terça-feira, 2 de julho de 2013

Oportunidade Histórica

De todas as propostas apresentadas pelas instâncias de poder até o momento a fim de responderem as manifestações de julho, a mais ousada e que de fato daria uma resposta a altura das manifestações foi exatamente a de uma Assembleia Constituinte.

Ainda que essa Assembleia viesse a tratar exclusivamente da reforma política – o que parece pouco, mas indubitavelmente já representaria um avanço sem precedentes desde 1988 – seria a oportunidade há muito aguardada para colocarmos o dedo na ferida: como são financiadas as campanhas? como são formadas as alianças com vistas ao horário eleitoral? qual o objetivo de partidos ideologicamente, ou ao menos historicamente, tão discrepantes se unirem numa coligação proporcional? Tudo isso estaria em debate numa Assembleia Constituinte.

Todavia a grita da direita encastelada desde o oligopólio midiático até as mais altas cortes de Justiça, passando por associações patronais, pelo Congresso Nacional, por governos estaduais e chegando aos partidos da chamada “base aliada”, retirou tal proposta da agenda.

De imediato as forças progressistas – ah, quanta saudade de quando o Partido dos Trabalhadores usava em seu vocabulário o termo Campo Democrático Popular! – encamparam a ideia de um plebiscito. Algo sem a abrangência da Assembleia Constituinte, mesmo assim uma ideia altamente democrática e com ares de inovação em nossa democracia formal, cujo teor trará questões objetivas sobre uma reforma política, senão tão ampla, ao menos com potencial de mudar substancialmente o quadro caso algumas de suas propostas sejam acatadas pela população.

Não obstante, demorou menos ainda para que a direita novamente se mostrasse contrária e em ato contínuo iniciasse uma campanha bradando a bolivarização do Brasil e que o mais certo em casos assim seria o Congresso votar em regime de urgência uma reforma política e colocá-la em termos de consulta à população na forma de referendo.

A estratégia da direita é clara, inibir a todo o custo o debate aprofundado sobre a Reforma Política que se arrasta há quase duas décadas num Congresso dominado por interesses privados, enquanto o Judiciário afirma não haver possibilidade constitucional para se convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva ou mesmo um plebiscito popular.

O que a direita  não compreendeu é que o que está posto em xeque pela população que saiu às ruas é exatamente o staus quo, o estabilishment,o  sistema putrefato ao qual a própria direita está umbilicalmente amarrada e não conseguirá se dissociar por mais que tente ou consiga surfar na onda das manifestações legítimas em seu todo e justas no geral. É como se dissessem aos manifestantes: “Fiquem calmos, nós entendemos que vocês estão contra o sistema e cansados dele. Então vamos chamá-lo pra resolver essa questão”.

Por outro lado, a Presidenta Dilma e os partidos de esquerdas parecem ter compreendido que contra o sistema não se coloca mais sistema, mas sim dá ouvidos a sociedade estabelecendo canais de diálogo e de participação mais ativa. Isso me faz lembrar do filósofo grego Cornelius Castoriadis: "As instituições dos dias de hoje enxotam, afastam, dissuadem as pessoas de participar. E, no entanto, em matéria de política, a melhor educação é a participação ativa – o que exige uma transformação das instituições de modo que essa participação passe a ser permitida e incentivada."

Ademais, o PT está sendo obrigado a reconhecer muito antes do que imaginara, que os avanços obtidos ao longo dos últimos dez anos através de uma reforma gradual e de um pacto conservador, como analisou André Singer, relegou a segundo plano as tradicionais bandeiras do próprio Partido dos Trabalhadores. Reformas estruturais sempre defendidas foram esquecidas ou relegadas a terceiro, quarto, quinto plano em nome da tal governabilidade. Foi assim com a própria reforma política, como também a reforma federativa, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma fiscal/tributária (alterando a perversa fórmula brasileira aonde o mais pobre paga proporcionalmente mais impostos que o mais rico), além das reformas sindical e trabalhista (que de fato atendam aos interesses do trabalhador) e das prementes democratização da mídia, taxação sobre grandes fortunas, redução da jornada de trabalho.

Entretanto, a mesma crise do tamanho de um tsunami que perturba Brasília na comemoração do décimo ano em que forças mais próximas à esquerda estão no poder, trouxe consigo uma oportunidade histórica de a esquerda se reencontrar consigo. A oportunidade da esquerda impor-se sobre os interesses conservadores e propor o aprofundamento dos ganhos sociais e a radicalização da retórica e da práxis democrática.

Em suma, para a esquerda, para o Campo Democrático Popular, não há meio termo possível; ou encabeça o processo de mudanças desempenhando o papel que a História sempre lhe reservou de ser vanguarda, ou será engolida pelo tsunami que vem das ruas.


Afinal, embora a direita não compreenda o valor desse tsunami cheio de demandas e reivindicações típicas da esquerda, a pulverização e a difusão de tantas outras demandas somadas a frustração de não serem atendidas pode facilmente torná-lo caldo fascista para uma reação contra a Democracia.

O hino pela mudança

Por Ana Paula Ferreira

Há alguns anos atrás Rita Lee escrevera que “Mais vale um craque de gol do que dois de araque no ministério” e hoje, o Brasil sendo o país acolhedor da Copa de 2014 tem motivos de sobra para mostrar o contrário.
Embora ainda muitos brasileiros acompanhem os jogos da seleção, pode-se dizer que o sucesso atualmente não está nos campos, está nas ruas.
São milhares de brasileiros que foram às ruas de suas cidades com cartazes e multiplicidade de vozes para erguerem suas bandeiras de educação, saúde, respeito às diferenças e transporte público. Foram tantas as demandas que um imenso grupo se erguia, fugia-se do controle e ora se via cartazes vagos e burgueses como “Fora Corrupção!” (De quem? Contra quem? Qual proposta se faz?), ora com faixas conservadoras “A favor da pena de morte!”. Entretanto, isso é a ilustração de uma adormecida mobilização popular brasileira em massa, pós-ditadura.
O mais interessante é que esse movimento foi ganhando corpo e objetivo específico: lutar a favor de um transporte público que caminhe na mesma direção das necessidades do povo.
Sem querer se fazia política!
No meio da multidão se ouvia “Não queremos política”, mas se ignorava que a própria pressão popular é também um ato político. Política não está relacionada a apenas o período eleitoral. É um processo em que grupos disputam o poder e decisões são tomadas para resolução de conflitos no que concerne a bens públicos. O movimento faz política quando se mostra enquanto grupo que usufrui de um transporte público caro e ineficiente e que, portanto, disputa o poder contra os empresários desse ramo. O governo faz a política oferecendo a resposta, seja ela truculenta, figurada na tropa de choque de Alckmin, ou ainda na ridícula liminar de Anastasia, proibindo manifestações em época de Copa das Confederações. Mas, política pode também ser uma tomada de posicionamento dialógico, que busca atender as demandas da população. E quando a presidenta Dilma retira impostos sobre as empresas de transporte público, ela cumpre esse papel de diminuição da tarifa.
Se estivéssemos no mundo Antigo poderíamos dizer que estamos armados junto com Ares, o deus grego da guerra. Não que estejamos depredando patrimônio, ou agindo com violência. Contudo, muitos estão inflamados pela ação de participar, sob a agitação da pressão popular e o anseio da antítese. Vivenciamos um momento histórico em que cantamos o hino nacional nas ruas, que longe de dar início a um jogo futebolístico, está na verdade abrindo as portas para a voz do povo, que ama seu Brasil e clama por mudanças.
Essas mudanças não vêm apenas com milhares de pessoas indo às ruas. É ingenuidade pensar assim. Talvez por isso os gregos tenham inventado Atena, contraponto de Ares. Essa deusa, embora seja pertencente ao sentimento de guerra, age com inteligência, sabedoria e negociação.
Enquanto povo, vimos nossa força nas ruas. Vimos que somos sujeitos de nossa história e dos que virão. Vimos que somos atores desse grande palco, mas que sem a sabedoria de Atena não conseguiremos dar ênfase a pontos chave. Será apenas uma grande massa desorganizada e desarticulada. Por isso, não tem como fugir da política: precisamos de representantes que respondam por nós em políticas públicas de qualidade.
Façamos, portanto, que Ares e Atena estejam com o povo nessa empreitada!
Ana Paula Ferreira é Pedagoga, Coordenadora Pedagógica do Pré Vestibular Comunitário Educafro e professora da rede municipal de ensino de Poços de Caldas.