insurgência armada no leste da Libia é apoiada diretamente por potências estrangeiras. A insurreição em Bengasi ergueu imediatamente a bandeira vermelha, negra e verde com a meia lua e a estrela, a bandeira da monarquía do rei Idris, que simbolizava o domínio dos antigos poderes coloniais.

A imensa campanha de distorções, omissões e mentiras desencadeada pelos meios maciços de comunicação abriu espaço para uma enorme confusão no seio da opinião pública mundial. Levará tempo antes que se possa estabelecer a verdade do que ocorreu na Líbia e distinguir os fatos reais das falsidades publicadas. Alguns fatos concretos, porém, merecem atenção.

A Líbia ocupa o primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da África e tem a mais alta esperança de vida do continente. A educação e a saúde recebem especial atenção do Estado. O PIB per capita é de 13,8 mil dólares, o crescimento em 2010 foi de 10,6%, a inflação de 4,5%, a pobreza de 7,4% e a colocação no IDH é 53º (Brasil é 73º) todos esses índices melhores que o do nosso país. Seus problemas são de outra natureza. De alimentos e serviços sociais básicos o país não carecia. Nação de pequena população – 6,5 milhões de habitantes - necessitava de força de trabalho estrangeira em boa proporção para levar a termo ambiciosos planos de produção e desenvolvimento social. Milhares de trabalhadores chineses, egípcios tunisianos, sudaneses e de outras nacionalidades labutam em solo líbio. Dispunha de vultosos ingressos, provenientes da venda de petróleo de alta qualidade, e de grandes reservas em divisas depositadas em bancos das potências européias e Estados Unidos, e com isso podiam adquirir bens de consumo e até armamento sofisticado, fornecido exatamente pelos mesmos países que hoje planejam invadi-lo em nome dos direitos humanos.

O tirano, que durante quase três décadas foi considerado o “cachorro louco”, o “inimigo número um” do Ocidente para logo converter-se no vistoso aliado de seus inimigos de agora, voltou ao seu estatuto original. Ao se aproximar das potências ocidentais, Kadafi cumpriu rigorosamente suas promessas de desarmamento e ambições nucleares. Com isso, a partir de outubro de 2002, iniciou-se uma maratona de visitas a Trípoli: Berlusconi, em outubro de 2002; Aznar, em setembro de 2003; Berlusconi de novo em fevereiro, agosto e outubro de 2004; Blair, em março de 2004; Schröeder, em outubro de 2004; Chirac, em novembro de 2004.

Todos exultantes, garantindo o recebimento de petróleo e a exportação de bens e serviços. Kadafi, de seu lado, percorreu triunfante a Europa. Recebido em Bruxelas em abril de 2004 por Prodi, presidente da União Europeia; em agosto de 2004 convidou Bush a visitar seu país; Exxon Mobil, Chevron Texaco e Conoco Philips realizavam os últimos acertos para exploração do óleo por meio de ‘joint ventures’. Em maio de 2006, os Estados Unidos anunciaram a retirada da Líbia dos países terroristas e o estabelecimento de relações diplomáticas. Em 2006 e 2007, a França e os Estados Unidos subscreveram acordos de cooperação nuclear para fins pacíficos; em maio de 2007, Blair voltou a visitar Kadafi. A British Petroleum assinou um contrato "extremamente importante" para a exploração de jazidas de gás. Em dezembro de 2007, Kadafi empreendeu duas visitas a França e firmou contratos de equipamentos militares de 10 bilhões de euros. Contratos milionários foram subscritos com importantes países membros da OTAN.

Dentre as companhias petrolíferas estrangeiras que operavam antes da insurreição na Líbia incluem-se a Total da França, a ENI da Itália, a China National Petroleum Corp (CNPC), British Petroleum, o consórcio espanhol REPSOL, ExxonMobil, Chevron, Occidental Petroleum, Hess, Conoco Phillips.

O que se passa para que o “cachorro louco”, que se transformara em grande amigo, volte a ser o “cachorro louco”. De um lado, a evidência de que as potências hegemônicas tudo farão para não perder o controle dessa vital fonte de energia. De outro, fatores geo-estratégicos. Diante da revolta por mudanças democráticas dos países árabes do Norte da África e do Oriente Médio, é fundamental, no caso da Líbia, ter um governo absolutamente confiável, pressionando o vizinho oriental Egito para manter o tratado com Israel e não partir para políticas que desarrumem todo o contexto regional.

Antes de partir para o Brasil, o presidente Obama declarou que o“cessar-fogo tem que ser implementado imediatamente e isto significa que todos os ataques contra civis têm que parar. (...) Esses termos não são negociáveis. (...) Se Kadafi não cooperar haverá consequências". Entrementes, as agências de notícias informam que no Bahrein, ocupado por tropas da Arábia Saudita, com prévio conhecimento e anuência de Washington, e debaixo de lei marcial, milhares de pessoas desarmadas são reprimidas violentamente por forças militares que destruíram o monumento da praça Pérola, ponto de encontro de manifestantes. Sabe-se que a V Frota norte-americana está estacionada neste país, distante 25 quilômetros da Arábia Saudita, e funciona como posto de vigilância dos vastos poços de petróleo do Golfo Pérsico. Gravíssima é a situação no Iêmen, aliado incondicional da Arábia Saudita e dos Estados Unidos. Dezenas de civis,desarmados, foram assassinados nas últimas horas. Nem a França nem a Grã Bretanha, tampouco Washington ou a Liga Árabe propuseram “todas as medidas necessárias” para proteger a população civil. Obama, Sarkozy e Cameron não falaram grosso com o Bahrein e Iêmen. A ONU não autorizou uma zona de exclusão aérea contra o Iêmen e Bahrein, nem acha que os direitos humanos de bareinitas e iemenitas mereçam ser respeitados. Nesse caso, só falatório, hipocrisia e dupla moral.

Toda e qualquer intervenção na Líbia terá repercussões graves. Cabe ao povo líbio, e apenas a ele, resolver o problema líbio. A comunidade internacional deve manifestar solidariedade e agir unida para conter a guerra civil e facilitar uma via de transição pacífica para o conflito líbio. Os governos ocidentais, no afã de manter o seu domínio, usam diferentes padrões de avaliação, caso a caso, conforme o país e ao não reconhecer os levantes populares são atropelados pelo curso da História. Os regimes árabes despóticos, fundamentalistas e absolutistas têm de saber que não podem resistir às mudanças. É simples questão de tempo, e todos os que resistirem serão varridos do mapa político.

Setores de esquerda vêm dando interpretações disparatadas sobre os acontecimentos. A mais esdrúxula reside em que desqualificar a revolta das massas populares líbias porque o regime é inimigo aparente de nosso inimigo não é um critério muito saudável. Analistas de esquerda não podem fechar os olhos à realidade do mundo de hoje, desconhecer as forças em confronto eseus objetivos estratégicos, deixar-se levar pelas informações da mídia que tem um claro viés em favor dos interesses neo-coloniais e imperialistas.

Uma intervenção militar aberta implica que os Estados Unidos, Inglaterra, França e demais países optaram por um dos lados da guerra civil líbia, como aumentará brutalmente os riscos sobre a população civil que, cinicamente, anunciam que pretendem proteger.

Max Altman é Jornalista e Advogado. Membro do coletivo da Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores.

domingo, 20 de março de 2011

Música de Domingo – Música para Obama

No fim de semana em que o presidente do Império Ianque está no Brasil e ao mesmo tempo deu o sinal verde para os bombardeios contra a Líbia (mais uma “Guerra Humanitária”?), o saúdo com algumas músicas, em inglês para que ele não precise de intérprete.

Tenho certeza que ele entenderá o conteúdo das canções, uma vez que esse conteúdo é bem claro e direto.

Aliás, essas canções também são dedicadas a David Cameron, a Nicolas Sarkozy et caterva.


















sábado, 19 de março de 2011

Obama, go home!

Por Luiz Eça no Correio da Cidadania

Intensa propaganda nos programas de maior audiência da Rede Globo, apoiada por cartazes que cobrem o Rio e promoções patrocinadas pela embaixada yankee, divulgam a visita do presidente Obama ao Brasil. Ela esconde uma verdade: não se trata do mesmo Obama que empolgou o mundo na campanha presidencial americana, em 2008.

É outro.

Aquele Obama prometia mudar a política imperial dos EUA, radicalizada nos tempos de Bush. Tornar seu país respeitado pela justiça e não temido pela força. Era uma grande esperança, não só para os americanos de mente aberta, mas todas as pessoas que anteviam um EUA exercendo um papel ativo na construção de um mundo melhor.

Uma vez presidente, aquele Obama foi se desvanecendo. Em seu lugar apareceu esse que chega ao Brasil. Muito mais parecido com o tão criticado George Bush do que com o Obama-2008, do qual conservou apenas a retórica, hoje divorciada dos fatos.

Ainda não era assim em junho de 2009, quando, no histórico discurso do Cairo, Obama proclamou uma nova relação de amizade e justiça com os povos islâmicos, defendendo até a criação de uma Palestina independente e viável.

No princípio parecia que era para valer. Obama pediu, suplicou, exigiu que Bibi Netanyahu parasse de ampliar os assentamentos israelenses em terras da Cisjordânia para permitir o início de conversações de paz com os líderes da Autoridade Palestina. Nada feito. O primeiro-ministro de Israel concedeu, no máximo, um congelamento temporário, por 10 meses. Pressionados por Obama, os árabes aceitaram.

Nesse período, pouco ou nada se avançou. Para conseguir mais três meses de congelamento, Obama fez uma vergonhosa proposta que, além de armas e muito dinheiro, garantia apoio dos EUA a Israel contra quaisquer propostas que surgissem na ONU condenando suas ações.

Nem assim, Bibi topou. Ele sabia que conseguiria tudo isso sem precisar conceder nada.

E, de fato, proposta de condenação de Israel pelos seus assentamentos ilegais e injustos, aprovada por 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança, inclusive Alemanha e França, foi vetada pelos EUA, que foram contra. Outros furos apareceram no discurso do Cairo.

O relatório do inquérito da ONU sobre a invasão de Gaza, presidido pelo juiz judeu Goldstone, apontara crimes de guerra praticados pelo exército de Israel. Submetido à Comissão de Direitos Humanos da ONU, foi sabotado pelos EUA, que chegaram a forçar, com forte pressão, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, a retirar seu apoio. Embora sob pesadas críticas americanas, o relatório acabou aprovado.

Mas, no Conselho de Segurança da ONU, Obama conseguiu melar uma investigação oficial do caso. Primeiro, sustentou que Israel é que deveria fazê-la (seria a raposa investigando a matança de galinhas no galinheiro...). Isso foi aceito. No entanto, decidiu-se que os palestinos também deveriam fazer sua investigação. Claro, as conclusões foram opostas. E o empate não deu em nada...

O massacre do navio que levava socorros a Gaza trouxe novas chances de Obama mostrar que não falara à toa no Cairo. Mas, enquanto países do mundo inteiro reprovaram a ação israelense, os EUA limitaram-se a "deplorar". E agiram para neutralizar a Comissão de Investigação da ONU.

Ao lado de um representante de Israel, um da Turquia e um político neozelandês respeitado, foi escolhido o ex-presidente colombiano Uribe, o mais próximo aliado dos EUA na América Latina, cujo governo foi marcado por graves violações dos direitos humanos. Portanto, mais um empate à vista, com a probabilidade do massacre da chamada "flotilha da liberdade" passar em branco.

Como também está passando em branco a razão de ser da guerra do Afeganistão, conforme Obama expôs na campanha eleitoral de 2008. Seria necessária para impedir que o país fosse uma base da Al Qaeda para ataques terroristas no Ocidente. Há mais de um ano este objetivo já teria sido alcançado. Segundo o próprio assessor militar da Casa Branca, James Jones, existem menos de 100 seguidores de Bin Laden no Afeganistão – muito poucos para justificar a manutenção de um exército de 150 mil homens, dos quais 50 mil enviados por Obama, e transformar o país numa base terrorista.

Apesar disso, os EUA prosseguem uma guerra que já dura nove anos, sem resultado algum a não ser a morte de 1.500 soldados americanos, o gasto de centenas de bilhões de dólares, o deslocamento forçado de centenas de milhares de refugiados, a desestabilização do país e a ascensão ao poder em Cabul de um bando de políticos corruptos.

A última pesquisa (Post-ABC) mostra que o povo americano em sua maioria, 64%, é contra a guerra. Mas os militares são a favor. E Obama tem preferido ficar com eles. Apoiou mesmo sua solicitação de aumentar o número de ataques de "drones"- aviões sem piloto - visando talibãs nas zonas do aliado Paquistão fronteiriças com o Afeganistão. Passaram de 41, nos quatro anos de Bush, para 190 nos dois anos e pouco de Obama.

Os drones já mataram mais de 1.000 talibãs. Só que, junto com eles, foram mortos cerca de 720 civis inocentes. E a imagem dos EUA foi para o espaço. Em pesquisa realizada em meados de 2010, 68% dos paquistaneses tinham uma visão negativa dos EUA. Outra pesquisa nessa época (Pew Research) colocava os EUA muito mal, considerado como inimigo por 59%, enquanto apenas 8% expressaram confiança no presidente Obama.

Esse tipo de números jamais abalou o partido da guerra, que conquistou uma grande vitória nos bastidores da Casa Branca, no front do Irã.

O presidente parecia empenhado na paz com os aiatolás. Até produziu uma peça publicitária especial para impressioná-los, estendendo a mão para o Irã. O problema é que a outra mão estava fechada, pronta pra golpear. O que aconteceu depois de alguns meses de palavras bonitas.

Dando de barato que Ahmadinejad tinha um programa secreto para produzir armas atômicas, apesar das afirmações em contrário de El Baradei, então presidente da Agência Internacional de Energia Atômica, e do próprio serviço secreto americano, Obama passou a exigir que os iranianos interrompessem o enriquecimento de urânio.

Apesar de essa operação ser permitida pelos acordos internacionais, o Ocidente apoiou os EUA e em quatro ocasiões aplicou severas sanções ao país. O Brasil e a Turquia tentaram resolver o litígio, apresentando uma solução (anteriormente aprovada pelo próprio Obama) que permitiria o total controle do urânio iraniano para garantir sua aplicação em atividades pacíficas.

Mas não era o que Obama desejava. Ele pressionou o Conselho de Segurança para recusá-la e, mais uma vez, sancionar o Irã. A essas alturas a brilhante retórica de Obama no Cairo já era letra morta. Agora, ele ainda tenta ressuscitá-la, mas o faz de maneira imprópria.

Somente apoiou as revoluções democráticas contra as ditaduras pró-EUA do Egito e da Tunísia quando já estavam vitoriosas. E, mesmo assim, no caso do Egito, ainda tentou (em vão) substituir Mubarak pelo general Suleiman, grande amigo de Israel e chefe do serviço secreto egípcio, o qual torturou dezenas de suspeitos de terrorismo por encomenda da CIA.

Enquanto isso, no plano interno, a maioria das promessas de campanha viraram pó. Logo no começo de sua gestão, Obama anunciou o fechamento de Guantánamano no prazo de um ano para, logo, dar o dito por não dito. E adiar. Até quando? Respondeu o secretário Gates: "daqui a muito, muito tempo". Mesmo porque Obama decretou que 47 prisioneiros ficarão em Guantánamo para sempre. Sem direito a julgamento, pois poderiam ser absolvidos, já que as provas contra eles tinham sido obtidas sob tortura.

Porém, o desrespeito aos direitos humanos não ficou por aí. Bradley Manning, o "whistleblower" (denunciante) que forneceu ao WikiLeaks milhares de documentos da diplomacia e do exército americano, revelando seus podres, está preso desde maio pelos militares. Mantido em reclusão solitária, com interrupção de sono, privação de exercícios físicos, em condições "planejadas para degradar a mente e a resistência de Manning para que incrimine a WikiLeaks", conforme seu advogado David MacMichael, militar reformado, ex-comandante do mesmo quartel onde se acha preso Manning.

Diante dos protestos das organizações de defesa dos direitos humanos, Obama respondeu estar tranqüilo, pois o Pentágono lhe informara que Manning estaria preso "em condições adequadas".

Justificando o "novo Obama," seus defensores alegam que ele teria boas intenções, mas o poder das forças da reação - particularmente, o Partido Republicano, o lobby pró-Israel e as forças armadas - seria invencível.

Mas o Partido Republicano só assumiu o controle do Congresso em fins do ano passado, Obama governou dois anos com maioria democrata. Só a partir de agora sua influência poderá se efetivar.

Não se pode negar o imenso poder de pressão dos judeus americanos. Segundo pesquisa da American Jewish Opinion, 62% deles apóiam o governo do direitista Netanyahu. Apesar de representarem apenas 3% do eleitorado, seus votos pesam em estados como Nova York e Flórida, onde estão mais concentrados. E, o que é mais importante, estima-se que judeus americanos forneçam 40% das contribuições das campanhas eleitorais do Partido Democrata.

A mais forte dessas organizações, a AIPAC (Associação Israelo-Americana), reuniu nada menos do que 2/3 dos congressistas na sua última convenção. Sua palavra tem sido lei, tanto no Senado quanto na Câmara dos Representantes.

Entretanto, começam a ocorrer fraturas nessa frente até há pouco monolítica. Surgiram várias organizações judaico-americanas liberais, como a JStreet, que prega a paz com os palestinos, a cessação dos assentamentos e a criação de um Estado árabe independente na região. E a JStreet cresce já está organizada em 30 estados, com um orçamento de 6 milhões de dólares (pouco diante dos 67 milhões anuais da AIPAC).

A esquerda do Partido Democrata questiona a fraqueza de Obama, ao permitir que os lobbies ditem os rumos da política americana na Palestina e no Oriente Médio, em geral, onde a defesa intransigente de Israel é prioritária.

Ele teria armas poderosas para mudar de atitude e pressionar o governo Netanyahu. O exército de Israel depende muito dos 3 bilhões anuais em armamentos, os mais modernos, recebidos da Casa Branca. Secar esta fonte deixaria Tel-aviv em maus lençóis.

Obama teria também o apoio da maioria do povo americano. Segundo pesquisa da Zogby, em março de 2010, 63% dos democratas e 40% dos independentes achavam que os EUA deveriam "pegar duro" com Israel para impedir sua expansão territorial. E apenas 34% da população em geral defendiam a construção de assentamentos, enquanto 40% queriam seu abandono.

Não vamos esquecer os 13 milhões de ativistas que lutaram por Obama na campanha eleitoral, empolgados por suas propostas de mudanças. Convocados, eles formariam um poderoso exército em defesa do Obama modelo 2008.

Quanto às Forças Armadas propriamente ditas, sua pressão não pode ser desdenhada. Mas ela tem limites. Na História dos EUA não há um só caso de golpe militar. Não há por que ele acontecer neste século, quando as instituições democráticas estão cada vez mais fortes em todo o mundo.

Dizem os analistas que Obama vem ao Brasil, basicamente, por dois motivos: promover o aumento das exportações americanas para nosso país e estimular o governo Dilma a abandonar a política externa independente do governo Lula, voltando a nos aproximar (ou submeter?) aos EUA.

Ora, em matéria de comércio exterior, os interesses brasileiros são contrários aos dos americanos. Sendo nosso comércio com eles deficitário, precisamos, isso sim, aumentar nossas exportações para lá, não o contrário.

Evidentemente uma política externa independente é fundamental para a soberania plena de um país. E lhe dá autoridade para intervir nas questões internacionais, pois independência exclui parcialidade. Por que, então, mudar a nossa?

Se é por coisas assim que Obama vem ao Brasil, o mais importante que podemos lhe dizer é mesmo Obama, go home!

Luiz Eça é jornalista.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A verdade para romper com o cerco midiático a Cuba

Por Adriana Delorenzo na Revista Fórum

A melhor maneira de enfrentar o bloqueio midiático contra Cuba é a verdade”, disse Fernando Morais, autor de “A Ilha”, publicado em 1976, e outras biografias. O livro, segundo ele, foi uma tentativa de furar o bloqueio, quando não existia nenhuma informação sobre o país que não fosse manipulada. Passados quase 40 anos, Morais acredita que o cerco midiático permanece, tentando apagar a Revolução Cubana de 1959 e desinformando sobre a situação real do país.

Esse foi o tema do debate que ocorreu na terça-feira, 15, na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, promovido pelo Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, em parceira com o site Opera Mundi, o Comitê dos Cinco Patriotas Cubanos e o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). Além de discutir a situação de Cuba e o tratamento dado ao país por grande parte da imprensa, o evento contou com o lançamento do livro “Cuba, apesar do bloqueio”, do jornalista Mario Augusto Jakobskind.

“O objetivo do livro é mostrar o país que, muitas vezes, até a esquerda brasileira desconhece, seja pelo bloqueio midiático , seja por visões equivocadas de que Cuba seria uma ditadura capitalista”, afirmou Jakobskind. A primeira edição do livro foi publicada em 1984 e, no ano passado, o autor decidiu atualizar a grande reportagem, recheada de fatos vivenciados por ele em suas viagens à ilha. “O objetivo era mostrar fatos, não adjetivos. São fatos históricos que a mídia brasileira não informa”, disse. De acordo com ele, não se trata necessariamente de uma posição de esquerda, mas da verdade. “Esse é o papel do jornalista”.

Morais também prepara um novo livro sobre Cuba. Após dois anos de trabalho de campo, ele está concluindo “Os últimos soldados da Guerra Fria”, que deverá ser lançado em maio pela editora Cia das Letras. Trata-se de uma grande reportagem sobre os cinco cubanos que estão presos desde 1998, nos Estados Unidos, acusados de espionagem. “Não há nada que comprove que eles tiveram acesso ou mesmo tentado ter acesso a qualquer documento de interesse de segurança nacional dos EUA, que justificasse a brutalidade das duras penas que foram submetidos, sobretudo as perpétuas”, explicou.

No período especial, após o fim da União Soviética, Cuba passou a sofrer uma série de atentados. Os cinco presos foram a Miami a partir de 1990 e, segundo Morais, o objetivo era enviar informações sobre os grupos de extrema direita, patrocinados por cubanos antirrevolução. “A imprensa da Flórida, na ocasião do julgamento, exerceu uma pressão muito grande sobre os juízes e jurados, inclusive vários se recusaram a participar por medo de represálias da chamada máfia cubana”, disse Morais, que também entrevistou mercenários confessos de atentados a Cuba. “A história dos cinco presos mostra o papel deletério que a mídia da Flórida teve na condenação deles.”

Com a visita do presidente dos EUA, Barack Obama, ao Brasil, participantes do evento defenderam protestos em defesa da liberdade dos cubanos, do fim do embargo econômico a Cuba, iniciado em 1962, e a devolução da base de Guantánamo.

Sobre Alan Gross, norte-americano condenado em Havana no início de março, Morais afirmou ser mais um exemplo da campanha midiática contra Cuba. Ele foi preso ao tentar distribuir equipamentos eletrônicos sofisticados para estimular a oposição interna em Cuba. Segundo Morais, Gross trabalha numa empresa que presta serviços ao Departamento de Estado, com uma verba anual de 40 milhões de dólares para promover a ‘democracia’ em Cuba.

“Por que o cerco midiático a Cuba?”, questionou o cônsul geral de Cuba, Lázaro Méndez Cabrera. Para ele, tudo começou em 1º de janeiro de 1959, quando o Movimento 26 de julho, liderado por Fidel Castro, derrubou o ditador Fulgêncio Batista. Segundo Cabrera, hoje querem esconder os altos indicadores sociais do país. “Tínhamos 33% de taxa de analfabetismo, hoje é quase zero. Nossa taxa de mortalidade infantil é de 4,5 por mil nascidos vivos. Temos 76 mil médicos para os cubanos e para o mundo”, sustentou.

Para o cônsul, uma grande rede em defesa da revolução cubana é a única forma de combater o cerco midiático. Questionado sobre a liberdade de expressão em seu país, Cabrera citou a blogueira Yoani Sanchez: “É uma contradição, ela diz que não há liberdade em Cuba, mas dá entrevista para a Globo.” Já sobre as reformas que serão debatidas no 6º Congresso do Partido Comunista Cubano, de 17 a 19 de abril, ele afirmou: “Estamos atualizando o socialismo cubano, para sermos mais socialistas. Para voltar ao capitalismo, jamais.”

Serviço
Cuba, apesar do bloqueio
Autor: Mario Augusto Jakobskind
Editora: Booklink
168 páginas

sábado, 12 de março de 2011

Na “Terra da Democracia”: Estado Burguês versus Sindicatos

Há um século o fascinante jornalista John Reed ¹ se deixava levar preso para conseguir furar a censura imposta pelos grandes jornais da época sobre uma greve que sacudia New Jersey. Cem anos depois é a imprensa brasileira que não gasta uma linha sequer com o golpe que os republicanos estão dando nos funcionários públicos em Wisconsin – estado do meio-oeste estadunidense famoso por seu sindicalismo forte e atuante.

Como Karl Marx, de quem Reed era admirador, vaticinou no 18 Brumário de Luís Bonaparte: a história acontece como tragédia e se repete como farsa.


Governador de Wisconsin ganhou batalha, agora começa a guerra


Via Prensa Latina

Wisconsin, 11 de março. O governador Scott Walker ganhou uma batalha contra os sindicatos em Wisconsin, depois de três semanas de confrontos, mas a luta se estenderá para além de Madison, afirmou hoje o jornal The Washington Post.

O jornal informou sobre a decisão dos líderes sindicais de levar a luta a outras cidades.

Os dirigentes sindicais ameaçaram fazer campanhas revocatórias contra senadores republicanos, e os conservadores apostaram o mesmo contra os democratas que fugiram de Wisconsin para frear a lei antissindical.

Para o secretário-tesoreiro da Federação Americana de Empregados Estatais, Lee A. Saunders, este é apenas o começo, uma pequena batalha ganhada pelo governador.

Walker conseguiu passar a lei com a ausência dos 14 democratas do Senado ao separar o projeto de lei de medidas fiscais, para o qual se exige o voto de 20 membros.

Essa manobra legislativa é questionada por muitos e se prognostica uma reclamação do Partido Democrata.

Na opinião do consultor político republicano, Michael Murphy, ficaria por ver se a saga de Wisconsin estabelece batalhas épicas similares em outros estados, ou fica apenas como uma experiência edificadora.

Isto -acrescentou- pode incentivar outros governadores, mas também deviam ver os golpes.

Alguns consideram que Wisconsin quiçá não tenha sido o melhor detonante, dado os privilégios de negociação existentes ali desde 1959, quando mais da metade dos estados da União carecem hoje dessa prerrogativa.

Isso faz experientes pensarem que se por aí começou a luta e dessa maneira, como poderá ser no resto dos estados, onde os governos também pretendem transferir o problema fiscal aos trabalhadores.

Os líderes sindicais chamaram a atenção para o fato de que a ofensiva antissindical republicana seja feita em estados onde poderia existir uma vitória democrata nas eleições de 2012.

Socavar o sustento financeiro e eleitoral do Partido Democrata é para muitos a razão da agressiva atitude dos republicanos contra os direitos de negociação dos trabalhadores públicos.

Os republicanos, pelo contrário, sustentam que a única saída para o déficit orçamental -que em dois anos chegará a 3,6 bilhões de dólares- é realizar os ajustes em serviços de saúde, pensões e salários.

Os senados de Illinois e Michigan aprovaram leis similares contra a negociação coletiva sindical e em igual medida cresce o descontentamento entre os trabalhadores públicos.

¹ John Reed, (Portland, 22 de Outubro de 1887 — Moscou, 19 de Outubro de 1920), jornalista e ativista estadunidense. Acompanhou a Revolução Mexicana como correspondente internacional e acabou se aproximando de Pancho Villa. Pouco depois acompanhou de perto a Primeira Guerra Mundial na Europa, interessando-se pelos acontecimentos que se desdobravam na Rússia. Escreveu o livro "Dez dias que abalaram o Mundo", em que relata em primeira-mão os acontecimentos que constituíram a Revolução de Outubro em que os bolcheviques tomaram o poder na Rússia.


Leia mais sobre o assunto em:

Wisconsin: a componente de direita estadunidense

Revolta em Wisconsin

sexta-feira, 11 de março de 2011

Na Caros Amigos: “Revolução árabe” anuncia novas tragédias

Reproduzo parte do artigo do editor da revista Caros Amigos, José Arbex Jr., na edição do mês de fevereiro.

A grande incógnita é saber qual força política vai liderar o processo de mudanças, se grupos nacionalistas ou islâmicos.

Por José Arbex Jr.

A revolução árabe” começou a ser deflagrada em 17 de dezembro, por um singular mas trágico incidente: Mohammed Bouazizi, 25 anos, vendedor ambulante de hortaliças, ao ter as suas mercadorias apreendidas pela polícia (cena, aliás, bastante comum em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras), foi levado ao desespero e imolou-se em fogo, na localidade de Sidi Buzid (perto de Túnis). O auto sacrifício incendiou o país: manifestações de revolta na capital, cidades e vilarejos derrubaram o ditador Zine Ben Ali (no poder desde novembro de 1987), expulso finalmente da Tunísia em 14 de janeiro. Foi o sinal para que grandiosas manifestações eclodissem sem aviso na Argélia, na Jordânia, no Iêmen e, sobretudo, no Egito. Centenas de milhares de jovens, trabalhadores e trabalhadoras, donas de casa, intelectuais, artistas e pequenos comerciantes saíram às ruas contra odiosas ditaduras e monarquias. Em 1 de fevereiro, no Cairo, Alexandria e outras cidades, pelo menos 1 milhão exigiram a renúncia imediata de Ho ni Mubarak, há três décadas um servo fiel das determinações da Casa Branca. O espectro da revolta sacode o Oriente Médio e o norte da África e cria imensas indagações sobre os novos cenários geopolítico, econômico e financeiro do mundo contemporâneo.

À primeira vista, o grandioso tsunami árabe é inexplicável. Assume a aparência de um evento fortuito, que tenderá a desaparecer com a mesma rapidez com que eclodiu. Nada poderia ser mais equivocado. Se o sacrifício de um jovem ambulante é capaz de incendiar uma região inteira do planeta, isso se deve a determinações profundas, inconscientes, muitas vezes invisíveis, mas que se combinam de forma explosiva e imprevisível em determinados momentos históricos. Ninguém controla ou domestica a história, diria grande revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo, cujas análises sobre a Revolução Russa oferecem a chave para entender o que acontece hoje no Oriente Médio. Quem diria, até o final de novembro de 2001, que, em menos de quinze dias, uma multidão enfurecida, incluindo senhoras de classe média, muito bem vestidas, saquearia supermercados e bancos em Buenos Aires, e expulsaria os inquilinos eleitos da Casa Rosada? Ou quem afirmaria, em outubro de 1989, que em 9 de novembro cairia o Muro de Berlim? Os manifestantes rabes, principalmente os jovens, não reclamam apenas reformas econômicas. Manifestam uma revolta incontrolável contra regimes que, durante décadas, oprimiram, torturaram, perseguiram, assassinaram os seus opositores, além de terem devotado uma submissão canina a um sistema imperialista que construiu um imenso edifício de preconceito, ódio e segregação ao mundo árabe e islâmico.

Para ler a reportagem completa e outras matérias confira edição de fevereiro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

terça-feira, 8 de março de 2011

Mulheres da Via Campesina contra o abuso dos agrotóxicos

da Comunicação do MST

Em todo o Brasil, as camponesas, em conjunto com outros movimentos urbanos, mulheres da Via Campesina denunciaram nas últimas semanas que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, inclusive de agentes contaminantes totalmente nocivos a saúde humana, animal e vegetal que já foram proibidos em outros países.

As ações alertaram sobre os efeitos nocivos para a saúde e meio ambiente da utilização anual de mais de um bilhão de litros de venenos, de acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola. O Brasil ocupa o primeiro lugar na lista de países consumidores de agrotóxicos desde 2009.

“A produção em grande escala com venenos traz conseqüência para a vida das pessoas, seja no campo, seja na cidade. Temos necessidade de consolidar esse debate na cidade, que é um debate para a humanidade”, afirma Marisa de Fátima da Luz, assentada na região do Pontal do Paranapanema (SP), e integrante da Coordenação Nacional do MST.

O que aconteceu estado por estado

No Rio de Janeiro, cerca de 300 mulheres trabalhadoras do campo e da cidade ocuparam a sede do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no centro da capital carioca. O objetivo da mobilização é denunciar os altos investimentos e empréstimos do BNDES à indústria dos agrotóxicos e às transnacionais da agricultura, que compram e lançam os venenos agrícolas nas lavouras brasileiras.

No Ceará, mais de 1.000 mulheres dos movimentos sociais do Ceará, como o MST, o Movimento dos Conselhos Populares e a Central dos Movimentos Populares, fizeram duas marchas para denunciar os impactos negativos para a saúde humana e para o ambiente com uso excessivo de agrotóxicos no Brasil e os impacto.

Em Fortaleza, mais de 600 mulheres marcharam até Palácio da Abolição, do governo do Estado, para denunciar a política de isenção fiscal que beneficia as indústrias de venenos e amplia o consumo de agrotóxicos em todo o estado. Em Santa Quitéria, 500 mulheres protestam contra a instalação da mina de Itataia.

Cerca de 500 mulheres da Via Campesina se reuniram em Curitibanos (SC), no parque de exposição Pouso dos Tropeiros, com o lema, “Contra o agronegócio, em defesa da soberania popular”. O encontro iniciou com uma mística relembrando o porquê do 8 de março ser um dia de luta das mulheres trabalhadoras. No momento em que aconteceu o encontro, uma comissão esteve reunida com o governo do estado para reivindicar a pauta.

Na Bahia, 500 trabalhadoras rurais e urbanas realizaram uma caminhada em Vitória da Conquista em frente a Prefeitura e aos Bancos do Nordeste e Brasil para a reivindicação da liberação do Pronaf Mulher, renegociação das dívidas das assentadas e a construção de creches nos assentamentos. Em Petrolina, mais 500 camponesas ocuparam a sede do INSS junto com MPA, MAB, CPT, IRPA, Quilombolas e Pescadoras, para cobrar a implementação dos processos de aposentadoria das trabalhadoras rurais, auxílio doença e o salário maternidade.

Em Eunápolis 1500 mulheres ocuparam a fazenda Cedro pertencente à multinacional Veracel, no município de Eunápolis no dia 28/2. Hoje, as camponesas trancaram a BR 101 por duas horas. As trabalhadoras denunciam a ação do agronegócio no extremo sul da Bahia, com a produção da monocultura de eucaliptos praticada pela Veracel na região de maneira irregular, pois ocupa terras devolutas. Encontros para discutir a agricultura camponesa e sementes crioulas também estão previstos para os dias 05 a 10 de março, envolvendo os municípios de Pindaí, Caetité, Riacho do Santana, Rio do Antônio, Caculé, Brumado.

Em Pernambuco, 800 trabalhadoras rurais ligadas ao MST, ao Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), ao Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e à Comissão Pastoral da Terra (CPT) marcharam na manhã dessa terça-feira (1/3) de Petrolina a Juazeiro, trancando a ponte que liga os dois municípios, denunciando a inoperância do Incra da região. No dia 28/2, mais 500 mulheres ocuparam o Incra da cidade de Recife como forma de chamar a atenção para a Reforma Agrária.

No Rio Grande do Sul, cerca de 1.000 mulheres da Via Campesina, Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Levante da Juventude e Intersindical protestaram no dia 1/3 em frente ao Palácio da Justiça, na Praça da Matriz em Porto Alegre. Elas saíram em marcha do Mercado Público de Porto Alegre até o local. Integrantes vestidas de preto estiveram paradas em frente ao prédio, em silêncio, para lembrar que as mulheres têm sido silenciadas por várias formas de violência. Na mesma cidade, cerca de 1.000 mulheres ocupam o pátio da empresa Braskem, do grupo Odebrecht, no Pólo Petroquímico de Triunfo, região metropolitana de Porto Alegre. A manifestação tem o objetivo de denunciar que o plástico verde, produzido à base de cana-de-açúcar, é tão nocivo e poluidor quanto o plástico fabricado à base de petróleo.

Já em Passo Fundo (RS), 500 mulheres realizaram uma manifestação pública no centro, com atividades de formação no Seminário Nossa Senhora Aparecida.

Em Sergipe, cerca de 1000 trabalhadoras rurais do estado estão acampadas na Praça da Bandeira de Aracaju. De 1 a 3 de março, elas participaram de atividades que denunciaram os agrotóxicos, o agronegócio, a criminalização dos movimentos sociais e a violência da mulher.

No Espírito Santo, uma marcha de mulheres do campo e da cidade partiu na terça-feira do município da Serra, promovendo uma série de atividades da Jornada de Lutas das Mulheres. No primeiro dia, a marcha caminhou aproximadamente 15 km até Carapina, com muita animação e apoio popular durante o trajeto. Depois, a marcha foi para a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), onde aconteceram debates sobre os impactos do agronegócio na vida das mulheres do campo e da cidade, com destaque para a questão dos agrotóxicos, do novo Código Florestal e da saúde alternativa.

No interior de Minas Gerais, 400 mulheres da Via Campesina e o Fórum Regional por Reforma Agrária ocuparam a BR 050, no km 121, entre Uberlândia e Uberaba, para denunciar que a utilização de aviões de pequeno porte para pulverização de agrotóxicos pela empresa Saci polui o solo e a água da região. A Saci, juntamente com a Usina Vale do Tijuco, utilizam grandes quantidades de veneno, jogados de aviões de pequeno porte que poluem o solo e a água da região.

Em Teófilo Otoni, 300 mulheres camponesas dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Rio Doce realizaram uma marcha do centro da cidade, em direção ao Fórum da Comarca, para denunciar os casos de violência contra as mulheres e a violência causada pela concentração de terras na região.

Em São Paulo, desde 25 de fevereiro, várias mulheres do MST, realizam ato de denúncia e reivindicação na frente da Prefeitura de Limeira, próximo da Campinas. Cerca de 70 mulheres do MST e da Via Campesina realizaram a ocupação da prefeitura do município de Apiaí, localizado na região Sudoeste de São Paulo para reivindicar o acesso aos direitos básicos como: saúde, educação, moradia, transporte e saneamento básico, que vendo sendo negados pelo município às famílias acampadas.

No litoral de São Paulo, cerca de 600 mulheres da Via Campesina e outros movimentos sociais fecharam parte da Rodovia Cônego Domênico Rangoni, também conhecida como Piaçaguera-Guarujá, que dá acesso ao Pólo Industrial de Cubatão.

Nesse região, encontram-se grandes empresas produtoras de veneno, como Bunge, Vale Fertilizantes, Rhodia, no total de 52 empresas. Dessas, cerca de 80% são produtoras de venenos. O estado de São Paulo está entre os três primeiros estados produtores de agrotóxicos no Brasil.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Milton Temer: Dilma, o PT histórico e a ultradireita tupiniquim

Existe na esquerda brasileira muitos nomes, verdadeiros combatentes, com os quais aprendi duma forma ou outra o que é ser de esquerda, o que é ser socialista, o que é ser libertário.

Um desses nomes é o do valoroso guerreiro e ex-deputado federal Milton Temer. Desde o primeiro mandato de FFHH que eu acompanho sua luta e postura sempre coerente. À época do “mensalão” – aquele que a imprensa chama de do PT, mas até hoje o que há são dúvidas sobre sua real existência – troquei com Milton Temer vários emails com impressões acerca daquele momento.

Agora acabo de ler uma análise bem curta, porém muito boa, do político e jornalista carioca sobre os primeiros meses de mandato da Presidenta Dilma.

Só para constar. Milton Temer foi eleito deputado federal em 1994 e 1998, ambas as vezes pelo Partido dos Trabalhadores e em 2005 participou da fundação do PSOL.

Segue.


PT: Progmáticos x Pragramáticos, via Fundação Lauro Campos

De um lado, Denis Rosenfeld, professor ultra-reacionário de filosofia, louva os dois primeiros meses de Dilma. Do outro,Wladimir Pomar, dirigente histórico do Partido dos Trabalhadores, critica cortes nos gastos públicos, ontem anunciados pelo governo, para gáudio dos banqueiros. É a direita fascista fazendo festa, e o petismo histórico ressuscitando, assumindo postura coerente com duas décadas iniciais de um partido que se orgulhava do socialismo.

Está aí a promessa de algo importante, não só para o PT, mas para toda a esquerda; para toda a Nação.

Dois meses é pouco, dirão alguns, tentando argumentar uma distinção entre Dilma e Lula., Aliás, para desqualificar Lula – a quem sempre combateram por puro preconceito de classe e não por divergência quanto ao modelo econômico –, vale tudo, desde que a partir dos que dominam o andar de cima da Nação.

Mas acontece que as medidas iniciais tomadas – arrocho de salário mínimo e cortes de R$ 50 bi nos gastos públicos – não são de efeito tão curto. Elas valem, na melhor das hipóteses, para um quarto do mandato da presidente Dilma. Para todo este ano.

Mais ainda, nas considerações sobre a guinada conservadora, não se trata apenas de medidas internas. No Itamaraty, símbolo positivo do governo Lula, pelo protagonismo em temas fundamentais – solidariedade às repúblicas bolivarianas do continente, e apoio explícito à causa palestina no Oriente Médio – , que nos levaram a inevitável contraponto com a política imperialista do Departamento de Estado americano, os sinais também são preocupantes. Há uma aproximação explícita com o Departamento de Estado americano.

Vamos ter claro que as questões levantadas sobre o governo Lula não pretendem, absolutamente, criar qualquer ambiência nostálgica em relação aos oito anos de pragmatismo assistencialista que ele implementou. Nem de perto. Pretendem apenas registrar que tudo o que havia de condenável; de despolitizador da política; de desmobilizador das mobilizações cidadãs se manteve intocado. E a segunda elevação da taxa de juros em apenas dois meses de nova administração do Banco Central só confirmam a manutenção e o agravamento do que havia de pior: a submissão do governo ao sistema financeiro privado. O que se pretende, sim, é deixar claro que o imobilismo de cabeças pensantes, prontas a tudo aceitar desde que originário da caneta, ou do discurso, de Lula, já não encontra a mesma reação quando a iniciativa vem da sucessora.

Nesse contexto, é fundamental que o debate se estenda a todas as instâncias do PT. Entre os pragmáticos, no poder, e os programáticos, em posição de espera. Wladimir Pomar não é um quadro inexpressivo, nem fala por si só. Seu filho, Valter Pomar, é um dos dirigentes mais respeitados no partido, um dos líderes do campo programático.

Que nesse debate, já publicamente instalado, os últimos se tornem primeiros é do interesse de toda a esquerda brasileira.

Milton Temer é jornalista e diretor-técnico da Fundação Lauro Campos

quarta-feira, 2 de março de 2011

Castells, sobre as rebeliões no Oriente Médio e Norte da África: “É só o começo”

Por Jordi Rovira, Universitad Oberta de Catalunya | Tradução: Cauê Seigne Ameni

Os meios de comunicação passaram semanas centrando sua atenção na Tunísia no Egito. As insurreições populares que se desenvolveram após o sacrifício do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi, terminaram em poucos dias com a ditadura de Bem Ali e na sequência, como peças enfileiradas de dominó, com a “presidência” de Hosni Mubarack. Abriram-se processos democráticos em ambos os países. Manifestantes também saem às ruas árabes na Líbia, Iêmen, Argélia, Jordânia, Bahrain e Omã.

Em todos esse processos, as novas tecnologias jogam um papel chave primordial — em especial, as redes sociais, que permitem superar a censura. Ante esse desfecho histórico, Manuel Castells, catedrático sociólogo e diretor do Instituto Interdisciplinar sobre Internet, na Universitat Oberta de Catalunya, aprofunda a reflexão sob o que se passa e oferece chaves para entender um movimento cidadão que tira o máximo proveito dos novos canais de comunicação ao seu alcance.

Os movimentos sociais espontâneos na Tunísia e Egito pegaram desprevenidos os analistas políticos. Como sociólogo e estudioso da Comunicação, você foi surpreendido pela ação da sociedade-rede destes países, em sua mobilização?

Na verdade não. No meu livro Comunicação e Poder, dediquei muitas paginas para explicar, a partir de uma base empírica, como a transformação das tecnologias de comunicação cria novas possibilidades para a auto-organização e a auto-mobilização da sociedade, superando as barreras da censura e repressão impostas pelo Estado. Claro que não depende apenas da tecnologia. A internet é uma condição necessária, mas não suficiente.
As raízes da rebelião estão na exploração, opressão e humilhação. Entretanto, a possibilidade de rebelar-se sem ser esmagado de imediato dependeu da densidade e rapidez da mobilização e isto relaciona se com a capacidade criada pelas tecnologias do que chamei de “auto-comunicação de massas”.

Poderíamos considerar estas insurreições populares um novo ponto de inflexão na história e evolução da internet? Ou teríamos que analisá-las como conseqüência lógica, ainda de grande envergadura, da implantação da rede no mundo?

As insurreições populares no mundo árabe são um ponto de inflexão na história social e política da humanidade. E talvez a mais importante das muitas transformações que a internet induziu e facilitou, em todos os âmbitos da vida, sociedade, economia e cultura. Estamos apenas começando, porque o movimento se acelera, embora a internet seja uma tecnologia antiga, implantada pela primeira vez em 1969.

A juventude egípcia desempenhou um papel chave nas insurreições populares, graças ao uso das novas tecnologias. No entanto, segundo os cálculos de Issandr El Amrani, analista político independente no Cairo, apenas uma pequena parte da população egípcia dispõem de acesso a internet. Pensa que esta situação pode criar uma brecha – usando suas próprias palavras, entre “conectados” e “desconectados” – ainda maior que a que se da nos países desenvolvidos?

O dado já esta antiquado. De acordo com uma pesquisa recente (2010), da empresa informação Ovum, cerca de 40% dos egípcios maiores de 16 anos estão conectados à internet — se levarmos em conta não apenas as ligações domiciliares, mas também os cibercafés e os centros de estudo. Entre os jovens urbanos, as taxas chegam a 70%.

Além disso, segundo dados recentes, 80% da população adulta urbana esta conectada por celulares. E de qualquer maneira, estamos falando de um país com 80 milhões de habitantes. Ainda que apenas um quarto deles estivessem conectados, já poderia haver milhões de pessoas nas ruas. Nem todo o Egito se manifestou, mas uma número de cidadãos suficiente para que se sentissem unidos, e pudessem derrotar o ditador.

A história da brecha digital em termos de acesso é velha, falsa hoje em dia e rabugenta. Parte de uma predisposição ideológica de certos intelectuais interessados em minimizar a importância da internet. Há 2 bilhões de internautas no planeta, bilhões de usuários de celulares. Os pobres também têm telefones móveis e existem ainda outras formas de acessar a internet. A verdadeira diferença se dá na banda e na qualidade de conexão, não no acesso em si, que está se difundindo com rapidez maior que qualquer outra tecnologia na história.

Até que ponto o poder dispõe de ferramentas necessárias para sufocar as insurreições promovidas desde a rede?

Não as tem. No Egito, inclusive, tentaram desconectar toda a rede e não conseguiram. Houve mil formas, incluindo conexões fixas de telefone a numero no exterior, que transformavam automaticamente as mensagens em twetts e fax no país. E o custo econômico e funcional da desconexão da internet é tão alta que tiveram que restaurá-la rapidamente.

Hoje em dia, um apagão da rede é como um elétrico. Bem Ali não caii tão rápido, houve um mês de manifestações e massacres. O Irã não pode se desconectar a rede: os manifestantes estiveram sempre comunicando-se e expondo suas ações em vídeos no Youtube. A diferença é que ali, politicamente, o regime teve força para reprimir selvagemente sem que interviesse o exército. Porém as sementes da rebelião estão plantadas e os jovens iranianos, 70% da população, estão agora maciçamente contra o regime. É questão de tempo.

A mobilização popular através dos meios digitais criou heróis da cibernéticos no Egito — como Weal Ghonim, o jovem executivo do Google. Que papel podem desempenhar esses novos lideres no futuro de seus países?

O importante das “wikirrevoluções” (as que se auto-geram e se auto-organizam) é que as lideranças não contam, são puros símbolos.
Símbolos que não mandam nada, pois ninguém os obedeceria, eles tampouco tentariam impor-se. Pode ser que, uma vez institucionalizada, a revolução coopte se algumas destas pessoas como símbolos de mudanças — ainda que eu duvide muito que Ghonim queira ser político. Cohn Bendit era também um símbolo, não um líder. Foi estudante e amigo meu em 68, ele era um autêntico anarquista: Rechaçava as decisões dos líderes e utilizava seu carisma (foi o primeiro a ser reprimido) para ajudar a mobilização espontânea.

Walesa foi diferente, um vaticanista do aparato sindical. Por isso, tornou-se político rapidamente. Cohn Bendit tardou muito mais e ainda assim é, fundamentalmente um verde, que mantém valores de respeito às origens dos movimentos sociais.

A aliança entre meios de comunicação convencional e novas tecnologias é o caminho a seguir no futuro, para enfrentar com êxito os grandes desafios?

Os grande meios de comunicação não têm escolha. Ou aliam-se com a internet e com o jornalismo cidadão, ou irão se marginalizando e tornando-se economicamente insustentáveis. Mas hoje, essa aliança ainda é decisiva para a mudança social. Sem Al Jazeera não teria havido revolução na Tunísia.

Em um artigo intitulado “Comunicação e Revolução”, você recordou que em 5 de fevereiro a China havia proibido a palavra Egito na Internet. Acredita que existem condições para que possa ocorrer, no gigante asiático, um movimento popular parecido com o que esta percorrendo o mundo árabe?

Não, porque 72% do chineses apoiam seu governo. A classe média urbana, sobretudo os jovens, estão muito ocupados enriquecendo-se. Os verdadeiros problemas do campesinato e operários — ou seja, os verdadeiros problemas sociais da China — encontram se muito longe. O governo resguarda-se demais, porque a censura antagoniza muita gente que não está realmente contra o regime. Na China, a democracia não é, hoje, um problema para a maioria das pessoas, diferente do que ocorria na Tunísia e no Egito.

Esse novo tipo de comunicação, globalizada, atomizada e que se nutre se da colaboração de milhões de usuários, pode chegar a transformar nossa maneira de entender a comunicação interpessoal? Ou é apenas uma ferramenta potente a mais, à nossa disposição?

Já tranformou. Ninguém que esta inserido diariamente nas rede sociais (este é o caso de 700 dos 1,2 milhões de usuários) segue sendo a mesma pessoa. Mas não é um mundo exotérico: há uma inter-relação online/off-line.

Como esta comunicação mudou, e muda a cada dia, é uma questão que se deve responder por meio de investigação acadêmica, não através de especialistas em fofocas. E por isso empreendemos o Projeto Internet Catalunha na UOC.

Podemos dizer que os ciber-ataques serão a guerra do futuro?

Na realidade, esta guerra já faz parte do presente. Os Estados Unidos consideram prioritária a ciberguerra. Destinaram a este tama um orçamento dez vezes maior que todos os demais países juntos. Na Espanha, as Forças Armadas também estão se equipando rapidamente na mesma direção. A internet é o espaço do poder e da felicidade, da paz e da guerra.

É o espaço social do nosso mundo, um lugar hibrido, construído na interface entre a experiência direta e a mediada pela comunicação, e sobretudo, pela comunicação na internet.

Manuel Castells , sociólogo espanhol. Atualmente leciona Comunicação na Universidade da Califórnia do Sul. No livro "A sociedade em rede", o autor defende o conceito de "capitalismo informacional".