Há anos venho me debatendo sobre o porquê de o Brasil não possuir uma política clara acerca da ocupação e compra de terras por estrangeiros, sejam pessoas físicas ou empresas e em especial por parte do agronegócio. Tão preocupante quanto a internacionalização de nossas terras é o silêncio sepulcral que reina quando (não) tratamos do assunto.
Não há sequer dados confiáveis ou qualquer controle por parte dos órgãos federais sobre a quantidade de terras em mãos de estrangeiros no Brasil. Isto somado ao fato de as aquisições de terras terem restrições pífias e a propriedade fundiária nunca ter sido tratada pela sua importância social e estratégica, acaba por escancarar a porta para a internacionalização de nossas terras.
Depois da “Ley de Medios” e da condenação de antigos integrantes da Ditadura Militar (inclusive ex ditadores), nossos hermanos nos dão mais um exemplo.
Argentina quer limitar venda de terras a estrangeiros
Via Página 12
“O tema do domínio da terra é uma questão estratégica e vital neste século XXI. Com esse projeto estamos dando um passo muito importante sobre o domínio nacional deste recurso não renovável, com a intenção de seguir consolidando um país que pode ser um dos grandes protagonistas deste tempo”. Com estas palavras, a presidenta da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, anunciou o envio ao Congresso do projeto de lei que regula a venda de terras a proprietários estrangeiros. Como antecipou o Página/12, a iniciativa estipula que os proprietários de outras nacionalidades não poderão ter mais de 20% do total de áreas rurais em nível nacional.
Segundo dados do Ministério da Agricultura argentino, essa proporção representa hoje 40 milhões de hectares. Deste total, os donos de uma mesma nacionalidade não poderão ter mais de 30%. Além disso, o projeto estabelece que uma pessoa física ou jurídica não poderá adquirir mais de 1000 hectares na zona núcleo ou seu equivalente em outras regiões do país. A iniciativa também prevê a criação de um registro nacional de proprietários.
Outro eixo forte do projeto é o que define que a comercialização deste recurso não pode ser considerada um investimento privado, por ser um recurso não renovável. Desta maneira, a terra ficará compreendida sob o domínio público, com o objetivo de evitar qualquer conflito ante o Ciadi (Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos) ou com os tratados bilaterais de investimento.
“As decisões nacionais sobre a titularidade, posse e uso das terras rurais se inscrevem dentro do direito à livre determinação dos povos, assim como seu direito à independência econômica e à fixação das formas de exploração e distribuição do produzido com suas riquezas e recursos naturais, tal como estabelece o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, pode-se ler nos fundamentos do projeto enviado ontem (27) á noite à Câmara de Deputados. O projeto esclarece ainda que a terra não pode ser considerada um investimento, porque é “o recurso que aporta o país que recebe o investimento”. Assim, ficaria fora do alcance do Ciadi.
“Esta definição que estabelecemos é a primeira batalha legal contra os tratados de investimento, que seguramente se estenderão a outras áreas. É uma das principais novidades deste trabalho. Esta lei afirma que não pode ser considerado investimento a compra de um bem escasso e não renovável. Investimento é quando alguém traz tecnologia, não quando compra um campo”, explicou ao Página/12 Eduardo Barcesat, um dos juristas que trabalhou no detalhamento do projeto desde novembro do ano passado. O outro especialista que contribuiu com o projeto foi o advogado Aldo Casella, um homem próximo à Federação Agrária.
Se, por um lado, evita avançar em uma definição de “uso social da terra”, como ocorre no Brasil, o projeto enviado ao Parlamento se fundamenta em uma série de tratados internacionais incorporados à Constituição nacional (artigo 75, inciso 22), que avançam neste sentido. Por exemplo, o Pacto de San José da Costa Rica indica que “se é verdade que toda pessoa tem direito ao uso e gozo de seus bens, a lei pode subordinar tal uso e gozo ao interesse social”.
“Esta é uma lei que tem por objeto conservar no domínio nacional, não estatal, uma questão que é de todos os argentinos e, fundamentalmente, daqueles que têm capacidade de produzir e investir nesta terra que tem benefícios para todos”, acrescentou a presidenta. O projeto havia sido anunciado pela primeira vez durante a Assembleia Legislativa de 1° de março e foi citado novamente na semana passada, durante o ato de lançamento da Corrente Agrária Nacional e Popular (Canpo).
Um dos aspectos mais complexos a definir tem a ver com a nacionalidade de uma sociedade anônima, já que muitas empresas estrangeiras costumam adquirir terras por meio de intermediários locais. Para avançar neste tema, a iniciativa prevê a criação de um registro nacional de proprietários, que ficará a cargo do Ministério da Justiça, e a realização de um censo que deve ser finalizado 180 dias após a aprovação da norma. O registro deverá começar a partir das operações realizadas em 1° de janeiro de 2010. “Sem esse levantamento cadastral e de domínio de todas as terras rurais não poderá se regular eficazmente a limitação da posse estrangeira”, explicou o ministro da Agricultura, Julián Domínguez.
Por outro lado, o artigo 3 da norma especifica todos os tipos jurídicos que poderiam ser considerados proprietários estrangeiros. Por exemplo, uma empresa que tenha mais de 51% de seu capital em mãos estrangeiras, ficará incluída dentro deste regime. Também estão compreendidas aí as UTE (União Transitória de Empresas), fideicomissos e as empresas vinculadas que não respeitem os limites estabelecidos.
O objetivo inicial do grupo de juristas envolvido na elaboração do projeto era armar uma lei federal de terras rurais, onde ficariam contemplados todos os tipos de propriedade, incluindo os povos originários e a propriedade cooperativa. No entanto, no momento em que a iniciativa chegou às mãos da presidenta decidiu-se enxugar o projeto, para facilitar sua tramitação no Congresso.
“Ela nos disse que devíamos copiar o que fizeram outros países para cuidar deste recurso natural”, resumiu Barcesat ao Página/12. Nos fundamentos do projeto, se incluiu um capítulo dedicado à legislação comparada que se utilizou para formular a iniciativa. Neste capítulo são mencionadas as leis da França, Itália, Canadá, Brasil, Austrália e Bolívia.
Além dos limites gerais, se estipula que uma pessoa física ou jurídica (em qualquer de suas formas) não poderá comprar mais de 1.000 hectares na zona núcleo. “Seguramente no debate parlamentar se definirá a equivalência para outras regiões do país. Por exemplo, se 1.000 hectares equivalem a 15 milhões de dólares no Pampa úmido, poderia se fixar que o limite para um investidor estrangeiro na Patagônia seja justamente esses 15 milhões de dólares”, explicou um assessor do Ministério da Agricultura.
Outro dado importante do projeto é que não serão afetadas as aquisições já realizadas. “Com este projeto, procuramos efetivar o direito irrenunciável do governo nacional ao exercício de sua soberania e a preservação da titularidade dos povos sobre seus recursos e riquezas naturais”, concluiu Domínguez.
Tradução: Katarina Peixoto
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