Via Carta Maior
A expressão 'Ainda há juízes em Berlim' é frequentemente lembrada quando o Estado de Direito é acuado pela exceção que pretende impor a sua vontade à força ou, modernamente, ao arbítrio do rolo compressor midiático.
A convicção embutida no enunciado remete ao desassombro de um camponês prussiano ainda no século XVIII . Coagido a derrubar seu moinho na vizinhança do palácio real, ele resistiu ao algoz porque confiava na isenção da Justiça que lhe deu coragem para não ceder.
A captura da opinião pública pelo quase oligopólio midiático exacerba a relação de forças na sociedade a ponto de fraudar o direito de não ceder ao imperativo conservador.
O país patina há mais de quatro meses no vórtice dessa amarga experiência de usurpação do discernimento social e jurídico.
Acionada por interesses cuja hegemonia tem sido desautorizada em sucessivos escrutínios democráticos, uma fantástica máquina de criminalização da esquerda, da política e das formas de representação popular foi posta em marcha no julgamento da Ação Penal 470.
Talentos profissionais da dramaturgia, do jornalismo e do marketing político revestiram uma monumental peça acusatória com o maniqueísmo capaz de torná-la crível, lógica e digerível.
Só um ruído maculava a extraordinária sintonia do conjunto: a falta de provas nos atos. A lacuna seria calafetada diuturnamente pelas betoneiras da semi-informação, da ocultação e do preconceito intrínsecos ao monolitismo midiático.
O jurista alemão Claus Roxin desautorizou o uso bastardo de um conceito de sua lavra, apropriado de forma pedestre na sofreguidão condenatória montada a contrapelo dos autos e das circunstâncias.
Mas foi um magistrado no ofício corajoso de reafirmar a norma e, sobretudo, as impropriedades da impaciência na santa aliança com o arbítrio que personificou de fato a imagem do juiz de Berlim neste caso.
Ricardo Lewandowski recusou o moralismo obscurantista e afrontou o contubérnio entre egos togados e holofotes feitos para cegar.
Paciente, às vezes indignado, reafirmou o espaço do contraditório; sempre que pode, recolou o comboio desembestado na faina condenatória nos trilhos da razão argumentativa; falou sem o hermetismo dos boçais; convidou à reflexão , evocou o bom senso -- cobrou a presunção da inocência, sem a qual o Direito deixa o abrigo da ciência para ser arbítrio.
Em rota de colisão com o atropelo dos autos , não recuou quando a ligeireza indiciária dos robespierres das redações levantou a guilhotina contra a sua reputação.
Lewandowski honrou a toga da suprema corte ao não ceder à arte de satanizar antes de provar a existência do inferno - não raro encenado com as chamas produzidas no photoshp do oligopólio que se evoca inimputável.
A retidão do ministro relator orgulha e reafirma a soberania do judiciário brasileiro no terreno minado dos dias que correm.
Mas sua voz não pode mais ser reportada à opinião pública exclusivamente pelo filtro de um aparato interessado em baratear o Direito e sua isenção.
A voz dos seus pares em todo o Brasil não pode perdurar em silêncio, enquanto se procede à lapidação da toga heroica com as pedras um falso consenso condenatório.
Carta Maior conclama seus leitores, os advogados e juristas brasileiros, ademais das organizações sociais e suas lideranças a endossarem o manifesto ecumênico de apoio a Ricardo Lewandowski iniciado e liderado pelo site Cidadania, e que deve ser entregue ao ministro, em mãos , em Brasília.
Repita-se, não se trata de um gesto partidário ou protocolar. Não é apenas a Ação Penal 470 que está em jogo.
O desagravo a Lewandowski representa hoje no Brasil, acima de tudo, um desagravo ao sagrado compromisso do judiciário com o Estado de Direito.
Abaixo, o manifesto de apoio ao ministro Ricardo Lewandowski
'O carioca Enrique Ricardo Lewandowski, de 64 anos, desde o primeiro momento do julgamento da ação penal 470 não se vergou a pressões, a intimidações, a insultos e à chacota.
Foi atacado, ridicularizado, achincalhado, difamado pela grande imprensa e até por grande parte dos seus pares no STF, sobretudo quando absolveu José Dirceu da condenação por corrupção ativa, e rejeitou a tese, jamais provada, de que o PT teria “comprado votos”.
Ao justificar seu voto absolvendo Dirceu, recorreu ao principal teórico da atualidade sobre a teoria jurídica usada para condenar o ex-ministro, o alemão Claus Roxin, que, segundo Lewandoski, divergiria da interpretação da maioria esmagadora do STF sobre o Domínio do Fato.
Em 11 de novembro de 2012, passadas as condenações com base nessa teoria, o jornal Folha de São Paulo publica entrevista do teórico alemão que repudia a interpretação que os pares de Lewandoski deram ao seu trabalho.
Os ministros Carlos Ayres Britto, Cezar Peluzzo, Carmem Lúcia, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Celso de Mello, portanto, trocaram o julgamento da história pelo julgamento da mídia e da opinião publicada.
Até José Antonio Dias Tóffoli, apesar de nadar contra a maré quanto a Dirceu, em algum momento se deixou intimidar. Lewandoski, não. Permaneceu e permanece firme, impávido, em defesa do Estado de Direito.
Não é fácil fazer o que fez esse portento de coragem e decência. O grupo social que esses ministros freqüentam é impiedoso, medíocre e, não raro, truculento. E se pauta exclusivamente pela mídia.
Os aplausos fáceis que Joaquim Barbosa auferiu com suas cada vez mais evidentes pretensões político-eleitorais jamais seduziram Lewandowski, que desprezou o ouro dos tolos e ficou ao lado da verdade.
Convido, pois, os leitores deste blog a escreverem suas homenagens ao ministro Lewandowski, as quais lhe serão enviadas, com vistas a se contrapor aos ataques rasteiros e covardes que ele vem sofrendo.
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