Clipe clássico da banda escocesa Dire Straits... dá lhe anos
80!!!
domingo, 24 de junho de 2012
sábado, 23 de junho de 2012
Entre o mundo ideal e a “realpotolitik” deve haver um meio termo!
Não adianta querer explicar o inexplicável. Tampouco adianta
querer dizer que é assim que se faz na “realpolitik” ou que os fins justificam
os meios. Lula e Maluf são personagens históricos da política nacional, só que
figuras antagônicas.
De um lado o principal político gerado pelo apoio da sociedade
civil conservadora e retrógrada ao regime de exceção e que, não obstante, se
aproveitou de suas ligações com os donos do poder para à custa do erário aumentar
substancialmente seu patrimônio pessoal, sendo por isso cassado pela Inerpol.
De outro lado o homem que ousou liderar as greves que no final dos anos 1970
abalaram os podres alicerces da Ditadura Militar e que por isso foi várias
vezes preso. O homem cuja História se confunde com a do Brasil recente; que
fundou o maior partido de esquerda da América Latina; que se tornou o primeiro
operário eleito presidente da República; que transformou uma terra arrasada
numa das maiores economias do mundo; que através da inserção de programas
sociais retirou milhões de brasileiros da miséria; que nos deu uma política
externa soberana; em suma, que dividiu nossa história republicana em “antes de
Lula” e "depois de Lula”.
Ver esses dois seres simbólicos, do Brasil do passado e do
Brasil do presente, apertando as mãos e sorrindo como velhos amigos foi um tapa
na cara dos partidários de ambos os lados que guardam um mínimo de coerência.
Pra um malufista ver seu ídolo em poses tão amigáveis com
Lula foi um acinte, foi rebaixar-se ao que de pior a gentalha nordestina
analfabeta e preguiçosa poderia ter levado à Terra dos Bandeirantes. Já para um
petista ver Lula sorrindo ao lado de Paulo Maluf foi o mesmo que ver o pai em
atos libidinosos com uma prostituta barata. Ou então ver aquela pessoa pela
qual nutre grande admiração fazendo acertos espúrios com o canalha cujos bolsos
estão cheios de dinheiro sujo e as mãos manchadas de sangue.
Impressionante como
ninguém dentro do PT foi capaz de mostrar a Lula e à tendência Articulação –
antigo Campo Majoritário – o alto grau de risco que traria uma aliança com
Maluf. O PT conseguiu várias proezas negativas com essa antes impensável aliança.
A primeira dispersar sua própria militância que sente ojeriza por Maluf. Depois conseguiram fazer com que Luiza
Erundina quebrasse o recorde de permanência
numa chapa. Entre sua coerência, dignidade e moral e a imoralidade de
fazer parte de uma aliança com Maluf jogando a biografia no lixo, Erundina não
pensou duas vezes e optou facilmente pela primeira.
Quando Paulo Maluf num aparente e calculado gesto de carinho
passou as mãos sobre a cabeça de Fernando Haddad, Maluf apodreceu a campanha do
ex-ministro da Educação rumo a Prefeitura de São Paulo. Ao mesmo passo, alguém
acha que aquele típico eleitor de Maluf votará em Haddad só porque o príncipe
da ultradireita passou as mãos sobre a cabeça do petista. Para os eleitores de
Maluf votarem no PT o PT terá que renegar suas bandeiras históricas e deixar de
representar tudo o que representa em termos de avanços sociais, além de passar
a defender uma política conservadora no tocante a segurança pública e a
criminalização da pobreza – o que os malufistas mais adoram.
Na verdade após toda essa lambança a Articulação e Lula
conseguiram – teimo em repetir o nome do ex-presidente por ser ele mentor e
avalista da candidatura do ex-ministro da Educação – transformar uma campanha complicada numa
eleição ainda mais improvável. E, mesmo que Haddad venha a lograr êxito, o
preço da vitória pode sair caro tanto ao próprio Haddad quanto ao PT. Afinal,
vencer com tal aliado significa abrir mão de sua identidade histórica e política,
um capital que o PT até há pouco tempo dava muito valor.
Lula é sem dúvidas o maior gênio político do Brasil
pós-redemocratização, quiçá de toda a nossa História. Quando falamos em perdas e ganhos quanto a
estratégias políticas o saldo é amplamente favorável a Lula e a Articulação, tendência
hoje predominante no Partido dos Trabalhadores. Todavia essas alianças na
maioria das vezes acabaram por desfigurar o programa do partido e consumaram
uma guinada da esquerda para a centro-esquerda beirando o centro propriamente
dito. Ademais muitas das alianças impostas por Lula e a Articulação se
mostraram equivocadas, verdadeiros erros crassos. Em 2010, por exemplo, a imposição da aliança
com o PMDB em Minas Gerais, abrindo mão de ter candidato próprio ao governo
estadual para apoiar Hélio Costa foi uma análise embasada apenas num dado
momento da pré-campanha e que acabou por facilitar o caminho de Aécio Neves e
seu boneco de ventríloquo Antonio Anastasia.
Agora em 2012 na disputa pela Prefeitura de São Paulo o PT,
caso ganhe ou caso perca, estará entregando o ouro ao bandido!
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Haddad e Erundina, por Saul Leblon
Uma aliança
com a dignidade
Por Saul
Leblon na Carta Maior
Uma grande
frente da direita brasileira se move na ansiosa tentativa de preservar o
comando da maior capital do país. O comboio transporta interesses pesados; não
perder sua maior vitrine política é um deles; propiciar ao candidato da derrota
conservadora em 2002 e 2010 um holofote de sobrevida até 2014, outro Há também
o orçamento: R$ 40 bilhões, maior que o de vários Estados. Serra teria hoje 30%
das intenções de votos na corrida pela prefeitura de São Paulo; seu principal
oponente, Fernando Haddad, 3%. Lula adoeceu no meio do caminho e já se
recuperou. Mas a convalescença pode reduzir a decisiva participação em uma
disputa com DNA nacional.
O
conservadorismo atrelava vagões ao comboio e exultava a cada tropeço do outro
lado. A frustrada tentativa de cooptar Kassab parecia ter subtraído ao PT até
mesmo o discurso da polaridade ideológica. Com Marta ressentida e afastada,
Serra chocava a serpente ao abrigo de confrontos constrangedores. A incubação
conservadora ia bem até que uma palavra que desequilibra o lado contra o qual
ela se volta entrou no jogo: dignidade, ou Luiza Erundina. Essa mulher
nordestina e socialista, ex-prefeita da capital, que alguns criticaram pelo excesso
de zelo com a causa popular, será a parceira de Haddad para devolver a São
Paulo algo de inestimável valor: o resgate do voto como um engajamento que faz
sentido outra vez na luta por uma cidade a serviço dos cidadãos.
Em 2010,
seus 50 anos de integridade e dedicação à justiça social foram manchados por
uma condenação no Supremo Tribunal Federal: malversação de fundos públicos.
Pela sentença, de um processo que se arrastava há 20 anos, Erundina teria que
devolver aos cofres municipais cerca de R$ 350 mil, quantia de que não
dispunha, nem nunca teve, razão pela qual a Justiça determinou o leilão de seus
únicos bens de valor: um apartamento de 80 m2 na zona sul de São Paulo,
avaliado então em R$ 100 mil e dois carros populares - um Palio 97 e um Gol 2004,
do tipo 'rodados'. As razões que a levaram à condenação e a forma como ela a
superou resumem a inquietação que o seu engajamento eleitoral causa agora nas
fileiras da direita.
Erundina não
virou ré por qualquer desvio de dinheiro público; sua administração não foi
acusada de fraude em licitações ou superfaturamento; ela não nomeou, como fez
Serra, um achacador para Departamento de Aprovação de Edificações da
Prefeitura, que em poucos anos 'adquiriu' 125 imóveis de alto padrão. Não, eu
crime,pelo qual quase perdeu o seu único patrimônio, foi não ter boicotado uma
greve geral dos trabalhadores brasileiros, em 1989. Em março daquele ano, a
então prefeita de São Paulo determinou que fossem impressos cartazes explicando
à população que os ônibus municipais não circulariam nos dias 14 e 15 em apoio
à greve geral convocada pela CUT e a CGT, como protesto contra o "Plano
Verão.
A decisão de
que ela deveria ressarcir os cofres da despesa com os cartazes era definitiva e
não cabia mais recurso. A mais pobre ex-prefeita de São Paulo contou então com
a ajuda dos amigos para evitar o desastre. Um grupo organizou uma campanha
nacional com jantares e doações populares que se espalhou rapidamente,
acumulando depósitos de R$ 2 a R$ 20 mil na conta aberta para essa finalidade.
A resposta
massiva assumiu contornos de indignação suprapartidária e solidariedade
ecumênica a ex-prefeita. Em pouco tempo foi atingido o montante necessário e
saldada a sentença. Na verdade, os recursos ultrapassaram o valor estipulado em
R$ 7 mil, que Erundina decidiu doar a uma instituição de caridade escolhida com
a ajuda dos amigos da campanha. Bem-vinda, senhora dignidade.
domingo, 17 de junho de 2012
domingo, 10 de junho de 2012
Mujica, Messi e Neymar
Por Jaques Gruman, tungado do Viomundo
Rápido pinga-fogo, em cima do lance. O Globo de
hoje mostra foto do presidente do Uruguai, José PepeMujica, cortando o cabelo em sua pequena chácara
nos arredores de Montevidéu. De origem camponesa, Mujica é um exemplo de
dignidade e coerência. Não traiu sua classe, rejeitou todas as benesses do
cargo, não aumentou o patrimônio, manteve a suavidade (apesar das torturas
monstruosas que sofreu durante a ditadura militar uruguaia). Viaja em aviões
comerciais e vai para o trabalho num velho Fusca 1987.
Parênteses: antes dele, Tabaré Vasquez, que é oncologista, também
da Frente Ampla, abria espaço na agenda oficial e reservava algumas horas por
semana para atender seus pacientes. Não se mudou para um Palácio, nem se
beneficiou de mordomias. Sabia que presidência não é profissão, nem trampolim
para boa vida. Liturgia do cargo ? Isso é para deslumbrados, que trocam,
gostosamente, a informalidade por ternos de grife e carrões oficiais. Mujica
não sabe o que é uma gravata e, sobretudo, respeita o dinheiro público. Não tem
o menor carisma e isso apenas reforça minha enorme admiração pelo povo que o
elegeu. Os uruguaios são politizados (ah, que inveja …) e preferiram a
ideologia aos truques da marquetagem. A luta dentro da Frente Ampla é política
e não, como tristemente vemos no Brasil, de fundo tediosamente eleitoreiro.
Alguém consegue imaginar coisa parecida por aqui, paraíso do ilusionismo, da
malandragem, da falta de escrúpulos, das intermináveis traições de classe, das
fantasias conciliatórias, do paternalismo ?
Por falar em malandragem, no pior sentido da palavra, volto ao
futebol. Hoje, Lionel Messi destruiu as ilusões patrioteiras. Dá gosto vê-lo
jogar. Não temos nada nem remotamente parecido com ele. Neymar ? Não gosto de
ser profeta de nada, mas arrisco um palpite: esse cara não vai dar em nada. É
um moleque desonesto e pretensioso, desconhece que futebol é jogo coletivo. Vai
ganhar muito dinheiro nessa indústria, mas não deixará saudade. Podem me cobrar
daqui a alguns anos.
Abraço e um ótimo domingo.
Jacques
Música de Domingo -- Money (Pink Floyd)
Uma das maiores bandas de todos os tempos. Um dos maiores álbuns
de todos os tempos. Uma das melhores músicas e letras desse álbum.
A genialidade de Roger Waters nos presenteia com Money.
domingo, 3 de junho de 2012
Especialidade de nossa mídia oligopolizada: atacar a América Latina e se desmoralizar
A mídia oligopolizada brasileira não perde uma boa oportunidade de
desmoralizar a si própria. Depois de tanta asneira sobre o câncer de Dilma,
agora "nossa" imprensa faz análises sobre o câncer do presidente
venezuelano Hugo Chávez afirmando que este é uma espécie de zumbi, pois estaria
tomando um determinado medicamento cem vezes mais forte que a morfina.
Numa reportagem porca e cheia de segundas intenções – na verdade só
há uma única intenção, de tão clara que está – , não se dando ao trabalho de
sequer ouvir algum médico sobre a eficácia de tal medicamento, o O Globo
praticamente decreta que Chávez não tem condições físicas de se reeleger.
O Globo estampa a
manchete “Hugo Chávez estaria tomando
remédio cem vezes mais forte que morfina”, mas omite que o medicamento fentanil é de fato cem vezes mais
eficiente que a morfina, porém, é tomado em dosagens cem vezes menor.
Impressionante como os principais veículos de comunicação do
Brasil são na verdade panfletos de seus próprios interesses não se preocupando
em ser desmoralizados com meia dúzia de argumentos razoáveis.
Uma mídia entreguista que por motivos ideológicos sente ojeriza a
tudo o que é ligado a América Latina. Pra essa mídia o importante é sempre dar
razão as elites locais. Foi assim no golpe de Estado dado pelos gorilas fardados
hondurenhos em 2009. É assim sempre que a elite boliviana aventa a hipótese de
secessão em retaliação a Evo Maorales. É assim quando Cristina Kirchner propõe
qualquer medida mais ousada que não siga a cartilha neoliberal. Sempre foi
assim contra Cuba. Cuba nunca tem razão em nada. Tem sido assim em relação a
Chávez desde que este democraticamente assumiu o poder em 1999.
Pra quem tiver estômago a reportagem está aqui.
Música de Domigo – Pros que estão em casa (Hojerizah)
Ando numa fase muito anos 80.
Saudosismo??? Parece que sim!!!
Mas o chamado Rock Brasileiro – ou Brock como alguns preferem – foi um movimento musical que buscou sintetizar alguns dos principais estilos do gênero musical mais popular do Ocidente ao mesmo tempo em lhe incorporava sonoridades de nossa terra. Isso no pós-punk e auge do New Wave. Complicado né? Um pouco.
Mas o chamado Rock Brasileiro – ou Brock como alguns preferem – foi um movimento musical que buscou sintetizar alguns dos principais estilos do gênero musical mais popular do Ocidente ao mesmo tempo em lhe incorporava sonoridades de nossa terra. Isso no pós-punk e auge do New Wave. Complicado né? Um pouco.
Talvez por isso haja tantos críticos
que adoram desprezar esse movimento. Entretanto nem só de gafes, blefes e
plágios viveu O Rock Brasileiro.
No fundo ele representava, de um
lado, uma parcela considerável da geração 80 ávida por consumir coisas novas
numa época em que a globalização apenas engatinhava. Enquanto, por outro lado,
suas letras politizadas ou escrachadas formavam uma espécie de válvula de
escape pra uma sociedade reprimida e sufocada pela Ditadura Militar.
Tenho a intenção de escrever um
artigo sobre o Rock Brasileiro, assim como faz tempo venho ensaiando escrever
um a parte sobre a Legião Urbana (minha banda brasileira preferida), mas não
prometo quando!
Por hoje ficou com essa música de
uma das bandas que teve sucesso efêmero. Provavelmente porque quando, enfim,
conseguiu seu espaço a mídia já dava sinais de desinteresse pelo Rock
Brasileiro.
sábado, 2 de junho de 2012
A toga, a língua e o caçador de blogs
Editorial Carta Maior, 1º de Junho de 2010
Escudado na proteção republicana da toga, o ministro Gilmar Mendes desnudou uma controversa agenda política pessoal na última semana de maio. Onipresente na obsequiosa passarela da mídia amiga, lacrou seu caminho na 6ª feira declarando-se um caçador de blogs adversários de suas ideias e das ideias de seus amigos. Em preocupante equiparação entre a autoridade da toga e a arbitrariedade da língua, Gilmar decretou serem inimigos das instituições republicanas todos aqueles que contestam os seus malabarismos discursivos, a adequar denúncias a cada 24 horas, num exercício de convencimento à falta de testemunhas e fatos que as comprovem.
A fragilidade desse discurso impele-o agora ao papel de censor a exigir da Procuradoria Geral da República, e do ministro Mantega, que sufoque blogs adversários asfixiando-os com o corte da publicidade oficial. Sobre veículos que incluem entre suas fontes e 'colaboradores informais', notórios acusados de integrar quadrilhas do crime organizado, o ministro nada observa em relação à presença da publicidade oficial. Cabe ao governo Dilma dar uma resposta ao autonomeado censor da República.
O ataque da língua togada contra a imprensa crítica não é aleatório. O dispositivo midiático conservador vive em andrajos de credibilidade e pautas. A semana final de maio estava marcada para ser um desses picos de desamparo, na despedida humilhante de seu herói decaído. E de fato o foi: em depoimento no Conselho de Ética do Senado, na 3ª feira, o ex-líder dos demos na Casa, Demóstenes Torres, deixaria gravado no bronze dos falsos savonarolas a lapidar confissão de que um chefe de quadrilha pagava as contas, miúdas, observaria, de seu celular. E ele, o centurião da moralidade, a direita linha dura assim cortejada pela língua togada e pelo aparato conservador --quem sabe até para vôos maiores em 2014--, não viu nenhum tropeço ético nesse pequeno mimo que elucida todo um perfil.
O fecho de carreira do tribuno goiano contaminaria as manchetes que ele tantas vezes ancorou à direita não fosse a providencial intervenção da língua amiga do ministro do STF, Gilmar Mendes. Na mesma 3ª feira desde as primeiras horas da manhã, lá estava ela a falar pelos cotovelos. Diuturnamente, contemplou a orfandade da mídia amiga naquele dia cinzento. A cada qual ofereceu uma frase brinde para erguer a moral da tropa e justificar a manchete com o carimbo 'exclusivo' no alto da página. Não se poupou. O magistrado, não raro em destemperados decibéis, esfregou na opinião pública recibos e documentos que comprovariam o pagamento, com recursos próprios --'tenho-os para umas três voltas ao mundo'-- de seu giro europeu, em abril de 2011, onde se encontraria com Demóstenes Torres.
Sua língua foi peremptória em vários momentos a trair a evocação liberal do emssor: 'Vamos parar com essas suspeitas sobre viagens", determinou. Para depois admitir em habilidosa antecipação: por duas vezes utilizou carona aérea do amigo Demóstenes; por duas vezes voou sob os auspícios do amigo que não possui veículo aéreo próprio; do amigo que não paga nem as contas de celular. Contas miúdas, diga-se, a revelar um vínculo orgânico com a ubíqua carteira gorda de acusados de integrar o condomínio criminoso goiano.
Gilmar estava determinado a servir de redenção ao dispositivo midiático demotucano num dia tão aziago. Não desapontou amigos, ainda que tenha escandalizado o país que espera serenidade e equidistância dos que vocalizam um Supremo Tribunal Federal. Ofensivo, execrou blogs e sites críticos -- esses sim, bandidos e gangsters-- que arguiram e ainda arguem as fronteiras da identidade de valores que aproximou o magistrado do senador decaído.
Fez mais ainda: acusou Lula de ser a central de boatos contra ele para 'melar o julgamento do mensalão' --como se o ex-presidente Lula não pudesse, não devesse ter opinião sobre fatos relevantes da vida política nacional --prerrogativa que outras togas mais serenas não contestam e legitimam. Ao jornal O Globo, na linha da frase à la carte, facilitou a manchete pronta para dissolver a terça-feira de cinzas do conservadorismo: 'O Brasil não é a Venezuela onde Chávez manda prender juiz'. O diário retribuiu a gentileza em manchete garrafal de duas linhas no alto da página. Um contrafogo sob medida à humilhante baixa no Senado. Incansável, a língua foi provendo xistes e chutes a emissários de redações sedentas, mas cometeu alguns deslizes.
Esqueceu que um pilar de sua versão sobre a famosa conversa com Lula --origem de toda celeuma que descambou em ataque à liberdade de imprensa-- residia nos pequenos detalhes que emprestam veracidade ao bom contador; um deles, o cenário: a cozinha. Teria sido naquele recinto profano do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, abrigado de qualquer solenidade e sem a presença do anfitrião, que ocorrera o assédio moral inesperado de um Lula chantageador contra um Gilmar irretocável.
Quadro perfeito. Exceto pelo fato de não se sustentar nem mesmo no matraquear do interessado. Sim, o mesmo magistrado suprimiu o precioso cenário despido de testemunhas na versão apresentada ao jornal Valor do dia 30-05 quando afirmou literalmente: 'Jobim esteve presente durante todo o tempo'. Como? E a cozinha? E a privacidade a dois que lubrificou o assédio de um Lula irreconhecível?
Evaporou-se: Jobim estava presente o tempo todo. A contradição ostensiva mirava agora outro alvo: o próprio Jobim, em retribuição ao desmentido categórico do anfitrião para o relato original do episódio à VEJA. No mesmo Valor, Gilmar insinuaria contra Nelson Jobim uma suspeita de cumplicidade com Lula por ter lançado na mesa da conversa o nome de um desafeto: Paulo Lacerda. Ex-dirigente da ABIN, Lacerda foi demitido em 2008 depois que a mesma lingua togada denunciou aos mesmos parceiros da mídia uma suposta escuta da PF em seu escritório --fato nunca comprovado. Na 5ª feira (31-05) o entendimento da investida contra Jobim ficaria completo: Serra, o candidato predileto do conservadorismo, amigo de Gilmar, prestou-se à colaborar com Veja; desinteressadamente; a exemplo do que tantas vezes o fez desinteressado o também o colaborador Dadá, aparaponga de aluguel do esquema Cachoeira. Serra incitou o amigo Jobim a falar com a revista sobre o encontro. É um traço do veículo da Abril --comprovado nos documentos disponíveis na CPI do Cachoeira-- recorrer a colaboradores desse espectro para obter 'provas' que sustentem suas matérias pré-fabricadas.
Surpreendido pela trama rasteira Jobim tirou a escada de VEJA e deu troco duplo: desmentiu Gilmar no Estadão; confirmou a Monica Bergamo, da Folha, o que tantos sabem: Serra não falha; sua biografia de bastidores está, esteve e estará sempre entrelaçada a golpes e denúncias que contemplem a regressividade udenista da qual VEJA constitui a corneta mais atuante e Gilmar o novo expoente da agressividade lacerdista.
Diante do maratonismo verbal não sobraria fôlego aos jornais e jornalistas amigos para conceder ao leitor um pequeno espaço de reflexão sobre a momentosa semana final de maio, que deixa mais dúvidas do que certezas. Ademais da evanescente cozinha do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, outros pontos de interrogação merecem retrospecto. Por exemplo:
a) a reportagem publicada por Carta Maior no dia 29-04 " Cachoeira arruma avião para Demóstenes e 'Gilmar' --com aspas por conta da identificação incompleta do ilustre viajante e um dos motivos da fluvial verborragia togada, não tratava de pagamento de vôo a Berlim patrocinado pela 'agência de viagens' Demóstenes & Cachoeira;
b) o texto, conciso e claro baseado em escutas públicas da PF teve como foco uma 'carona aérea' no trecho SP-Brasília, solicitada ao esquema Cachoeira para o dia 25-04 de 2011;
c) as tratativas telefônicas da quadrilha Cachoeira apontam que os passageiros da carona viriam da Alemanha e seriam, respectivamente, Demóstenes e 'Gilmar' ;
d) a data da chegada a São Paulo é a mesma do retorno informado pelo próprio Gilmar Mendes em seu rally jornalístico;
e) o horário de chegada do seu vôo originário da Alemanha guarda proximidade com aquele informado à quadrilha. Essas as coincidências notáveis. A partir daí os fatos e comprovantes apresentados por Gilmar Mendes desmentem que ele tenha utilizado a dita carona solicitada à quadrilha, fato que Carta Maior noticiou imediatamente após os esclarecimentos do magistrado. O desencontro entre essas evidências e as providencias tomadas pela quadrilha Cachoeira, todavia, autoriza uma indagação que não se dissolve no aluvião verborrágico da semana, a saber: quantos Gilmares havia em Berlim com Demóstenes Torres? E, mais que isso: quem seria o 'Gilmar' cuja inclusão na carona, aparentemente desativada, não causou qualquer surpresa a Cachoeira, que nas escutas reage à menção do nome e da presença como algo se não habitual, perfeitamente compatível com a extensão de seus tentáculos e zonas de influência?
Carta Maior reserva-se o direito de continuar praticando um jornalismo crítico e auto-crítico, comprometido única e exclusivamente com a democracia e as aspirações progressistas da sociedade brasileira, abraçadas pela ampla maioria de seus leitores. Isso naturalmente a coloca na margem oposta daqueles que até ontem consideravam Demóstenes Torres, seus valores, agendas, contas de celular e caronas em jatinhos uma referência ética e republicana.
Fiel a esse compromisso com o leitor, Carta Maior cumpre a obrigação de manter em pauta algumas perguntas ainda sem resposta satisfatória: quantos gilmares havia em Berlim? Quantos gilmares havia no escritório de Jobim (um na cozinha e um na sala)? E, ainda mais urgente, quantas ameaças de fuzilamento da liberdade de expressão serão necessárias para que os partidos democráticos e o governo tomem a iniciativa de desautorizar a língua arvorada em extensão da toga? Não só em palavras, mas sobretudo na impostergável democratização afirmativa da publicidade oficial, antes que novos e velhos caçadores de jornalistas consigam transformá-la em mais um torniquete da pluralidade de opinião.
Escudado na proteção republicana da toga, o ministro Gilmar Mendes desnudou uma controversa agenda política pessoal na última semana de maio. Onipresente na obsequiosa passarela da mídia amiga, lacrou seu caminho na 6ª feira declarando-se um caçador de blogs adversários de suas ideias e das ideias de seus amigos. Em preocupante equiparação entre a autoridade da toga e a arbitrariedade da língua, Gilmar decretou serem inimigos das instituições republicanas todos aqueles que contestam os seus malabarismos discursivos, a adequar denúncias a cada 24 horas, num exercício de convencimento à falta de testemunhas e fatos que as comprovem.
A fragilidade desse discurso impele-o agora ao papel de censor a exigir da Procuradoria Geral da República, e do ministro Mantega, que sufoque blogs adversários asfixiando-os com o corte da publicidade oficial. Sobre veículos que incluem entre suas fontes e 'colaboradores informais', notórios acusados de integrar quadrilhas do crime organizado, o ministro nada observa em relação à presença da publicidade oficial. Cabe ao governo Dilma dar uma resposta ao autonomeado censor da República.
O ataque da língua togada contra a imprensa crítica não é aleatório. O dispositivo midiático conservador vive em andrajos de credibilidade e pautas. A semana final de maio estava marcada para ser um desses picos de desamparo, na despedida humilhante de seu herói decaído. E de fato o foi: em depoimento no Conselho de Ética do Senado, na 3ª feira, o ex-líder dos demos na Casa, Demóstenes Torres, deixaria gravado no bronze dos falsos savonarolas a lapidar confissão de que um chefe de quadrilha pagava as contas, miúdas, observaria, de seu celular. E ele, o centurião da moralidade, a direita linha dura assim cortejada pela língua togada e pelo aparato conservador --quem sabe até para vôos maiores em 2014--, não viu nenhum tropeço ético nesse pequeno mimo que elucida todo um perfil.
O fecho de carreira do tribuno goiano contaminaria as manchetes que ele tantas vezes ancorou à direita não fosse a providencial intervenção da língua amiga do ministro do STF, Gilmar Mendes. Na mesma 3ª feira desde as primeiras horas da manhã, lá estava ela a falar pelos cotovelos. Diuturnamente, contemplou a orfandade da mídia amiga naquele dia cinzento. A cada qual ofereceu uma frase brinde para erguer a moral da tropa e justificar a manchete com o carimbo 'exclusivo' no alto da página. Não se poupou. O magistrado, não raro em destemperados decibéis, esfregou na opinião pública recibos e documentos que comprovariam o pagamento, com recursos próprios --'tenho-os para umas três voltas ao mundo'-- de seu giro europeu, em abril de 2011, onde se encontraria com Demóstenes Torres.
Sua língua foi peremptória em vários momentos a trair a evocação liberal do emssor: 'Vamos parar com essas suspeitas sobre viagens", determinou. Para depois admitir em habilidosa antecipação: por duas vezes utilizou carona aérea do amigo Demóstenes; por duas vezes voou sob os auspícios do amigo que não possui veículo aéreo próprio; do amigo que não paga nem as contas de celular. Contas miúdas, diga-se, a revelar um vínculo orgânico com a ubíqua carteira gorda de acusados de integrar o condomínio criminoso goiano.
Gilmar estava determinado a servir de redenção ao dispositivo midiático demotucano num dia tão aziago. Não desapontou amigos, ainda que tenha escandalizado o país que espera serenidade e equidistância dos que vocalizam um Supremo Tribunal Federal. Ofensivo, execrou blogs e sites críticos -- esses sim, bandidos e gangsters-- que arguiram e ainda arguem as fronteiras da identidade de valores que aproximou o magistrado do senador decaído.
Fez mais ainda: acusou Lula de ser a central de boatos contra ele para 'melar o julgamento do mensalão' --como se o ex-presidente Lula não pudesse, não devesse ter opinião sobre fatos relevantes da vida política nacional --prerrogativa que outras togas mais serenas não contestam e legitimam. Ao jornal O Globo, na linha da frase à la carte, facilitou a manchete pronta para dissolver a terça-feira de cinzas do conservadorismo: 'O Brasil não é a Venezuela onde Chávez manda prender juiz'. O diário retribuiu a gentileza em manchete garrafal de duas linhas no alto da página. Um contrafogo sob medida à humilhante baixa no Senado. Incansável, a língua foi provendo xistes e chutes a emissários de redações sedentas, mas cometeu alguns deslizes.
Esqueceu que um pilar de sua versão sobre a famosa conversa com Lula --origem de toda celeuma que descambou em ataque à liberdade de imprensa-- residia nos pequenos detalhes que emprestam veracidade ao bom contador; um deles, o cenário: a cozinha. Teria sido naquele recinto profano do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, abrigado de qualquer solenidade e sem a presença do anfitrião, que ocorrera o assédio moral inesperado de um Lula chantageador contra um Gilmar irretocável.
Quadro perfeito. Exceto pelo fato de não se sustentar nem mesmo no matraquear do interessado. Sim, o mesmo magistrado suprimiu o precioso cenário despido de testemunhas na versão apresentada ao jornal Valor do dia 30-05 quando afirmou literalmente: 'Jobim esteve presente durante todo o tempo'. Como? E a cozinha? E a privacidade a dois que lubrificou o assédio de um Lula irreconhecível?
Evaporou-se: Jobim estava presente o tempo todo. A contradição ostensiva mirava agora outro alvo: o próprio Jobim, em retribuição ao desmentido categórico do anfitrião para o relato original do episódio à VEJA. No mesmo Valor, Gilmar insinuaria contra Nelson Jobim uma suspeita de cumplicidade com Lula por ter lançado na mesa da conversa o nome de um desafeto: Paulo Lacerda. Ex-dirigente da ABIN, Lacerda foi demitido em 2008 depois que a mesma lingua togada denunciou aos mesmos parceiros da mídia uma suposta escuta da PF em seu escritório --fato nunca comprovado. Na 5ª feira (31-05) o entendimento da investida contra Jobim ficaria completo: Serra, o candidato predileto do conservadorismo, amigo de Gilmar, prestou-se à colaborar com Veja; desinteressadamente; a exemplo do que tantas vezes o fez desinteressado o também o colaborador Dadá, aparaponga de aluguel do esquema Cachoeira. Serra incitou o amigo Jobim a falar com a revista sobre o encontro. É um traço do veículo da Abril --comprovado nos documentos disponíveis na CPI do Cachoeira-- recorrer a colaboradores desse espectro para obter 'provas' que sustentem suas matérias pré-fabricadas.
Surpreendido pela trama rasteira Jobim tirou a escada de VEJA e deu troco duplo: desmentiu Gilmar no Estadão; confirmou a Monica Bergamo, da Folha, o que tantos sabem: Serra não falha; sua biografia de bastidores está, esteve e estará sempre entrelaçada a golpes e denúncias que contemplem a regressividade udenista da qual VEJA constitui a corneta mais atuante e Gilmar o novo expoente da agressividade lacerdista.
Diante do maratonismo verbal não sobraria fôlego aos jornais e jornalistas amigos para conceder ao leitor um pequeno espaço de reflexão sobre a momentosa semana final de maio, que deixa mais dúvidas do que certezas. Ademais da evanescente cozinha do escritório do ex-ministro Nelson Jobim, outros pontos de interrogação merecem retrospecto. Por exemplo:
a) a reportagem publicada por Carta Maior no dia 29-04 " Cachoeira arruma avião para Demóstenes e 'Gilmar' --com aspas por conta da identificação incompleta do ilustre viajante e um dos motivos da fluvial verborragia togada, não tratava de pagamento de vôo a Berlim patrocinado pela 'agência de viagens' Demóstenes & Cachoeira;
b) o texto, conciso e claro baseado em escutas públicas da PF teve como foco uma 'carona aérea' no trecho SP-Brasília, solicitada ao esquema Cachoeira para o dia 25-04 de 2011;
c) as tratativas telefônicas da quadrilha Cachoeira apontam que os passageiros da carona viriam da Alemanha e seriam, respectivamente, Demóstenes e 'Gilmar' ;
d) a data da chegada a São Paulo é a mesma do retorno informado pelo próprio Gilmar Mendes em seu rally jornalístico;
e) o horário de chegada do seu vôo originário da Alemanha guarda proximidade com aquele informado à quadrilha. Essas as coincidências notáveis. A partir daí os fatos e comprovantes apresentados por Gilmar Mendes desmentem que ele tenha utilizado a dita carona solicitada à quadrilha, fato que Carta Maior noticiou imediatamente após os esclarecimentos do magistrado. O desencontro entre essas evidências e as providencias tomadas pela quadrilha Cachoeira, todavia, autoriza uma indagação que não se dissolve no aluvião verborrágico da semana, a saber: quantos Gilmares havia em Berlim com Demóstenes Torres? E, mais que isso: quem seria o 'Gilmar' cuja inclusão na carona, aparentemente desativada, não causou qualquer surpresa a Cachoeira, que nas escutas reage à menção do nome e da presença como algo se não habitual, perfeitamente compatível com a extensão de seus tentáculos e zonas de influência?
Carta Maior reserva-se o direito de continuar praticando um jornalismo crítico e auto-crítico, comprometido única e exclusivamente com a democracia e as aspirações progressistas da sociedade brasileira, abraçadas pela ampla maioria de seus leitores. Isso naturalmente a coloca na margem oposta daqueles que até ontem consideravam Demóstenes Torres, seus valores, agendas, contas de celular e caronas em jatinhos uma referência ética e republicana.
Fiel a esse compromisso com o leitor, Carta Maior cumpre a obrigação de manter em pauta algumas perguntas ainda sem resposta satisfatória: quantos gilmares havia em Berlim? Quantos gilmares havia no escritório de Jobim (um na cozinha e um na sala)? E, ainda mais urgente, quantas ameaças de fuzilamento da liberdade de expressão serão necessárias para que os partidos democráticos e o governo tomem a iniciativa de desautorizar a língua arvorada em extensão da toga? Não só em palavras, mas sobretudo na impostergável democratização afirmativa da publicidade oficial, antes que novos e velhos caçadores de jornalistas consigam transformá-la em mais um torniquete da pluralidade de opinião.
sexta-feira, 1 de junho de 2012
Žižek: A Europa e os gregos: Deus nos salve dos salvadores!
Imagine
uma cena de um filme distópico que mostre nossa sociedade num futuro próximo.
Guardas uniformizados patrulham ruas semivazias dos centros das cidades, à caça
de imigrados, criminosos e desocupados. Os que encontram, os guardas espancam.
O que parece fantasia de Hollywood já é realidade hoje, na Grécia.
Durante a noite, vigilantes uniformizados com as camisas negras do
partido neofascista Golden Dawn [Aurora Dourada], de negadores do Holocausto –,
que receberam 7% dos votos no segundo turno das eleições gregas e que contam
com o apoio, como ouve-se pela cidade, de 50% da Polícia de Atenas – patrulham
as ruas, espancando todos os imigrados que cruzem seu caminho: afegãos,
paquistaneses, argelinos. É como a Europa defende-se hoje, na primavera de
2012.
O problema de defender a civilização europeia contra a ameaça dos
imigrantes é que a ferocidade com que os defensores europeus defendem-se é
ameaça muito maior a qualquer ‘civilização’, que qualquer tipo de invasão de
muçulmanos, e ainda que todos os muçulmanos decidissem mudar-se para a Europa.
Com defensores como esses, a Europa não precisa de inimigos.
Há cem anos, G.K. Chesterton deu forma articulada ao impasse em
que se metem todos os que criticam a religião:
“Homens que se ponham a combater igrejas em nome da liberdade e da
humanidade espantam de si mesmos a liberdade e a humanidade, no momento em que
atacam a primeira igreja (...). Os secularistas não provocaram o naufrágio das
coisas divinas; só fizeram naufragar coisas seculares... se isso lhes serve de
consolo”. [1]
(Gilbert K. Charleston)
Tantos guerreiros liberais andam tão furiosamente decididos a
combater o fundamentalismo não democrático, que acabam esquecendo qualquer
liberdade e qualquer democracia, tudo em nome de combater o terror. Se os
“terroristas” só pensam e fazer naufragar esse nosso mundo por amor pelo outro
mundo, os nossos guerreiros antiterror só pensam em por a pique qualquer
democracia, por ódio ao próximo muçulmano. Alguns deles são tão perdidamente
apaixonados, fanatizados pela dignidade humana [e, no Brasil, pela chamada
“ética”], que chegam a legalizar a tortura... para defender a dignidade humana.
É a inversão do processo pelo qual os fanáticos defensores da religião
começaram por atacar a cultura secular contemporânea e acabaram por sacrificar
até as próprias credenciais religiosas, na ânsia de erradicar todos os aspectos
que odeiam no secularismo.
Mas os defensores que insistem em defender a Grécia contra
imigrantes não são o principal perigo: não passam de subproduto do perigo muito
maior, da ameaça mãe de todas as ameaças: a política de “austeridade” que
causou a desgraça da Grécia. As próximas eleições na Grécia estão marcadas para
dia 17 de junho.
O establishment europeu alerta que são eleições
cruciais: não estaria em jogo só o destino da Grécia, mas o destino de toda a
Europa. Um resultado – o correto, segundo eles – levará ao processo doloroso,.
mas necessário de recuperação, pela austeridade, para continuar. A alternativa
– no caso de vitória do Partido Syriza, de “extrema esquerda” – seria votar
pelo caos, pelo fim do mundo (europeu) como o conhecemos.
Syriza
Os profetas do apocalipse estão corretos, mas não como supõem ou
pretendem. Críticos dos arranjos democráticos hoje vigentes reclamam que as
eleições não oferecem opção real: votamos para escolher apenas entre uma
centro-direita e uma centro-esquerda cujos programas são quase absolutamente
idênticos. Mas dia 17 de junho, afinal, haverá escolha significativa: de um
lado o establishment (Nova Democracia e Pasok); do outro
lado, a Coalizão Syriza. E, como acontece quase sempre em que haja escolhas
reais no mercado eleitoral, oestablishment está em pânico: caos, pobreza e
violência eclodirão imediatamente, dizem, se os eleitores escolherem “errado”.
A mera possibilidade de vitória da Coalizão Syriza, como se ouve, já dispara
convulsões de medo nos mercados. A prosopopéia ideológica é rampante: os
mercados falam como se fossem gente, manifestam “preocupação” pelo que
acontecerá se as eleições não produzirem governo com mandato para manter o
programa de austeridade e reformas estruturais de UE-FMI. Os cidadãos gregos
não têm tempo para pensar nas preocupações “dos mercados”: mal conseguem ter
tempo para preocupar-se com a sobrevivência diária, numa vida que já alcança
graus de miséria que não se viam na Europa há décadas.
Todas essas são previsões enunciadas para se autocumprirem, causar
mais pânico e, assim, forçar as coisas a andarem na direção “prevista”. Se a
Coalizão Syriza vencer, o establishment europeu ficará à espera de que nós
aprendamos com nossos erros o que acontece quando alguém tenta interromper, por
via democrática, o ciclo vicioso de cumplicidade bandida, entre os tecnocratas
de Bruxelas e a demagogia suicida do populismo anti-imigrantes.
Alexis Tsipras
Foi exatamente o que disse Alexis Tsipras, candidato da Coalizão
Syriza, em entrevista recente: que sua prioridade absoluta, no caso de sua
coalizão vencer as eleições, será conter o pânico: “Os gregos derrotarão o
medo. Não sucumbirão. Não se deixarão chantagear.”
A tarefa da Coalizão Syriza é quase impossível. A coalizão não
traz a voz da “loucura” da extrema esquerda, mas a voz do falar racional contra
a loucura da ideologia dos mercados. No movimento de prontidão para assumir o
governo da Grécia, já derrotaram o medo de governar, tão característico do
“esquerdismo”; já mostraram que não temem fazer a faxina do quadro confuso que
herdarão. Terão de mostrar-se capazes de montar e cumprir uma formidável
combinação de princípios e pragmatismo; de compromisso democrático e presteza
para intervir com firmeza onde seja preciso. Para que tenham uma mínima chance
de sucesso, precisarão de toda a solidariedade dos povos europeus; não só de
respeito e tratamento decente pelos demais países europeus, mas, também, de
ideias mais criativas – como a de um “turismo solidário” nesse verão, que já
propuseram.
T. S. Eliot
Em suas Notes towards the Definition of
Culture, T.S. Eliot [2] observou que há momentos em que a única
escolha é entre a heresia e o não crer – i.é, quando o único meio para manter
viva uma religião é promover uma divisão de seitas. Essa é, hoje, a posição em
que está a Europa. Só uma nova “heresia” – representada hoje pela Coalizão
Syriza – pode salvar o que valha a pena salvar do legado europeu: a democracia,
a confiança no voto do povo, a solidariedade igualitária etc. A Europa que
haverá para nós, se a Coalizão Syriza for descartada, é uma “Europa com valores
asiáticos” – os quais, é claro, nada têm a ver com a Ásia, e tem tudo a ver com
a tendência do capitalismo contemporâneo, para suspender a democracia.
Eis o paradoxo que mantém o “voto livre” nas sociedades
democráticas: cada um é livre para escolher, desde que faça a escolha certa.
Por isso, quando se faz a escolha errada (como quando a Irlanda rejeitou a
Constituição da União Europeia), a escolha é tratada como erro; e o establishment imediatamente exige que se repita o
processo “democrático”, para que o erro seja reparado.
Quando George Papandreou, então primeiro-ministro grego, propôs um
referendo sobre a proposta de resgate que a Eurozona apresentara no final do
ano passado, até o referendo foi descartado como falsa escolha.
Há duas principais narrativas na mídia, sobre a crise grega: a
narrativa alemã-europeia (os gregos são irresponsáveis, preguiçosos,
gastadores, não pagam impostos etc.; e têm de ser postos sob controle, com
aulas de disciplina financeira); e a narrativa grega (nossa soberania nacional
está ameaçada pelo tecnologia neoliberal imposta por Bruxelas).
Quando se tornou impossível ignorar o suplício do povo grego,
emergiu uma terceira narrativa: os gregos estão sendo apresentados hoje como
vítimas de desastre humanitário, carentes de ajuda, como se alguma guerra ou
catástrofe natural tivesse atingido o país.
As três são falsas narrativas, mas a terceira parece ser a mais
repugnante. Os gregos não são vítimas passivas. Os gregos estão em guerra
contra o establishment econômico europeu. Precisam de
solidariedade nessa luta, porque a luta dos gregos é a luta de todos nós.
A Grécia não é exceção. É mais uma, dentre várias pistas de testes
de um novo modelo socioeconômico de aplicação quase ilimitada: uma tecnocracia
despolitizada, na qual banqueiros e outros especialistas ganham carta branca
para demolir a democracia.
Ao salvar a Grécia de seus ditos “salvadores”, salvaremos também a
Europa.
Notas dos tradutores
[1] CHESTERTON, Gilbert K., Orthodoxy [1908], “VIII: The
Romance of Orthodoxy”, em inglês.
[2] ELIOT, T. S. - Notas para uma definição de cultura. Lisboa:
Século XXI, 1996.
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