Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina – Cepal – o Brasil possui 49 milhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia. Para erradicar a miséria e reduzir a pobreza um dos poucos e mais eficazes métodos conhecidos é a implantação de políticas públicas de transferência de renda para o estrato economicamente mais baixo da população. É preciso promover um jogo de soma zero: se você põe de um lado, tem que tirar de outro. E uma das melhores formas de se fazer isso é, na visão do economista e presidente do Ipea Marcio Pochmann, adotar uma política agressiva de ganho real do salário mínimo.
No entanto mesmo consciente, espero eu, da importância de políticas de transferência de renda tendo o salário mínimo como um de seus pilares, na última semana vimos parte da esquerda comemorar a vitória do governo na votação do novo salário mínimo.
Para mim em particular foi vergonhoso ver o Estado dirigido por antigos militantes de esquerda passar por sobre a classe trabalhadora da forma como foi. Em nenhum momento me pareceu motivo de orgulho para a esquerda de verdade, àquela em que sempre militei e tenho orgulho disto, lutar por um reajuste de R$35,00. Se o argumento do governo era que um aumento superior ao dado teria forte impacto sobre as contas públicas ¬– falou-se em cerca de 200 milhões por cada real de aumento –, o que dizer então dos escorchantes juros do serviço da dívida pública??? Só lembrando que esses juros são pagos a banqueiros.
Mais uma vez na História deste país tiveram-se as opções de atacar a burguesia ou os trabalhadores, e ficou-se com a segunda. E, pasmem, parte da esquerda está em frenesi, comemorando a vitória do governo por esmagadora maioria de 361 votos a 120. Cada vez mais se confunde governo com partido, e acabamos passando por cima da luta em prol do Trabalho buscando justificativas estapafúrdias para explicar o escárnio que é um salário mínimo de apenas R$545,00. O adesismo acrítico e o maniqueísmo nos deixam a um mero passo do fascismo como interpretação chula da realidade.
Uma coisa foi lutar para que a direita apologista do deus mercado não voltasse ao poder com toda a força e trazendo consigo o ranço reacionário dos neointegralistas, outra coisa bem diversa é ser acrítico e comemorar uma vitória do Capital sobre o Trabalho porque assim querem os dirigentes do Estado e do partido.
Obviamente que a direita se aproveitou das contradições do governo de centro-esquerda, se é que podemos chamar de centro-esquerda um governo que tem na sua base de sustentação o PP (nomeação que o PDS, o último bastião partidário dos militares durante a Ditadura, adotou há alguns anos) e José Sarney dentre outros. O oportunismo da direita apenas denota a contradição de um governo dito de centro-esquerda, mas apoiado por uma aliança espúria com o que há de mais retrogrado na política tupiniquim.
Para ficar mais clara a aberração da defesa de parte da esquerda do novo salário mínimo, peguemos o exemplo de um trabalhador comum que ganhe exatamente o novo salário mínimo. O chamemos por José da Silva. Na carteira ele passará a receber R$545,00, mas com os 8% de descontos dos encargos trabalhistas o valor cai para R$501,40. Há ainda os 6% do Vale Transporte baixando ainda mais o valor para R$469,13. Imaginemos agora que o nosso trabalhador tenha dois filhos, ambos menores de 14 anos, além de uma esposa e seja o único responsável pelo sustento financeiro da família. Por cada um dos filhos ele recebe mais R$29,41 de Salário Família. Com a soma do Salário Família e do seu próprio ordenado o valor passa para R$603,82 (sem os descontos), dando R$151,00 por membro da família e desse modo deixando os da Silva de fora do Bolsa Família que só paga o beneficio para famílias com renda familiar inferior a R$140,00 por membro.
A renda liquida da família da Silva é de R$527,95 por mês. Com esse valor eles pagam R$50,00 de parcela do imóvel adquirido através do programa “Minha Casa Minha Vida”(notem que estou sendo generoso com os da Silva), outros R$55,00 de conta de luz, R$20,00 de água, R$40,00 de gás e ainda têm a feira, o açougue, o supermercado e a padaria que juntos ficam em torno de R$320,00. Essas despesas podem sofrer variações para baixo ou para cima, mas existem todos os meses e consomem cerca de R$485,00 ou 91,86 % da renda familiar liquida dos da Silva. Os R$42,95 que “sobram” na receita familiar dos da Silva têm a finalidade de garantir a educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte previstos pela Constituição de 1988.
Enquanto os da Silva se “viram” com R$527,95 por mês, o Brasil pagou R$175,8 bilhões de juros que incidem sobre a dívida pública de janeiro a novembro de 2010. Esse valor foi direto para os bolsos das famílias Bradesco, Itaú-Unibanco et caterva.
2 comentários:
Hudson, sem dizer da forte pressão do preço dos aluguéis, do aumento ridículo dos combustíveis, da pressão sobre os alimentos (absurda!!!) - e dizem que é inflação mundial - sendo a safra brasileira um recorde histórico. Mas dizem os de esquerda que é o aumento do consumo mundial, foda-se o brasileiro então e dê de comer ao mundo enquanto o nosso povo paga quase 10 reais no quilo de arroz e os EUA moem milho pra combustível. Mas e os juros??? As exportações bombam... Pros empresários bombarem de dolares, euros e libras... É cara nem tão Hugo Chavez e nem tão Bush, mas não sei que tipo de país estamos construindo. Não sei isso é comigo, se sou incompetente demais mas o que vemos é corrupção voraz...Os partidos viraram enormes S/A
Hudson, essa sua leitura é importante para os militantes petistas que comemoram a vitória do governo sem perceber a derrota dos trabalhadores.
Bom texto e ainda reafirmo, foi um retrocesso e você foi muitíssimo generosa com a família dos Silva, pois esta, do Minha Casa Minha Vida, representa 1% da população (?) e então devemos retirar mais 150 reais para o aluguel... aí então os filhos do José da Silva provavelmente terão de "catar latinha", ou pedir alguns trocados por aí, pois na sua conta extremamente generosa não será possível...
Abraço.
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