quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Brasil nada olímpico

Mais uma Olimpíada chega ao fim e com ela mais uma “frustrante” participação brasileira. Afinal de contas, frustrante para quem? Não para mim cara pálida. Explicarei, antes vale ressaltar o caráter extremamente comercial dos jogos olímpicos que há muito perderam seu objetivo lúdico, ou melhor, venderam o objetivo junto com a alma ao deus Mercado. Se durante as Olimpíadas na Grécia Antiga pobres mortais buscavam uma aproximação com os deuses do Olimpo, hoje os atletas apenas se ajoelham perante o onipresente deus “Mercado”. Medalhas, recordes, superação, tudo não passa de estampa para obtenção do louro olímpico pós-moderno, um bom contrato publicitário com uma marca esportiva, ou com outra de equipamentos eletro-eletrônicos, ou de refrigerantes, ou da industria automobilística ou do que quer que seja, o importante é não perder os “bilhões” de dólares guardados para os laureados.

Os jogos Olímpicos há muito também – como toda a competição esportiva – segue critérios políticos – não que esses estejam desvinculados dos critérios comerciais, mas quando se consegue conjugar ambos em plena harmonia, tanto melhor – como ficou explícito na escolha de Pequim para sediá-los esse ano. Uma cidade poluída, o que já denotaria falta de condições para prática esportiva. No entanto Pequim é capital do país que vem se firmando como a grande potência comercial e econômica do século XXI. É sempre assim, critérios políticos ou comercias, no caso de Pequim ambos se completam. Em 1996 por exemplo, no centenário das Olimpíadas modernas, Atenas, capital grega e muito antes de Cristo o berço dos jogos olímpicos, viu Atlanta, capital da Coca-Cola, levar os jogos. Na verdade a Coca comprou aqueles jogos como verdadeira mercadoria que o são.

Pra mim Olimpíada era gostoso mesmo quando acontecia àquela briga entre União Soviética e EEUU para saber quem ficaria a frente no quadro de medalhas, pelo menos era um atrativo à parte. Em 1988, torci muito para os soviéticos terminarem com mais medalhas de ouro em Seul, o que de fato ocorreu. Hoje, essa disputa ente China e EEUU não me empolga. Acho-a um tanto vazia, uma vez que os atletas chineses pouco ou nada diferem dos estadunidenses. A mesma Nike responsável por trabalho escravo, banca astros como o estadunidense ídolo na NBA LeBron James e o herói nacional chinês Liu Xiang, atleta dos 110 metros com barreira. Além do mais, tenho severas críticas quanto ao método de treinamento elaborado pelo governo chinês e o total isolamento de alguns de seus atletas olímpicos. Se é verdade, e o é, que a China de certa maneira deu ao esporte o status de política de estado e não poupou investimento nisso, também é verdade que atletas chineses passaram por um regime draconiano para serem apresentados com um objetivo exclusivamente político por seus mandatários.

Quanto à melancólica participação brasileira na China, fica mais uma vez claro, infelizmente, que a total falta de políticas voltadas para a prática esportiva, enxergando-a como ferramenta de inclusão social e cultural, em nossas escolas públicas – digo isso com a autoridade de professor de escola pública e ex-aluno de tal – não poderia nos levar a resultado melhor do que as parcas medalhas trazidas por nossos atletas. O governo federal, parece até brincadeira, através do Ministério dos Esportes investiu uma quantia razoável em atletas de alto rendimento, ao passo que segue sucateando escolas públicas.

Por isso, pedir investimentos em práticas de iniciação esportiva é pedir demais, se em muitas de nossas escolas não têm sequer biblioteca, giz ou professor!!!

A pífia participação brasileira em jogos Olímpicos está umbilicalmente ligada a outros fatores. A falta de seriedade no trato com a educação e o não entendimento que essa, ao lado do esporte e cultura, forma um trinômio e são indissolúveis, nos relega a resultados iguais ou piores que os trazidos de Pequim.

1- Relatório da Unesco, de 2007, atendo-se à qualidade da educação, mostrou que mais da metade de nossos estudantes sequer sabe ler. Revela também que entre os 45 países pesquisados, o Brasil é o último em gastos públicos com educação.

2-O país gasta anualmente US$ 1.303 por aluno; média da OCDE é de US$ 7.527. O Brasil é o que menos gasta com educação dos 34 países analisados por um estudo da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto o país gasta US$ 1.159 (R$ 2.213) em estudantes primários (à frente apenas da Turquia, que gasta US$ 1.120, o equivalente a R$ 2.139) e US$ 1.033 (R$ 1.973) em estudantes do ginásio e segundo grau (o mais baixo).


3- A carga horária média nas escolas é quatro horas, quando, considerando o ambiente adverso em que os mais pobres vivem, o horário integral já deveria ter sido implantado.


4- O acesso à cultura ainda é muito desigual no Brasil. Dados do IBGE mostram que os 10% mais ricos são responsáveis por cerca de 40% de todo o consumo cultural. E, além da desigualdade de renda, há também a desigualdade espacial: as regiões metropolitanas concentram 41% desse consumo.

Prova que não somos tão ruins apenas no quadro de medalhas olímpico e que enquanto o governo nas suas distintas esferas – municipal, estadual e federal – não se conscientizar do problema educacional brasileiro, investindo pesado na formação de cidadãos e não gastando bilhões com federações esportivas – entidades cuja transparência e democracia nunca se fizeram presente e onde inexiste fiscalização sobre os recursos públicos a elas repassados – ou com obras megalomaníacas como sediar o Pan, Copa do Mundo ou – Deus nos livre – Jogos Olímpicos, o Brasil continuará no rodapé tanto do esporte, quanto da educação e da cultura mundial.

4 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Fernando Roas escreveu em 28/08/08
Prezado Hudson.
Pior do que a melancólica participação do Brasil é a participação ufanista da mídia brasileira criando expectativa impossíveis de se realizarem. A mídia em geral é usada politicamente, se tudo der certo e com uma superdose de sorte, para mostrar ao povão, analfabeto e sedento de notícias boas (mesmo que não resolvam em nada os seus problemas) que governos estão agindo e que esporte é "cultura" e portanto estamos todos mais cheios de saber. Fracassamos e portanto continuamos com longas orelhas.

Lucas Rafael Chianello disse...

Hudson, parabéns pela redação. Na verdade, a nossa formação política nos ensina não ser recomendável comparar contextos diferentes. Entretanto, muito interessante o paralelo feito por você entre a URSS e a atual China. Realmente há uma denotação diferente sobre como desenvolver a atividade esportiva. Enfim, basta olhar os quadros de medalhas nos tempos da Guerra Fria e ver que além da URSS, países socialistas sempre estavam entre os 10 primeiros medalhistas, como a Alemanha Oriental (que até hoje possui mais medalhas que a Ocidental e a unificada, inclusive ouro no futebol), a Romênia, além de Cuba, é claro.
Parabéns pelo realce do contraste comercial dessa Olímpiadas. Primeiro discute-se se a seleção usará camisa da Nike ou da Olimpikus, para depois questinar a representatividade do país. E por último, concordo plenamente com o posicionamento de que o Brasil somente será uma potência olímpica quando o esporte for desenvolvido com estrutura nas escolas públicas e se tornar política de Estado. Um abraço,

Lucas Rafael Chianello

Blog do Morani disse...

EM 29/08/08

Pezado Hudson:

Em primeiro lugar, registro neste espaço, de maneira muito sóbria, ao mesmo tempo estupefacta, meus cumprimentos pela excelente abordagem à participação dos nossos atletas na última Olimpíada em Pequim. Não há muito o que dizer se tudo já foi dissecado pelo amigo, com a habilidade de um cirurgião, sobre o desastre recente naquela efeméride na China.
Tanto o senhor Fernando Roas como o nosso conhecido e estimado senhor Lucas Rafael Chianello, confirmaram de maneira inteligente
seu lúcido comentário.
Sendo solidário aos três, abstenho-me a dar qualquer outra configuração ao assunto e aplaudindo, de pé, os esclarecimentos às razões das falhas e da pífia participação do Brasil no evento olímpico. Um grande e agradecido abraço pela oportunidade.
Morani