Ano passado, nesse mesmo período, o vôo 3054 da TAM explodia causando comoção em todo o Brasil e a oposição farisaica aproveitava a situação para vilipendiar o governo federal gerando inclusive o movimento Cansei. O movimento deflagrado após o citado acidente que vitimou centenas de pessoas, a maioria de classe média – pois por mais viável e barato que tenha se tornado o transporte aéreo nos últimos anos, ainda é um meio de transporte inacessível para quem se preocupa em pôr comida na mesa todos os dias –, contava com um número grande de personalidades empenhadas, entre outras coisas, na investigação sobre os motivos que levaram ao fatídico acidente e um outro no final de 2006. Então quando Ana Maria Braga, Ivete Sangalo, Regina Duarte, Hebe Camargo e congêneres se uniram em coro sob a batuta de João Dória Jr. no tal movimento, estavam na verdade se unindo em torno da defesa de classe.
Também há cerca de um ano o filme Tropa de Elite do cineasta Antônio Padilha fazia enorme sucesso nas bancas de camelô e depois nas telas do cinema. Na película de Padilha pobre é tratado como a “elite branca” – termo criado por um de seus pares – gosta, ou seja, como pobre. A polícia na trama de ficção tentou ser a mais verossímil possível e mostra torturas, assassinatos e outras práticas perpetradas pelos heróis fardados. Não é de se espantar que a classe média bata palmas efusivas e fique extasiada com a forma encontrada pelo capitão Nascimento para tratar os favelados da ficção, pois é exatamente assim que gostaria de vê-los tratados na vida real.
Já no final do último ano o governador fluminense Sérgio Cabral, responsável por uma “limpeza” social no Rio de Janeiro, recusou-se a receber representantes da ONU vindos ao Brasil a fim de averiguar denúncias de arbitrariedades praticadas pelo estado contra os direitos humanos. A classe média, óbvio, ovacionou o chefe-do-executivo por tal ato de “soberania”.
A polícia carioca mata numa noite de sábado dezenas de jovens pelos mais diversos motivos, ceifa vidas e enlutece famílias, sem que nenhuma providência mais profunda seja tomada. E se isso já não fosse o suficiente para uma sociedade que se diz “civilizada”, agora também o Exercito abdica de suas funções de segurança nacional e vai proteger obras públicas para um Senador ligado a no mínimo polêmica e nebulosa Igreja Universal do Reino de Deus, e aproveita para fazer um pequeno acerto de contas com a comunidade que supostamente teria escondido armas e munição roubadas de um paiol militar em 2006, ano em que o Exército ocupou o Morro da Providência pela última vez.
Quero chegar ao seguinte ponto, como os três jovens covardemente entregues a um bando de traficantes de uma outra comunidade por militares eram moradores do Morro da Providência e não do Leblon ou da Barra, o interesse/pressão da classe média e do PIG sobre a elucidação do caso não passa dos limites da futrica política. Enquanto houver terreno para vincular o caso ao governo federal diretamente ou ao senador Marcelo Crivela e a IURD – hoje com fortes laços junto ao Palácio do Planalto – os jornais darão o espaço e manchetes necessários para manter o caso aceso e bater em seus adversários. Não há então nenhuma razão humanista de justiça ou civilidade quando tratam do caso. Basta ver o tom distinto dos noticiários, a forma vil como o governo foi acusado de causar o último acidente da TAM – uma companhia aérea que coleciona acidentes horrendos – contrastando com a forma quase banal que cobrem o crime cometido por militares.
Talvez um dos motivos também resida no fato de o atual Ministro da Defesa, Nelson Jobim, tratar-se de um prócer da classe dominante, não sendo de se espantar ser desavergonhadamente poupado de críticas.
Mas o que realmente está no cerne dessa questão é o velho e conhecido preconceito de classes. A classe dominante mostrasse unida e organizada em torno da manutenção dos seus direitos e do status-quo. Portanto esperar que João Dória Jr. organize um movimento em prol dos favelados do Morro da Providência é viver em outro mundo. Ele está mais para organizar um movimento em prol, isso sim, dos cãezinhos poodles impossibilitados por algum motivo maior de tomarem banho de ofurô semanalmente.
2 comentários:
Sobre o caso do “Morro da Providência”
Em 07/08/08
Ao amigo Hudson:
Ao ser anunciado, pelas hostes do governo federal, um investimento nos morros do Rio de Janeiro imediatamente a mídia ligada ao governo deu a entender que obras de elevadores seriam feitas em alguns deles – elevadores para a população das “favelas” descerem e subir as íngremes ladeiras vencendo os becos com mais conforto. Tudo aí andava de acordo com o “PAC”. Só que já faz meses o anuncio. Mas bem, os moradores dessas “favelas-bairros” fazem jus ao conforto só oferecido aos habitantes do asfalto.
Todos os brasileiros conhecem a “política interna” desses morros totalmente entregues às mãos de traficantes. Sabem da rivalidade existente e não desconhecem as batalhas entre facções que se homiziam no alto dessas favelas. Lá existe uma verdadeira “Lei do Cão” e um tribunal de facínoras que julga pela manhã, condena e mata no mesmo dia. E o governador do Rio – Sr. Sergio Cabral – recusou-se a receber representantes da ONU (diga-se de passagem, sem desejar defender nem o governador do Rio nem a elite que aplaudiu o seu gesto), essa entidade internacional não está com nada em matéria de “brigar” pelos Direitos Humanos. Nada disse nem ergueu sua voz para impedir a invasão ao Iraque. Terá sido o gesto do governador conivente aos traficantes ou foi mesmo por indiferença à “elite branca”?
O fato é que assistimos, por todos os meios da mídia nacional, a verdadeira hecatombe porque passou o nosso maior símbolo da manutenção à ordem e à segurança dos cidadãos brasileiros: o nosso exército. Diz-se haver “acordos” [que seriam espúrios] entre esse símbolo e a bandidagem dos morros. Isso ficou provado(?) no caso vergonhoso arquitetado por oficiais e praças – representantes de nossas Forças Armadas, no caso o exército – ao entregarem às mãos de bandidos de um outro morro três rapazes sem passagens pela polícia, ou que algum crime pesasse sobre eles. Ainda que tal existisse, caberia aos soldados – militares do nosso exército – entregar os jovens a uma Delegacia de Polícia, e não à mão de um Tribunal assassino.
Mas o que se pode esperar de uma sociedade que não se levanta contra “dignos senhores” como Lalau, Cacciola (vem aí para “passear pelo Leblon ou para ser julgado, condenado e jogado no fundo de uma cela”?) e outras centenas, e talvez milhares, de cidadãos que cometem crimes contra os cofres públicos, arquitetam falcatruas, levam a efeito os mais descarados “golpes” contra os verdadeiros cidadãos, honestos e indefesos. Quantos parlamentares, promotores públicos, outros juízes, empresários, funcionários públicos federais, estaduais, e o diabo a quatro, foram dar com os costados na cadeia? E os golpes aplicados contra os idosos por elementos das financeiras e bancos? Estamos cheios dessas imundícies contra quem não sabe como se defender – os nossos pobres e desrespeitados idosos brasileiros. Arrancam-lhes todos os dados – que deveriam ter o selo do sigilo – com a facilidade de quem tira um doce a uma criança, e os usam para seus meios ilícitos. Não me venham dizer que não há aí a mão de gente da direção dessas agências financeiras. Quem lhes dá acesso a esses dados?
Pois é: ninguém sabe responder a nada! As autoridades se calam, de estupor, vergonha ou por manterem vínculos a esses ladravazes impunes? O caso do “Morro da Providência”, gerado pela incúria criminosa desses militares e, quiçá, associados, quiçá, a esses “justiceiros”, não poderá ser esquecido. Já se acham em julgamento o oficial e os seus subordinados que só “desejavam dar uma lição aos moços”. Foi o mesmo que jogar um boi sangrando num rio de piranhas ou dar a um terrorista um cinturão com explosivos, para as suas “farras”. É de se esperar que um Tribunal Militar julgue esses péssimos exemplos de mau caráter, envergando e conspurcando a gloriosa farda verde que se bateu valorosamente na II Grande Guerra, em campos da Itália, na tomada ao Monte Castelo, em mãos dos “inimigos” das Forças Expedicionárias Aliadas.
Um abraço.
Morani
Fernando Rosa disse:
E vc acha que existe alguma chance de melhorar? Espere sentado! Ou melhor, deitado. Há um livro muito interessante que trata da "favelização global" onde o autor descreve o futuro abandono total das comunidades faveladas, que seriam entregues a própria sorte e isso em escala global. Não li a íntegra e estou a procura do dito. É, no mínimo, interessante.
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