Por
Tiago Barbosa Mafra
Nesse
momento crucial da história, marcado pelo fundamentalismo do pensamento único e
pelo endeusamento das verdades individuais, é perceptível a difusão de
questionamentos e diversidade de reivindicações colocadas para o debate pela
população.
Há uma
gama de especificidades, de grandes grupos que buscam espaço, reconhecimento,
respeito, ao mesmo tempo em que muitos que vão às ruas sem saber ao menos o
porquê, apenas por modismo.
Há
também temas gerais, que aparentemente unem em torno de si a pauta de reivindicações,
como a mobilidade urbana; a reforma agrária; a educação e a saúde. Nessa
miríade surgem os mais diversos seguimentos organizados: jovens; mulheres;
negros, indígenas; portadores de necessidades especiais; aposentados; todos
levantando suas bandeiras e cobrando a melhoria nos serviços essenciais
oferecidos pelo Estado. Aí surge um paradoxo, querem um Estado provedor, mas no
mesmo passo cobram menos impostos.
É
inegável a importância da organização social desses grupos para o
fortalecimento da ação popular, da conquista de novos direitos e aprofundamento
dos já conquistados, além, claro, da busca de ocupação de espaços de poder, o
que, por sua vez, esperamos, possa gradativamente desconstruir o discurso
dominante vigente.
Apesar
de toda essa movimentação salutar, um fator cabe ser ressaltado. O
aprofundamento e ênfase nas reivindicações particulares de cada grupo – o
chamado movimento altermundista – apesar de serem frutos da mesma estrutura
social, têm contribuído para a pulverização ou mesmo fragmentação das demandas
de forma que acabam não se articulando num todo. Na busca de ocupação de espaço
político, não há articulação entre os diversos grupos envolvidos.
E aí,
vem a indagação: há algum fator realmente unificador?
A
discriminação racial, a exclusão, a exploração, a fome, a miséria, a violência
de gênero, a destruição ambiental, a falta de acessibilidade, a mobilidade
urbana tratada como mercadoria e não como direito, fermentados por história
oficial que exclui o povo de seu enredo são frutos do mesmo gerador: o sistema
sob o qual vivemos.
A raiz
de toda a violência estrutural está no modelo socioeconômico que a cada dia
fomenta imperceptivelmente o ódio contra qualquer discurso que destoe do que
está posto pela estrutura buscando criminalizar movimentos sociais, submetendo
tudo e todos à lógica da exploração do mais fraco pelo mais forte, banalizando
a desigualdade e a violência, mercantilizando a vida e a política, expropriando
as pessoas de sua própria existência.
Frente
a tantas manifestações emergindo de uma sociedade até o momento apática (?), é
de suma importância que as conquistas realizadas ao longo dos últimos anos
sejam compreendidas pelos movimentos sociais. É urgente identificar quem serve
a quem e como cada membro político se posiciona no jogo atual.
Há um
contexto social diferenciado do de 30 anos atrás, uma classe trabalhadora
multifacetada, com demandas diversas, mas que cada qual a seu modo sofre com a
exploração. Retomar a luta de classes como fator unificador é questão
prioritária, afinal, a esquerda não pode deixar que a disposição de tomar as
ruas seja capturada definitivamente pelo discurso de retroação que a direita
quer impor à população através de seus dispositivos midiáticos. É urgente uma
resposta autêntica da esquerda, que politize o debate.
Com a
queda do Muro de Berlim a luta de classes como ponto de partida para reflexão e
ação acabou sendo relegada a segundo plano, todavia a única coisa que agrega
todos, seja mulher, homem, homossexual, indígena, negro, portador de
necessidades especiais, é o fato de que alguém sempre se apropria do fruto do
trabalho destes atores. As violências as quais estão submetidos são o fator
unificador.
O vicio
da fragmentação das demandas sociais é resultado do momento de individualização
extrema pelo qual passa o mundo.
A elite
confrontará as manifestações, buscando trazê-las para si com discursos
travestidos de democráticos e que guardam em seu interior ranços de
patrimonialismo e dominação.
Ou
enfrentamos o desafio de sair do escamoteamento da luta de classes pelas
demandas particulares, ou corremos o risco de ser carregados por um processo de
restauração conservadora. É impossível esquecer que a luta maior, continua a
ser a luta de classes.
Tiago
Barbosa Mafra, é Professor na rede pública e grande companheiro de lutas.
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