quinta-feira, 26 de maio de 2011

Muito além dos muros da escola

Por Ana Paula Ferreira Tiago Barbosa Mafra

A discussão mais viva nos últimos dias no Brasil, influenciada pelos grandes meios de comunicação nacional, tem sido a qualidade da educação básica no país. Com intuito de escancarar os problemas do sistema educacional, escolas foram visitadas, especialistas consultados e um diagnóstico foi feito.

Desse levantamento, mais uma vez a causa dos problemas recaiu sobre os próprios profissionais da educação. Como fatores preponderantes da boa qualidade e responsáveis pelo bom desempenho nas avaliações federais, aparecem a presença da família e a quantidade e qualidade dos equipamentos à disposição.

É óbvio que são componentes do bom desempenho de uma unidade escolar, mas não são únicos e muito menos determinantes.

Na abordagem da grande mídia, em nenhum momento há referência aos geradores dos contextos das escolas, a escassez de investimentos ou mesmo a ausência de planejamento programático em longo prazo. Muito pelo contrário, escolas de periferias são colocadas em patamar de igualdade na análise, passando assim uma visão de que o ponto chave da discussão se encerra, exclusivamente, no modo de gerir as escolas.

A participação familiar, sem dúvida nenhuma auxilia muito o desenvolvimento intelectual de jovens. Porém, o país hoje tem realidade de elevado número de famílias que sub-vivem com um ou dois salários mínimos, graças a participação de homem e mulher na cobertura de gastos. O planejamento familiar não é muito visível e a nova organização dos lares brasileiros nos últimos anos mudou o padrão nuclear de família. Essas situações, de suma importância, não são elencadas.

Em relação aos equipamentos, seja a estrutura física da escola, seja aparelhagem tecnológica, por si só não garantem desenvolvimento satisfatório do ensino e aprendizagem. Eles são instrumentos, que dependem do modo como são colocados em uso. Entender escolas repletas de parafernálias tecnológicas como sinônimo de escolas e ensino melhores é minimizar a ação da peça fundamental da educação, que é o professor.

Preocupação e decepção maiores, talvez seja o modo como vários professores, profissionais da educação como um todo e principalmente a sociedade, engoliram e reproduziram o conteúdo descontextualizado veiculado pela grande mídia, adotando para si a culpa e a responsabilidade pelo fracasso da educação básica pública no país.

Essa compra indistinta de discurso despreza o modelo excludente de organização sócio-econômico, visível e experimentado nas realidades das periferias, abandonadas pelo poder público e bombardeadas pelo endeusamento do consumo e do individualismo.

Despreza a variação do que Pierre Bourdieu chamou de capital cultural, a “bagagem” previa de conhecimentos e experiências, proporcionada pelo ambiente social habitado e as condições materiais de vida. Nas áreas periféricas do sistema, o local é o ponto de partida e chegada do indivíduo. Não há comparativo nem existência mais amplos. Não há perspectiva. Há apenas o mercado de trabalho e o mercado de consumo, únicas vias remanescentes para a inserção social em um mundo em que o estar na escola é simplesmente mais uma etapa dessa experiência restrita de mundo.

Há o desprezo ainda, e talvez o pior, acerca do papel do Estado na formação e investimento em uma proposta de educação e de um modelo de professor. E isso passa, diretamente, pela definição estrutural do papel do Estado na condução ou não da sociedade.

A ideologia neoliberal está presente nas reportagens do Jornal Nacional (JN), com a série Blitz da Educação. A escola, espaço para a formação humana, é comparada a uma empresa, instituição com finalidade de lucro, mediante o estabelecimento de metas e números que lhe fornecem o status de promotora do sucesso ou do fracasso escolar.

Não que o ensino não deva ser avaliado. Entretanto, essa avaliação precisa ter uma abordagem marcada pela multiplicidade de fatores, para compreender condicionantes de uma baixa qualidade na educação. E isso não é obtido apenas pelo diálogo com a direção, professores e alunos.
Outra característica do pensamento neoliberal presente nas reportagens é a individualização das responsabilidades. Isso se torna evidente na culpabilidade de educadores, gestores e famílias, pois segundo as matérias jornalísticas, numa mesma cidade há a presença de escolas em pólos distintos em relação ao desempenho no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). O que não é mencionado pelo JN é que a especificidade de cada unidade escolar está não somente em seus gestores e docentes, mas no espaço que a escola ocupa, os impactos sociais que sofre uma comunidade escolar periferizada geográfica e culturalmente. Isso não se trata de eximir os educadores e famílias de suas responsabilidades, mas é necessário analisar a educação como componente de um contexto maior e mais complexo.

A escola é um lugar que pode construir as bases de uma sociedade. Contudo, está sujeita ao sistema capitalista que busca geração do lucro a partir da exploração do trabalho. O reflexo disso é claro: professores que precisam trabalhar em três turnos para sobreviverem, pois se vêem na máxima capitalista de geração de serviços por um mínimo custo.

Por que essa proletarização do professor não é comentada como fator que incide sobre a ausência de tempo para o planejamento e pesquisa e consequentemente baixa qualidade no ensino?

Ao invés disso, há um discurso contrário a greve. A greve é entendida como um mecanismo de violência contra a formação integral dos educandos, como um abuso ao direito fundamental do cidadão de ter acesso à educação. Porém, o que é negligenciado é o direito de greve dos professores que são impulsionados a esse tipo de manifestação em busca de uma dignificação trabalhista.

Tal discurso reforça a idéia da passividade e omissão perante as decisões patronais, desencoraja a sociedade civil a apoiar a greve e distancia-se do pensamento do grande educador brasileiro Paulo Freire, que defendia a greve como ensino e testemunho dos professores aos alunos, como lição de democracia e de luta.

O tão falado IDEB será o foco das discussões nas escolas do Brasil, demonstrando o poder e a capacidade de direcionar a atenção que a mídia detém. Cabe a cada educador, demonstrar que a melhoria do IDEB e da educação no país não virá como resultado de mudanças pontuais no modo de gerenciar unidades escolares, mas sim como reflexo da mudança na condução da política educacional no país. A dúvida é: nosso modelo sócio-econômico permite essa mudança?

Ana Paula Ferreira, Professora da rede municipal de ensino e coordenadora pedagógica do pré-vestibular comunitário Educafro.

Tiago Barbosa Mafra, Professor de História e Geografia da rede municipal de ensino e do pré-vestibular comunitário Educafro.

4 comentários:

Márcia Eloy disse...

Valeu Professor Tiago e Professora Ana Paula, pessoas guerreiras nos seus objetivos.Admiro vsc.

Tiago Ruggi disse...

Olá, caros amigos!! é muito bom encontrar com vocês, ainda mais em uma discussão tão pertinente como essa.
Bom, concordo em alguns pontos e discordo em outros com o discurso de vocês.
Concordo plenamente com a questão da proletarização do professor. Mas também não acredito que isso acaba com nossa culpa pelo fraco desempenho do sistema como um todo. O professor é, muitas vezes, culpado sim pelo mau desempenho de seus alunos. Como vocês explicam alunos de ensino fundamental e médio que, ao terem as aulas ministradas por diferentes professores, possuem aproveitamentos distintos nas respectivas disciplinas? Já tive provas de que a dedicação e o desempenho de cada professor influencia diretamente no desempenho de seus alunos. Da maneira que vocês expõem o problema, a impressão que fica é a de que, frente aos baixos salários, as péssimas condições de trabalho, o professor deve "lavar as mãos", pois não há mais nada o que se fazer respeito.
O que acredito que falta hoje ao professorado com um todo é vontade. Vontade de trabalhar efetivamente para "fazer a diferença" na vida de seus alunos. As causas deste processo pode ser a protelarização do professor? Talvez, mas, na minha modesta opinião, essa proletarização não pode dar conta de assumir a responsabilidade total pelo desestimulo e pela freqüente falta de responsabilidade dos professores com seu trabalho.
Espero que esta discussão não acabe por aqui, espero prontamente uma resposta.
Forte abraço a todos!!

Fábio Albuquerque disse...

Olá, professores!
Que bom que temos espaço para expor nossas ansiedades e nossos desafios. É triste saber que a máscara ainda é muito grande e que infelizmente "nossos" representantes pensam em números sem se preocupar com a qualidade. Temos hoje professores que se preocupam com o aprender e temos também "aqueles"que se preocupam com o salário e nisto a qulidade por mais que seja cobrada deixa a deseja. O IDEB é uma pressão social e temos que buscar caminhos... Espero que todos possam ver a educação com os mesmos olhos e fazer a diferença, pois é muito mais honesto com a sociedadee e com o nosso aluno que não tem culpa do nosso "sistema".
Um grande abraço
Fábio

Tiago Mafra disse...

A idéia é sempre mostrar que existem diversos componentes no enfraquecimento do sistema público de educação no Brasil.
Claro que professores tem sua parcela de culpa quando não se compromentem com a causa. O problema é que toda a carga é sempre depositada no profissional, esquecendo o meio e as pressões a que este profissional está submetido.
Infelizmente, nossos professores não são comprometidos é com a transformação social, reflexo da sociedade que também não se movimenta, está apática.
Nesse sentido, volta a afirmar que o modelo econômico que optamos é o gerador das condições materiais completamente desvaforáveis que criam um modelo escolar reprodutor das desigualdades sociais. Apenas vontade não salvará a educação.
Investimento e inversão de prioridades na gestão pública, coisa que virá somente se a classe proletarizada dos docentes organizar-se e pressionar.
A atuação deve ocorrer também na luta política, pois como escreveu Demerval Saviani, mesmo estando interligadas e sendo interdependentes, educação e política não se determinam na mesma proporção.