Por
Tiago Barbosa Mafra
O
processo eleitoral que se encerra trouxe definitivamente à tona a
disputa em voga na sociedade brasileira. O processo redistributivo e
a mudança efetiva nas condições de vida dos trabalhadores,
iniciada há 12 anos, fizeram com que as pautas de reivindicações
adquirissem um patamar superior, em busca de serviços públicos de
maior qualidade, uma vez supridas em parte as demandas mais
elementares.
Venceu
nas urnas a proposta apoiada pelos movimentos sociais e pela
militância que sentiu a obrigação de tomar as ruas em sua defesa.
São esses movimentos que conseguiram canalizar as “jornadas de
junho” e suas demandas, pedindo dentre outras coisas, mais
participação popular e a reforma política profunda, com supressão
do financiamento privado das campanhas eleitorais, mudanças nas
formas de coligação e alianças entre os partidos.
Os
movimentos sociais cobrarão agora, após papel decisivo no segundo
turno do processo eleitoral, uma radicalização em direção às
mudanças estruturais tão necessárias para seguir combatendo a
desigualdade e fortalecendo a democracia. Têm como pauta central, a
reforma política a ser conduzida com participação ampla da
população (após quase 8 milhões de votantes no plebiscito
popular) e o controle social da mídia, em voga em países ditos
“desenvolvidos” e chamado de “censura” ou “controle
bolivariano” pelos que tem ojeriza à efetiva participação
popular nas decisões políticas.
A
elite vê com medo qualquer ato em direção à distribuição do
poder decisório e de execução, algo que tomou para si como
privilégio do qual não quer abrir mão. Estaríamos a caminho da
ditadura do proletariado? Talvez ai resida a raiz da onda histérica
anti-PT, propagada pela classe dominante através de seus meios de
comunicação de massa e adotada, infelizmente, por muitos
trabalhadores conforme apontou o resultado apertado do pleito de
domingo (26).
Sintomaticamente,
na primeira terça (28) após a reeleição, a Câmara dos Deputados
derrubou o decreto do Executivo Federal que instalava os conselhos de
participação popular como mecanismo de empoderamento e controle
social. Isso antes mesmo da posse do novo congresso, onde será mais
difícil consolidar alianças e avançar em questões de
aprofundamento das reformas estruturais como querem os movimentos
sociais, tendo em vista o perfil mais conservador dos representantes
que passarão a compor as duas casas legislativas em 2015.
Isso
posto, urge ao campo democrático popular, mas em especial ao Partido
dos Trabalhadores, repensar sua prática enquanto organização
representativa, como partido dirigente e como vanguarda das
transformações sociais e anseios populares que foi e que em certa
medida ainda é. Cabe perceber que tal papel tem sido deixado em
segundo plano para priorizar adequações às lógicas em vigência
na disputas leitorais. Prima pelo poder formal, institucional e deixa
de lado seu estatuto, as bases e a vontade dos filiados, militantes e
demais grupos progressistas que historicamente o apoiaram. Para não
se igualar aos demais partidos brasileiros, terá que se reinventar,
como ressaltou Tarso Genro ainda durante o processo eleitoral.
A
luta de classes está evidenciada. A disputa das ruas e das
mentalidades também. A direita apropria-se do sentimento de
necessidade de mudança da população, sem ao menos qualificar quais
mudanças pretende. A população, a classe trabalhadora, sem
referenciais em razão do afastamento e da deficiência de
representatividade, divide-se entre a opção pelo projeto de
continuidade da melhora dos últimos anos e uma proposta de mudança
que não se sabe ao certo qual.
Cabe
aos setores mais progressistas continuar e aprofundar a participação
nestas disputas. Aos partidos, em especial ao PT, a autocrítica e a
reorganização. Ao governo, optar pela composição que aprofundará
o status quo ou a tentativa de colocar em marchas mudanças mais
profundas na sociedade brasileira e comprar briga com o congresso
mais conservador desde 1964. O poder está em disputa, no intento de
conter os impulsos raivosos e totalitários da elite que acusa seus
adversários de “bolivarianismo” para manter intacto seu
patrimônio. Como ensinou Hannah Arendt, “onde se esvai o poder,
sobressai a violência”.
Encerro,
com a ainda atual reflexão de Florestan Fernandes: “Contra as
ideias da força, a força das ideias”.
Tiago
Barbosa Mafra é companheiro de lutas populares aqui em Poços de
Caldas, professor de Geografia da rede pública municipal de ensino
e coordenador do pré vestibular comunitário Educafro.