quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A Cidade Administrativa e "o povo que paga"

Por José de Souza Castro na NovaE
http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=605

Nesse esforço de manter os leitores informados sobre a Cidade Administrativa a ser inaugurada oficialmente dia 4 de março, começo a sentir-me como um tratador de elefantes no zoológico. É que não consigo diferenciar, mentalmente, a maior obra do governo mineiro e aquele elefante branco que o professor Fernando Massote, no artigo “O Faraó Aécio Neves”, em junho passado, viu como o espectro de uma pirâmide, pois construída para preservar para a eternidade, como se Egito fossem as Minas Gerais, a glória de nosso governador – e “cujo custo é sempre e covardemente o povo que paga”.

Essa última frase voltou-me à memória, no último dia 18, ao ler notícia assinada pelo repórter Breno Costa, da Agência Folha em Belo Horizonte, dizendo que uma disputa judicial estava atrasando a inauguração da Cidade Administrativa, orçada em R$ 1,2 bilhão.

“Mais de um ano após iniciar processos judiciais de desapropriação de cinco glebas ao redor do terreno de 840 mil m2 onde é erguida a estrutura da Cidade Administrativa, a estatal Codemig (Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais) ainda não obteve a posse de nenhuma das áreas, de tamanho total equivalente a 120 campos de futebol. Entre elas está o terreno onde desembocará o túnel que dará acesso à Cidade Administrativa, por baixo da rodovia MG-010, que liga Belo Horizonte ao aeroporto de Confins. A obra, orçada em R$ 68,5 milhões, está paralisada”, revelou o jornal paulista.

Pelo andar da carruagem, o povo vai ainda pagar mais caro, como veremos.

Conforme apurou o repórter, são cinco áreas em processo de desapropriação. Os donos dos terrenos, entre eles o Banco Santander e construtoras, não concordaram com o preço estipulado para a indenização, de R$ 27,24 por metro quadrado, e entraram na Justiça. Para justificar o preço, foram apresentados, em novembro de 2008, laudos feitos pelo governo em 2005.

Aparentemente, só o governo não sabia que o anúncio da instalação da Cidade Administrativa provocaria uma desenfreada especulação imobiliária na região, a 18 km do Centro de Belo Horizonte. Como é o povo que paga, não se preocupou em assegurar antes a posse definitiva dos terrenos. “Até agora, a Codemig não obteve a posse de nenhum dos cinco conjuntos de área alvos das ações de desapropriação, num total de mais de 1 milhão de metros quadrados”, apurou Breno Costa.

Segundo ele, os proprietários, “com laudos periciais mais recentes, querem até R$ 600 por m², o que poderia elevar a indenização para a casa dos R$ 400 milhões, ante os cerca de R$ 30 milhões pretendidos pela Codemig”.

Ou seja, em vez de R$ 1,2 bilhão, “o povo que paga” vai desembolsar cerca de R$ 1,6 bilhão.

Nos tribunais, conforme apurou o mesmo repórter – o único da grande imprensa interessado nesta questão – o governo acusa os laudos periciais de serem "equivocados e tendenciosos". Os proprietários, por sua vez, afirmam que a Codemig invadiu área particular – aquela em que está sendo construído o túnel de acesso à Cidade Administrativa, ao custo de R$ 68,5 milhões. Em 16 de dezembro passado, a juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública de Belo Horizonte, Mariângela Faleiro, arbitrou em R$ 150, por metro quadrado, o valor a ser pago provisoriamente pelo governo. Ou seja, 25% do que pretendiam receber os proprietários, mas quatro vezes mais que o oferecido inicialmente pelo Estado. A decisão não agradou, e os proprietários pediram revisão do valor para R$ 319. Em outras duas áreas desapropriadas na vizinhança da Cidade Administrativa, decisões do juiz de primeira instância favoráveis ao governo foram derrubadas pelo Tribunal de Justiça.

Ultrapassada essa batalha, quando o for, “o povo que paga” vai assistir – se é que vai, pois a imprensa não trata dessas questões menores que só servem para aborrecer ao nosso governador – um outro espetáculo: o do repasse à iniciativa privada das áreas desapropriadas, para construção de shopping center, hotel e prédios de escritório, como forma de viabilizar o funcionamento da Cidade Administrativa.

Nem vamos entrar agora nessa questão e nem mesmo se é correto o governo declarar de utilidade pública e desapropriar um imóvel que será usado depois para atividade típica da iniciativa privada, como exploração comercial. Há quem ache isso um desvirtuamento da atividade do poder público.

Enquanto isso, no dia 28 de janeiro, Aécio Neves anunciou o cronograma para a mudança do governo para a Cidade Administrativa, enquanto a briga na Justiça continua. O grande interesse da imprensa mineira e nacional, hoje, é quanto o governo de Minas, via Codemig, vai gastar para anunciar a inauguração da Cidade Administrativa. Há grandes expectativas. A agência de publicidade encarregada da divulgação vem sendo assediada por gerentes comerciais de jornais, revistas, rádios e televisões.
Não sei se haverá frustrações, mas como é o povo que paga...

No dia 22 de fevereiro, primeira segunda-feira depois do Carnaval, começa a transferência dos primeiros servidores para a Cidade Administrativa, os que trabalham na Governadoria, Vice-Governadoria, Secretaria de Planejamento e Gestão, Secretaria de Governo, Gabinete Militar, Núcleo do Programa Estado para Resultados e Sistema Estadual de Meio Ambiente. Conforme Aécio Neves, o objetivo é migrar todos os órgãos e entidades até outubro deste ano, estimando a transferência de 1.800 a 1.900 servidores por mês.

O governador não espera reações desfavoráveis dos servidores, porque aprendeu com JK, que enfrentou sabiamente a questão de fazer com que o barnabé trocasse sem bufar o Rio por Brasília, nos anos 60. Os transferidos receberão benesses (pagas pelo povo, mas deixa pra lá, quem se importa?). Lei aprovada pelos deputados e sancionada por Aécio Neves no dia 7 de janeiro permite reduzir em até 25%, no ano de 2010, a jornada de trabalho dos servidores transferidos, das administrações direta e indireta, sem perda salarial. Para chegar ao novo local de trabalho, o trabalhador poderá ir de metrô até a Estação Vilarinho e lá pegar um ônibus gratuito.

E o povo que paga? Para ele, não está previsto transporte gratuito. Mas quem, em sã consciência, se não for empreiteiro de obras públicas (ou candidato a tal), viajará até essa cidade fantástica na esperança de ser atendido pelo governo? Os poucos serviços oferecidos ao pagador de impostos certamente não estarão ali. A Cidade Administrativa não foi construída para o povo, mas para os burocratas do governo. E para mostrar à posteridade a grande obra – de 1 bilhão e 600 milhões de reais – daquele que governou Minas Gerais por oito anos, até 2010.

Por sorte dos que vão ser transportados ao longo da vida funcional futura no lombo deste elefante branco, a pirâmide de nosso faraó não foi construída em meio a um deserto. Em vez de extensões monótonas de areia, o que se vê é uma paisagem composta por lagoas, por belos edifícios projetados pelo escritório de Oscar Niemayer, por uma alameda com 146 palmeiras e por jardins com 33 mil mudas de orquídeas-bambu (Arundina bambusifolia). Um paraíso deitado às margens não tão plácidas da MG-10 a caminho do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, mais conhecido por Confins.

Ah, o governador anunciou também, no dia 28 de janeiro, que a inauguração oficial será no próximo dia 4 de março, “data em que o ex-presidente Tancredo Neves, que dá nome à Cidade, completaria cem anos de nascimento”, como destacou o jornal “Estado de Minas”.

Ah, o povo! Esse bom pagador de impostos, nunca devidamente homenageado...

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