Uma aliança
com a dignidade
Por Saul
Leblon na Carta Maior
Uma grande
frente da direita brasileira se move na ansiosa tentativa de preservar o
comando da maior capital do país. O comboio transporta interesses pesados; não
perder sua maior vitrine política é um deles; propiciar ao candidato da derrota
conservadora em 2002 e 2010 um holofote de sobrevida até 2014, outro Há também
o orçamento: R$ 40 bilhões, maior que o de vários Estados. Serra teria hoje 30%
das intenções de votos na corrida pela prefeitura de São Paulo; seu principal
oponente, Fernando Haddad, 3%. Lula adoeceu no meio do caminho e já se
recuperou. Mas a convalescença pode reduzir a decisiva participação em uma
disputa com DNA nacional.
O
conservadorismo atrelava vagões ao comboio e exultava a cada tropeço do outro
lado. A frustrada tentativa de cooptar Kassab parecia ter subtraído ao PT até
mesmo o discurso da polaridade ideológica. Com Marta ressentida e afastada,
Serra chocava a serpente ao abrigo de confrontos constrangedores. A incubação
conservadora ia bem até que uma palavra que desequilibra o lado contra o qual
ela se volta entrou no jogo: dignidade, ou Luiza Erundina. Essa mulher
nordestina e socialista, ex-prefeita da capital, que alguns criticaram pelo excesso
de zelo com a causa popular, será a parceira de Haddad para devolver a São
Paulo algo de inestimável valor: o resgate do voto como um engajamento que faz
sentido outra vez na luta por uma cidade a serviço dos cidadãos.
Em 2010,
seus 50 anos de integridade e dedicação à justiça social foram manchados por
uma condenação no Supremo Tribunal Federal: malversação de fundos públicos.
Pela sentença, de um processo que se arrastava há 20 anos, Erundina teria que
devolver aos cofres municipais cerca de R$ 350 mil, quantia de que não
dispunha, nem nunca teve, razão pela qual a Justiça determinou o leilão de seus
únicos bens de valor: um apartamento de 80 m2 na zona sul de São Paulo,
avaliado então em R$ 100 mil e dois carros populares - um Palio 97 e um Gol 2004,
do tipo 'rodados'. As razões que a levaram à condenação e a forma como ela a
superou resumem a inquietação que o seu engajamento eleitoral causa agora nas
fileiras da direita.
Erundina não
virou ré por qualquer desvio de dinheiro público; sua administração não foi
acusada de fraude em licitações ou superfaturamento; ela não nomeou, como fez
Serra, um achacador para Departamento de Aprovação de Edificações da
Prefeitura, que em poucos anos 'adquiriu' 125 imóveis de alto padrão. Não, eu
crime,pelo qual quase perdeu o seu único patrimônio, foi não ter boicotado uma
greve geral dos trabalhadores brasileiros, em 1989. Em março daquele ano, a
então prefeita de São Paulo determinou que fossem impressos cartazes explicando
à população que os ônibus municipais não circulariam nos dias 14 e 15 em apoio
à greve geral convocada pela CUT e a CGT, como protesto contra o "Plano
Verão.
A decisão de
que ela deveria ressarcir os cofres da despesa com os cartazes era definitiva e
não cabia mais recurso. A mais pobre ex-prefeita de São Paulo contou então com
a ajuda dos amigos para evitar o desastre. Um grupo organizou uma campanha
nacional com jantares e doações populares que se espalhou rapidamente,
acumulando depósitos de R$ 2 a R$ 20 mil na conta aberta para essa finalidade.
A resposta
massiva assumiu contornos de indignação suprapartidária e solidariedade
ecumênica a ex-prefeita. Em pouco tempo foi atingido o montante necessário e
saldada a sentença. Na verdade, os recursos ultrapassaram o valor estipulado em
R$ 7 mil, que Erundina decidiu doar a uma instituição de caridade escolhida com
a ajuda dos amigos da campanha. Bem-vinda, senhora dignidade.
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