Cenário político europeu é desolador, avalia professor
Ana Cláudia Barros, no Terra Magazine
Os primeiros seis meses de governo serão um duro teste para o conservador Mariano Rajoy, eleito primeiro-ministro da Espanha no último domingo (20) em meio a uma das maiores crises econômicas enfrentadas pelo País nos últimos anos. A análise é do especialista em relações internacionais Virgílio Arraes, da Universidade de Brasília (UnB). O Partido Popular (PP), liderado por Rajoy, impôs uma derrota histórica ao Partido Socialista Operário Espanhol, de José Luís Rodríguez Zapatero, que deixa o poder após dois mandatos à frente do Executivo. Mesmo com maioria absoluta no Congresso, o novo primeiro-ministro terá, entre os primeiros desafios, que convencer o Parlamento a adotar as medidas de efeito recessivo exigidas pela Alemanha, conforme destaca Arraes.
- A Alemanha espera que a Espanha se torne o exemplo da União Europeia no sentido de corrigir as chamadas "distorções" que ocorreram nos últimos anos e que fizeram com que a União Europeia não estivesse preparada para enfrentar a crise irradiada pelos Estados Unidos no final de 2008. Neste sentido, os conservadores na Espanha avisaram que, com a vitória, vão aplicar uma série de medidas de efeito recessivo. Vamos ver se o Parlamento vai aprovar os projetos de lei recomendados por Bruxelas, pela União Europeia. Pode haver ainda uma pressão do eleitorado no sentido de que essas medidas sejam amenizadas. A segunda fase, caso sejam aprovados os projetos, é ver se a situação no País vai de fato melhorar.
Para o professor, um outro aspecto a ser observado é o posicionamento adotado pelos socialistas, agora no papel de oposição.
- Seria uma incoerência não apoiarem as medidas de caráter recessivo que têm sido aplicadas por eles. Mas, ao mesmo tempo, como eles são oposição agora, provavelmente vão se colocar contrários. Isso desanima ainda mais o eleitor espanhol, que vê, no fundo, apenas um rodízio entre elites partidárias - afirma, explicando que a vitória esmagadora do PP, partido de centro-direita, não significou, necessariamente, um crescimento do eleitorado conservador.
Arraes enfatiza que na Espanha, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países do continente, o índice de não comparecimento às urnas foi superior ao verificado nos últimos anos, revelando, segundo ele, um "desânimo em relação à política efetivada hoje pela União Europeia".
- As duas grandes correntes políticas comungam do mesmo posicionamento, independentemente do nome que a sigla sustente, como é o caso da Espanha. Foram socialistas que iniciaram medidas anti-sociais. Neste sentido, o eleitorado dos partidos conservadores na Europa não aumenta muito. Ele se situa mais ou menos no que era há alguns anos, mas a abstenção, somada à desilusão com os socialistas, fez com que proporcionalmente os conservadores tenham tido mais votos nestes últimos pleitos.
Na avaliação do especialista, a classe média, a mais afetada pela crise, não encontra representatividade nos partidos políticos.
- Há uma revolta da classe média, mas essa revolta não tem eco nos partidos políticos da Europa. Não há nenhum partido , com peso em seus respectivos países, que possa se contrapor às exigências que estão sendo feitas hoje pela Alemanha, basicamente. O descontentamento que existe na Grécia, Portugal, Irlanda, Itália é porque a população está sendo convocada, e não convidada, a pagar os custos de uma conta que vem do setor financeiro. Setor financeiro que não está sendo responsabilizado pela crise.
"Cenário desolador"
Na análise de Virgílio Arraes, o cenário hoje na política europeia é "desolador porque não há coerência no dia a dia dos partidos".
- A União Europeia se desloca em função dos interesses de sua própria burocracia e de grandes corporações existentes nela. Durante décadas, acreditou-se que o melhor para a Europa seria uma tecnocracia desnacionalizada, uma tecnocracia que não se deixasse influenciar pelas paixões locais, pelo ritmo eleitoral de cada um dos países e, de certa forma, enquanto no período da Guerra Fria a vida dos europeus melhorou, a população não prestava muita atenção no deslocamento de poder do seu país para uma união supranacional. Mas a partir dos anos 90, com o fim da União Soviética, isso tudo começa a ser desmontado. No século XXI, é ainda mais intensificado, porque os dirigentes, as grandes corporações começam a alegar que, caso os direitos sociais sejam mantidos na escala em que estão, a Europa não teria mais condições de competir com países da Ásia e da América do Sul.
Para o professor da Unb, esta ótica, alicerçada na competitividade e na produtividade, deve ser submetida a questionamentos.
- O importante é saber se vale a pena isso. Se é interessante que daqui a dez, 15 anos, um europeu tenha condições de vida próximas a de um trabalhador chinês, por exemplo. Se a China é o exemplo do futuro, então, esse sistema todo,construído durante mais de 100 anos, através das lutas sociais, perdeu o sentido.O preocupante é que, positivo ou negativo, a Europa e, depois da Segunda Guerra, os Estados Unidos, foram espelhos do ocidente. Se a classe média na Europa e nos Estados Unidos têm uma queda no seu nível de vida em nome de uma competitividade, isso, certamente vai ter impacto no resto do mundo.
De acordo com ele, esse é um momento-chave para a União Europeia.
- Primeiro, foram países periféricos atingidos pela crise, agora, países médios, como a Itália. E o preocupante é que a França pode ser a próxima. Então, a questão é repensar se a forma como a União Europeia foi estruturada nos últimos anos está correta. Se até os países mais fortes estão entrando numa crise que se iniciou há três anos, então, é a hora de se repensar se é a União Europeia que não está adequada ao momento econômico, e não seus membros.
Arraes entende que todo o sacrifício imposto pelas medidas de contenção da crise, como aumento de impostos, redução de direitos trabalhistas, pode ser em vão.
- A hora é de rever a própria União Europeia. Não pensar o seu fim ou numa suspensão, como parte da elite inglesa acredita. Mas avaliar se uma União Europeia, moldada nos interesses de uma tecnocracia insensível que só se lastreia em números, resultados, e não nas pessoas, se esse modelo realmente teve êxito. Não é o momento de se questionar as políticas nacionais, mas sim, as regras da União Europeia. A crise não é de fato mundial. Ela não atingiu a Ásia nem a América Latina com a mesma intensidade com que está atingindo a União Europeia. É preciso pensar em reformar a União Europeia, e não de sacrificar, pouco a pouco, os próprios países membros.
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