Emergência histórica dos EUA enquanto grande potência foi muito menos original e criativa do que pensam alguns historiadores e economistas
Por José Luis Fiori*, para o Outras Palavras
“Years before the Declaration of Independence…
Benjamin Franklin, George Washington and Thomas Jefferson,
as well as a considerable ratio of New England´s most proeminent Congregationalist ministers
already talked of America reaching the Mississippi or even the Pacific
to become the next century great empire”
Benjamin Franklin, George Washington and Thomas Jefferson,
as well as a considerable ratio of New England´s most proeminent Congregationalist ministers
already talked of America reaching the Mississippi or even the Pacific
to become the next century great empire”
Kevin Phillips, “The Cousins´ Wars”
A publicação, em 1894, do livro do economista inglês John A. Hobson (1858-1940) — A Evolução do Capitalismo Moderno — transformou-se numa referência obrigatória para a interpretação do desenvolvimento econômico dos Estados Unidos. Depois de Hobson, vários historiadores e economistas retomaram sua tese sobre a originalidade radical do capitalismo americano, vis a vis o desenvolvimento europeu. Em particular, depois da Guerra de Secessão (1861-1865), com o surgimento das grandes corporações e do capital financeiro, que teriam revolucionado a organização microeconômica e mudado a face do capitalismo mundial. Do nosso ponto de vista, entretanto, estas transformações ajudam a entender o “milagre econômico” americano do início do século XX, mas não explicam as próprias transformações.
Estados Unidos foram o primeiro Estado nacional que nasceu fora da Europa, mas não nasceu fora do sistema geopolítico e econômico europeu. Pode-se dizer inclusive, que a “Guerra da Independência” americana foi, em grande parte, um capítulo da disputa entre a Inglaterra e a França pela supremacia mundial. E sua conquista definitiva ocorreu entre as duas grandes guerras (“Dos 7 Anos” e “Bonapartista”) que definiram a hierarquia de poder internacional e a supremacia inglesa, dentro e fora da Europa, a partir de 1815. Durante este período de guerras, os Estados Unidos sempre se sentiram “cercados” e ameaçados — simultânea ou sucessivamente — pela Inglaterra, França e Espanha, e tiveram que negociar seu reconhecimento e suas fronteiras com o “núcleo duro” das Grandes Potências europeias.
Assim mesmo, os EUA acabaram se transformando no único Estado nacional extra-europeu que nasceu de um império e de uma economia em plena expansão vitoriosa. Mais do que isto, durante a chamada “revolução industrial” que transformou os Estados Unidos – imediatamente — na primeira periferia “primário-exportadora” de sucesso da economia industrial inglesa. Situação econômica privilegiada, que se consolidou e expandiu durante todo o século XIX, antes e depois da Guerra de Secessão, enquanto a Inglaterra abria espaços de expansão comercial para sua ex-colônia e assumia a responsabilidade – em alguns momentos — por cerca de 60% do investimento direto dentro de todo o território norte-americano. Este passou a fazer parte de uma espécie de “zona de co-prosperidade” anglo-saxônica, ou mesmo num caso avant la lettre, de “desenvolvimento a convite” da Inglaterra.
Por outro lado, desde sua independência, os Estados Unidos foram governados por uma elite coesa e com um intense commitment imperial, e mantiveram um ritmo de expansão política e territorial contínua, através da guerra, da diplomacia e do comércio. Antes da Guerra Civil, foram 37 “guerras indígenas”, e mais as guerras do Texas e do México, em 1837 e 1846, responsáveis pela duplicação do território americano. Mais à frente, vieram a Guerra Civil, a Guerra Hispano-Americana, e uma sucessão de intervenções militares no Caribe, num movimento de expansão que se acelerou no século XX, alcançando Europa, Ásia, Oriente Médio e África. De forma que nos cerca de 250 anos de história independente, os EUA iniciaram, em média, uma guerra a cada três anos, exatamente tal como a Inglaterra. Contando com a vantagem de ser “membro por nascimento”, da pequena comunidade dos estados produtores da “ética internacional” que arbitram as “guerras justas” e o “livre comércio”.
A história segue e é extensa, mas já se pode dizer que ela fornece fortes indícios de que:
- o desenvolvimento econômico dos EUA não foi uma exceção, pelo contrário, foi uma parte essencial da expansão e das contradições do sistema inter-estatal e do capitalismo europeu;
- o sucesso do capitalismo americano não foi puramente endógeno, nem foi apenas uma obra das grandes corporações e do capital financeiro que nasceram à sombra da Guerra Civil;
- o “apoio externo” foi decisivo para o sucesso da economia americana, que foi sempre a principal “fronteira de expansão” do capital financeiro inglês;
- a “guerra contínua” teve um papel estratégico no desenho da política industrial e agrícola, e no desenvolvimento científico e tecnológico dos EUA;
- e por fim, a expansão política, territorial e bélica dos EUA deu-se na frente do processo de internacionalização das grandes corporações, do capital financeiro e da moeda norte-americana.
Uma história de desenvolvimento econômico como a das demais potências do sistema mundial, mas muito diferente da interpretação economicista de Hobson e seus discípulos.
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