sábado, 29 de junho de 2013

Nossa luta é a de classe

Por Tiago Barbosa Mafra

Nesse momento crucial da história, marcado pelo fundamentalismo do pensamento único e pelo endeusamento das verdades individuais, é perceptível a difusão de questionamentos e diversidade de reivindicações colocadas para o debate pela população.


Há uma gama de especificidades, de grandes grupos que buscam espaço, reconhecimento, respeito, ao mesmo tempo em que muitos que vão às ruas sem saber ao menos o porquê, apenas por modismo.


Há também temas gerais, que aparentemente unem em torno de si a pauta de reivindicações, como a mobilidade urbana; a reforma agrária; a educação e a saúde. Nessa miríade surgem os mais diversos seguimentos organizados: jovens; mulheres; negros, indígenas; portadores de necessidades especiais; aposentados; todos levantando suas bandeiras e cobrando a melhoria nos serviços essenciais oferecidos pelo Estado. Aí surge um paradoxo, querem um Estado provedor, mas no mesmo passo cobram menos impostos.


É inegável a importância da organização social desses grupos para o fortalecimento da ação popular, da conquista de novos direitos e aprofundamento dos já conquistados, além, claro, da busca de ocupação de espaços de poder, o que, por sua vez, esperamos, possa gradativamente desconstruir o discurso dominante vigente.


Apesar de toda essa movimentação salutar, um fator cabe ser ressaltado. O aprofundamento e ênfase nas reivindicações particulares de cada grupo – o chamado movimento altermundista – apesar de serem frutos da mesma estrutura social, têm contribuído para a pulverização ou mesmo fragmentação das demandas de forma que acabam não se articulando num todo. Na busca de ocupação de espaço político, não há articulação entre os diversos grupos envolvidos.


E aí, vem a indagação: há algum fator realmente unificador?


A discriminação racial, a exclusão, a exploração, a fome, a miséria, a violência de gênero, a destruição ambiental, a falta de acessibilidade, a mobilidade urbana tratada como mercadoria e não como direito, fermentados por história oficial que exclui o povo de seu enredo são frutos do mesmo gerador: o sistema sob o qual vivemos.


A raiz de toda a violência estrutural está no modelo socioeconômico que a cada dia fomenta imperceptivelmente o ódio contra qualquer discurso que destoe do que está posto pela estrutura buscando criminalizar movimentos sociais, submetendo tudo e todos à lógica da exploração do mais fraco pelo mais forte, banalizando a desigualdade e a violência, mercantilizando a vida e a política, expropriando as pessoas de sua própria existência.


Frente a tantas manifestações emergindo de uma sociedade até o momento apática (?), é de suma importância que as conquistas realizadas ao longo dos últimos anos sejam compreendidas pelos movimentos sociais. É urgente identificar quem serve a quem e como cada membro político se posiciona no jogo atual.


Há um contexto social diferenciado do de 30 anos atrás, uma classe trabalhadora multifacetada, com demandas diversas, mas que cada qual a seu modo sofre com a exploração. Retomar a luta de classes como fator unificador é questão prioritária, afinal, a esquerda não pode deixar que a disposição de tomar as ruas seja capturada definitivamente pelo discurso de retroação que a direita quer impor à população através de seus dispositivos midiáticos. É urgente uma resposta autêntica da esquerda, que politize o debate.


Com a queda do Muro de Berlim a luta de classes como ponto de partida para reflexão e ação acabou sendo relegada a segundo plano, todavia a única coisa que agrega todos, seja mulher, homem, homossexual, indígena, negro, portador de necessidades especiais, é o fato de que alguém sempre se apropria do fruto do trabalho destes atores. As violências as quais estão submetidos são o fator unificador.

O vicio da fragmentação das demandas sociais é resultado do momento de individualização extrema pelo qual passa o mundo.


A elite confrontará as manifestações, buscando trazê-las para si com discursos travestidos de democráticos e que guardam em seu interior ranços de patrimonialismo e dominação.


Ou enfrentamos o desafio de sair do escamoteamento da luta de classes pelas demandas particulares, ou corremos o risco de ser carregados por um processo de restauração conservadora. É impossível esquecer que a luta maior, continua a ser a luta de classes.



Tiago Barbosa Mafra, é Professor na rede pública e grande companheiro de lutas.



O CLAMOR DAS RUAS E A REVOLUÇÃO PELA ÉTICA

Por Paulo Cássia Pereira

No mês de abril deste ano escrevi sobre os fragmentos da história, os quatro poderes, os acontecimentos políticos, a crise ética e a importância das mídias sociais para dar voz ao povo e formar opinião. Em uma parte do texto dizia o seguinte:
Hoje com os problemas dos partidos e seus aventureiros politiqueiros de última hora, os apadrinhados, os estrategistas políticos com suas ideias mirabolantes de conquistar o mundo (lembra o desenho animado do Pink e Cérebro) escondidos em cargos e ainda o nepotismo nojento, percebemos o inicio do descrédito e o vazio da participação popular...”
É lógico que estamos dentro de um sistema democrático que define suas leis para o funcionamento dos partidos políticos e outras instituições que devem ser respeitadas cada vez mais para o fortalecimento da própria democracia, pois afinal ainda é essa a regra do jogo a ser seguido pela sociedade.
Porém, não é de hoje que percebemos claramente o descontentamento com a classe política, principalmente com os politiqueiros profissionais que abusam nos bastidores dos partidos como se fossem “pequenas empresas e grande negócios”. Agem bem longe da participação popular, por telefone manipulam , tramam, usam pessoas para serem eleitos e ascenderem na política (ninguém é eleito sozinho) e depois viram as costas para o povo e para os próprios companheiros(as) de partidos que também são formadores de opinião. Preferem confiar e se aliar a bajuladores, inimigos ou adversários históricos (forças ocultas). Perdem o rumo pelo qual foi eleito, acham que são vitalícios e fazem conchavos que sejam bons para si mesmos para perpetuarem no poder. Não pensam que suas decisões insanas atrás da mesa repercutirá na vida da dona de casa com seus filhos que aguardam com esperança um mundo melhor. Neste momento eu lembro de uma música cantada no grupo de reflexão das comunidades eclesiais de base “o poder tem raízes na areia...”
Penso que o clamor popular não é ainda para acabar com os partidos ou derrubar governos e que a nossa democracia está em construção, pois a grande maioria sabe que o povo de forma pacífica está dando o seu recado nas ruas que é o parlamento natural no campo das ideias e ações propositivas uma vez que não temos encontrado eco nas instituições. É importante separar o joio do trigo e destacar os movimentos sociais através das organizações não-governamentais que mesmo endurecendo sem perder a ternura são comprometidos com a transformação para “outro mundo possível” e que há muito tempo tem funcionado como um despertador para acordar muitos que estavam no berço esplêndido e hoje estão nas manifestações.
O povo na rua com a juventude na vanguarda é uma advertência aos partidos e seus agentes políticos que precisam fazer uma reflexão e exercitarem a humildade de reconhecer a legitimidade da atitude popular e rever conceitos de que a tendência será a revolução pela ética. Não é hora de retórica ou de discursos inflamados para agradar a plateia e sair lucrando politicamente com a situação. O momento pede para escutar, refletir e ter a sensibilidade de interpretar os acontecimentos.
É importante considerar que a mudança nas áreas de transporte, educação, saúde, segurança e habitação (cinco principais pontos de todos os planos de governos), o problema da corrupção e ainda a reforma política, devem ser urgentes e que a paciência dos cidadãos trabalhadores construtores desta nação está no limite e todos querem o resultado para ontem, demorou! Por isso é preciso arregaçar as mangas e articular com serenidade junto com os anseios populares as verdadeiras mudanças com ações concretas nas políticas públicas.
Paulo Cássio Pereira, é Professor de História na rede pública e grande companheiro de lutas.


quinta-feira, 27 de junho de 2013

A Voz das Ruas e Os Impasses do Lulismo

Como meus parcos leitores já perceberam, ando sem muito tempo para me dedicar ao Dissolvendo No Ar. 

No entanto, ao ler tantas e tantas análises sobre as manifestações que tomaram conta do País (e, aqui em Poços, tenho orgulho de ter participado de uma manifestação com mais de dez mil pessoas e que culminou com a redução da tarifa local do transporte público), decidi replicar essa que vai abaixo e retirei do Viomundo

Sintetizando a leitura dos professores Lincoln Secco  e Antonio David, autores da análise e fazendo justiça a Vladmimr Safatle, que  há algum tempo já vem dizendo a mesma coisa: ou a esquerda radicaliza o discurso  e a práxis ou veremos a direita sair triunfante das ruas jogando no lixo as conquistas dos últimos dez anos.

A Voz das Ruas e Os Impasses do Lulismo

por Antônio David e Lincoln Secco, especial para o Viomundo

Em Botucatu, próspera cidade do oeste paulista, a elite local foi às ruas para protestar no mesmo dia 20 de junho em que a esquerda foi expulsa da Avenida Paulista por militantes de direita. Um metalúrgico de 45 anos vestia uma camisa do Partido Comunista Revolucionário com a foice e o martelo. Dois jovens declarando-se do MPL e sem dizer os nomes mandaram aquele homem retirar sua camisa, pois aquela não era uma manifestação de partidos.

Por que dois jovens que nunca trabalharam e talvez nunca lutaram por nenhuma causa coletiva, podiam se dirigir naquela forma a um operário comunista? Em tempo: não existia até aquele momento MPL em Botucatu.
Os ataques físicos à esquerda partidária e ao próprio Movimento Passe Livre deixaram as esquerdas perplexas. É que há muito ela se sentia dona das ruas. Por mais que repudiemos tais ataques, é preciso dizer que não são manifestos de intelectuais (embora importantes) e defesa do direito democrático de erguer qualquer bandeira que calarão os direitistas nas ruas.

Os militantes mais maduros lembram que em 1988, quando um grupo de carecas de direita tentou invadir um comício de primeiro de maio na Praça da Sé em São Paulo, eles foram violentamente reprimidos pela esquerda. Mesmo nas manifestações maiores era impensável a presença de alguém com símbolos de direita nas ruas. A Direita não se manifestava assim ou o fazia em locais isolados.

Que a esquerda seja reduzida a isto seria lamentável. O primeiro passo para sair do impasse é compreender que há nas ruas uma classe média híbrida, mas claramente influenciada pela mídia conservadora. Suas opiniões são irracionais, embora manipuladas racionalmente pela imprensa.
A composição social da maioria dos manifestantes pelo menos até o fim de junho revelou uma rebelião da classe média com a participação um pouco maior de pobres em algumas regiões do país. Segundo a Folha de S. Paulo, 84% dos manifestantes paulistas do dia 17 de junho não tinham preferência partidária, 71% participaram pela primeira vez num protesto e 53% têm menos de 25 anos. Os estudantes eram 22% entre os manifestantes e pessoas com ensino superior 77%.

A composição social determina a agenda do movimento? A classe média é uma classe em trânsito. Como num ônibus, alguns querem entrar. Mas diferentemente de um ônibus lotado, muitos têm medo de descer. Só uma pequena parcela acredita mesmo que vai ascender rapidamente à classe superior. Ora, uma classe em trânsito é uma classe em transe. Ela é capaz de unir programas opostos num mesmo movimento. Ela pode oscilar para a esquerda e a direita.

Nas manifestações de 2013 é possível que estivessem jovens da classe média tradicional com medo de descer e jovens beneficiários das melhorias sociais induzidas pelo Governo Lula. Estes querem “entrar no ônibus” porque suas expectativas subiram mais do que sua condição social.

O que as manifestações nas últimas duas semanas mostraram? Que havia uma demanda represada latente por radicalização na sociedade. Ou seja, por mais que se esforce e seja parcialmente bem-sucedido na estratégia de arbitragem de interesses, o governo cada vez menos conseguirá evitar a polarização de classe, que agora chegou às ruas.

Aqui é necessário fazer uma digressão. A classe trabalhadora brasileira não é um todo homogêneo. Possui frações. Além do proletariado fabril, cujo paradigma é o metalúrgico, há uma nova classe trabalhadora, predominantemente jovem, que ascendeu via ensino superior privado, que consome mais, tem maiores expectativas, mas não enxerga perspectivas de futuro no mercado de trabalho. Por isso, vive sob tensão. E as ruas mostraram que essa tensão pode ser canalizada tanto pela esquerda como pela direita.

Por outro lado, há uma outra fração da classe trabalhadora, muito superior em tamanho, que ainda vive em condições de pobreza e miséria, e que constitui a principal base social e eleitoral do lulismo. Segundo André Singer, essa fração quer mudanças, mas possui um traço conservador: rejeita a radicalização política, pois associa o tumulto social ao desemprego e à carestia. Para mantê-los a seu lado e favorecê-los, a estratégia dos governos Lula e Dilma consiste em evitar a radicalização. De fato, este setor tem sido beneficiado: a pobreza e a desigualdade estão caindo – o traço conservador está na lentidão do processo.

Mas há aqui um paradoxo. O governo tem razões para evitar a radicalização política: a radicalização suscitaria crises, instabilidade, fuga de capitais etc., o que tenderia a elevar o nível de desemprego e a afetar diretamente o subproletariado. Nessa situação, além do risco de ver bloqueado o processo (lento) de redução da pobreza, essa fração de classe provavelmente enxergaria na direita uma alternativa política; some-se a isso o fato de que hoje a classe média tradicional é, dentre todas as classes, aquela que está se sentido mais prejudicada e tem maior força de ânimo para ir às ruas manifestar seu descontentamento com pitadas de protofascismo, como já ocorreu outrora na história do Brasil.

Porém, na medida em que viabiliza a ascensão social dos de baixo, a estratégia precisa viabilizar a organização e a mobilização da nova classe trabalhadora, caso contrário essa fração de classe poderá optar por alternativas conservadoras – e a explosão que houve agora o comprova. Se a nova classe trabalhadora pender para a direita, não se trata de perder apenas o governo nas urnas. É o processo em curso de combate à pobreza e à desigualdade que será bloqueado.

Dito isso, o impasse da estratégia do lulismo pode ser colocado nestes termos: de um lado, é necessário evitar a radicalização, pois sua base social rejeita a radicalização; de outro, é necessário preparar-se para a radicalização, pois, na medida em que essa base social ascende, a radicalização torna-se inevitável. Mas como preparar-se para a radicalização, senão através da organização, mobilização e luta? A estratégia do lulismo só poderá viabilizar-se se tiver força para superar-se, ultrapassar o paradoxo inscrito nela mesma.

A radicalização ensaiada em 2005 não teve eco nas ruas, só nas redes virtuais. Hoje, tem apoio de massas e aprovação de uma parte imensa dos expectadores. A presidenta Dilma Rousseff parece ter feito dois movimentos ousados. O primeiro é legitimar nas manifestações os interlocutores de esquerda: o MPL, o qual de fato já foi ultrapassado pelas ruas, e o MTST. O segundo movimento da presidenta foi jogar as manifestações contra o Congresso e este já acusou o golpe e chamou a proposta de Constituinte exclusiva de autoritária.

Mais do que bom ou ruim, estamos diante de uma janela histórica. Cabe a esquerda aproveitá-la. Sobretudo ao PT. O problema é que há muito tempo não faz parte da sua estratégia mobilizar a sociedade, pois o lulismo se baseia na acomodação e não no conflito. Voltamos, assim, ao paradoxo. Saberá o PT identificar e assumir a inevitável necessidade de radicalização inscrita em sua própria estratégia de não radicalização?

Lincoln Secco é Professor de História Contemporânea na USP; Antonio David é Pós Graduando em Filosofia na USP