terça-feira, 2 de agosto de 2011

Paul Krugman, a rendição de Obama e a (sic) insanidade dos republicanos

A rendição do Presidente Obama

Não se iludam: o que estamos presenciando aqui é uma catástrofe em múltiplos níveis.

Por Paul Krugman, na Revista Fórum

Tradução de Idelber Avelar

Está sendo gestado um acordo para aumentar o teto da dívida federal. Se ele passar, muitos comentaristas dirão que se evitou o desastre. Mas eles estarão errados.

Porque o acordo mesmo, dada a informação disponível, é um desastre, e não apenas para o Presidente Obama e seu partido. O acordo vai causar danos a uma economia já deprimida; provavelmente tornará o velho problema do déficit estadunidense pior, não melhor; e, mais importante, ao demonstrar que a pura extorsão funciona e não traz custos políticos, ele leva os EUA mais perto ainda do estatuto de ´república bananeira ´.

Comecemos com a economia. Temos, no momento, uma economia profundamente deprimida. É quase certo que continuaremos a ter uma economia deprimida ao longo do ano que vem. E provavelmente teremos uma economia deprimida ao longo de 2013, se não mais além.

A pior coisa que você pode fazer nestas circunstâncias é cortar os gastos do governo, pois isso deprime a economia ainda mais. Não preste atenção aos que invocam a fadinha da confiança, que argumenta que ações orçamentárias duras reasseguram os negócios e os consumidores, levando-os a gastar mais. Não funciona assim, isso é fato já confirmado por inúmeros estudos históricos.

Na verdade, cortar gastos quando a economia está deprimida não ajuda nem mesmo a situação orçamentária, e pode na verdade torná-la pior. Por um lado, as taxas de juros sobre os empréstimos federais são hoje bem baixas, portanto cortar gastos agora faz muito pouco para reduzir as futuras despesas com juros. Por outro lado, tornar a economia mais fraca agora também causa dano a suas chances a longo prazo, o que por sua vez reduz a receita futura. Portanto, aqueles que exigem cortes de gastos agora são como aqueles médicos medievais que tratavam os doentes sangrando-os, e assim adoecendo-os ainda mais.

Ainda por cima, há os termos do acordo, que se reduzem a uma rendição abjeta por parte do Presidente. Primeiro, haverá cortes de gastos, sem nenhum aumento de receita. Depois, um painel fará recomendações para mais redução de deficit – e se essas recomendações não forem aceitas, haverá mais cortes de gastos.

Os Republicanos supostamente têm um incentivo para fazer concessões desta vez, porque os gastos com defesa estarão entre as áreas a serem cortadas. Mas o Partido Republicano já demonstrou sua disposição de arriscar o colapso financeiro a menos que ele receba tudo o que seus membros mais extremos querem. Por que esperar que eles sejam mais razoáveis da próxima vez?

Na verdade, os Republicanos na certa se sentirão encorajados pela forma como Obama continua a se dobrar ante suas ameaças. Ele se rendeu em dezembro, ao estender os cortes de impostos de Bush; rendeu-se na primavera, quando eles ameaçaram fechar o governo; e acaba de se render de novo, em enorme escala, a uma pura extorsão no tema do teto do endividamento. Talvez seja só eu, mas vejo um padrão aqui.

O presidente tinha outra alternativa desta vez? Sim.

Em primeiro lugar, ele poderia e deveria ter exigido um aumento no teto do endividamento em dezembro. Ao ser perguntado por que não o fez, ele respondeu que tinha certeza de que os Republicanos agiriam com responsabilidade. Belo palpite.

E mesmo agora, a administração Obama poderia ter recorrido a manobras legais na questão do teto da dívida, usando qualquer uma de várias opções. Em circunstâncias normais, poderia ter sido um passo extremo. Mas, ante a realidade do que está acontecendo, ou seja, a extorsão crua por parte de um partido que, afinal de contas, só controla uma casa do Congresso, a medida teria sido totalmente justificável.

Pelo menos, Obama poderia ter usado a possibilidade de um impasse legal para fortalecer sua posição de barganha. Em vez disso, no entanto, ele eliminou todas essas opções desde o começo.

Mas será que uma posição mais dura de Obama não teria preocupado os mercados? Provavelmente não. Na verdade, se eu fosse investidor, eu me sentiria assegurado, não chocado, por uma demonstração de que o presidente é capaz de e está disposto a enfrentar a chantagem dos extremistas de direita. Em vez disso, ele escolheu demonstrar o oposto.

Não se iludam, o que estamos presenciando aqui é uma catástrofe em múltiplos níveis.

Trata-se, claro, de uma catástrofe política para os Democratas, que até poucas semanas atrás pareciam ter os Republicanos contra as cordas por tentarem desmantelar o Medicare: agora, Obama jogou tudo isso fora. E o dano ainda não acabou: ainda haverá mais pontos de estrangulamento com os quais os Republicanos podem ameaçar criar uma crise ao menos que o presidente se renda, e eles agora podem agir com a expectativa confiante de que ele se renderá.

A longo prazo, no entanto, os Democratas não serão os únicos perdedores. O que os Republicanos acabam de conseguir fazer põe em questão todo o nosso sistema de governo. No fim das contas, como a democracia estadunidense pode funcionar se o partido que está mais preparado para ser sangrento, ameaçar a segurança econômica da nação, ganha como prêmio o direito de ditar a politica? A resposta é: talvez não, talvez ela não possa funcionar.

Original aqui.

Paul Krugman, economista estadunidense, professor de Economia e Assuntos Internacionais na Universidade Princeton e colunista do New York Times. Laureado com o Nobel de Economia em 2008.

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