Por
Tiago Barbosa
Mesmo após quase 20 anos dos governos
chamados progressistas estarem à frente de diversos países da América Latina,
os problemas estruturais historicamente formados ainda afligem grande parte da
população da região. Ainda somos 167 milhões de latino americanos na pobreza e
71 milhões na indigência, segunda dados da CEPAL (2014).
Frente a essa situação agregam-se ainda
o processo de internacionalização da economia e as mudanças nos modelos
produtivos e de organização do trabalho, produtos da globalização e das formas
de adequação do capitalismo na busca de mais acumulação e lucro. É nesse
cenário que identificamos o que o pensador português Boaventura de Souza Santos
chama de “zonas livres de democracia”, as áreas onde as instituições
democráticas “(...) coexistem com
práticas totalitárias que impedem ou interrompem os processos de transformação
democrática”. O autor, ao tratar sobre o êxito dos governos progressistas
na região, demonstra a fragilidade das conquistas das últimas décadas,
justamente porque não houve logro em criar uma outra mentalidade democrática a
partir desses governos.
Criam se assim, as zonas livre de
democracia, áreas onde o fascismo impera em diversos aspectos do cotidiano,
para além do âmbito da democracia formal, ou, a burocracia do voto. Em seu
texto Cidadania y democracia en Bolivia
(2015), Álvaro Garcia LINERA chama a atenção para a escassez de vivência
política do povo na Bolívia, mas que se aplica à realidade de grande parte dos
países da América Latina. LINERA aponta que “(...) tenemos que el tiempo democrático de la vida social se comprime a su
mínima expresión, mientras que el tiempo de la arbitrariedad estatal se amplia
en términos absolutos”.
Os fascismos cotidianos e a estrutura de
construção da consciência coletiva subserviente, individualista e avessa à
participação dão o toque final às democracias de baixa intensidade, com espaço
político democrático, mas com os demais âmbitos da vida dominados pelas marcas
do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado. Seria o que o geógrafo Milton
Santos e o escritor Ignácio Ramonet, dentre outros, nominaram de
GLOBALITARISMO. Um mundo economicamente globalizado, mas socialmente desigual,
culturalmente homogeneizador e politicamente refém das grandes corporações
financeiras e transnacionais. Um totalitarismo atualizado, dentro dos moldes do
século XXI, garantidor da manutenção e ampliação dos ganhos dos mesmos de
sempre.
O capitalismo globalizado e o modo de
vida que acaba por impor, traz ainda a visão de crise contínua, com seus
receituários próprios da necessidade de contínuos ajustes fiscais, austeridade
e “esforços coletivos” que normalmente afetam os setores sociais e as camadas
mais pobres de nossos países. Uma visão única dos processos, que por si
carregam as visões únicas de alternativas disponíveis. Afirma BOAVENTURA: “Por isso estamos em uma situação quase
contraditória, porque quanto mais necessária é a alternativa, mais difícil é
pensar e criar essa alternativa”.
Nesses tempos de novos totalitarismos,
estabelecem se os padrões ocidentais, eurocêntricos, e a cargo das
transnacionais, que operam as novas formas de imperialismo, não mais sob a
batuta dos Estados, mas sim das mega-corporações. Nessa “aldeia global
totalitária”, à massa cabe apenas o trabalho e não a vida pública, em relação à
qual tem apatia ou repulsa.
LINERA salienta o quanto o passado
subserviente da população lhe condiciona a não participação política. Primeiro
com os processos excludentes da primeira constituição, onde pobres, indígenas,
crianças e velhos estavam fora dos círculos de “cidadania”. Posteriormente, a
cidadania se dava por meio da filiação sindical, instrumento através do qual se
fazia chegar aos governantes as demandas populares. E por fim, o modo
contemporâneo da vida política com eleições democráticas, onde a vivência
cidadã se restringe ao voto, como citado anteriormente. O autor inclusive caracteriza
a cidadania moderna como sendo irresponsável, na medida em que a vida política
se converte em uma cerimônia burocrática de poucos instantes, de tempos em
tempos, por meio da delegação da decisão a outrem que não o cidadão. Nesse
modelo os partidos são os mandatários, uma elite política a quem cabe o
exercício delegado do poder.
Novamente, é urgente a necessidade de
uma saída, um desafio da democracia como algo constante, de intensa e duradoura
mobilização na tentativa de efetivar direitos e reduzir as desigualdades. “O poder constituinte do futuro terá um pé
nas instituições e um pé na rua, na ação direta e pacífica” (BOAVENTURA).
Uma ampliação da cidadania depende “(...) de
un arranque de iniciativa social que reinventaria el significado de ciudadania como
acto de responsabilidad permanente de cada persona en el destino de lás demás”.
O indicativo é justamente para que se
busque, em cada espaço, em cada lugar, a construção de espaços de resistência,
de ilhas de democracia, capazes de a princípio resistir, se multiplicar e
buscar modificar a lógica à qual estamos submetidos atualmente, um mundo de
múltiplos fascismos aceitos como normalidade.
Por
Tiago Barbosa Mafra – professor de Geografia na rede pública municipal e membro
do Pré Vestibular Comunitário Educafro.
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