segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Precisamos dos dois poderes

Por Tiago Mafra

Quais os limites das transformações sociais possíveis dentro de um modelo democrático atrelado ao modo de produção capitalista? Sem dúvida alguma o Brasil consolidou-se como uma prova cabal de que há uma grande margem de atuação na busca pela redução das desigualdades, agindo dentro da ordem vigente.

Nesse cenário, um dos diversos fatores que fixa a profundidade das transformações operadas é o PODER. Digo aqui não o poder institucional, mas aquele capaz de congregar os interesses dos diversos atores sociais, em especial os movimentos populares, que dão o poder real para além de nomeações, cargos ou instituições.

O poder pautado na base real, popular, com pé no mesmo chão em que pisa o trabalhador, coloca em marcha a participação popular e acaba por evidenciar os distintos interesses de classe. Força ainda, o debate público, traz os movimentos organizados para o cenário e obriga uma disputa constante pela sociedade.

Foi esse poder real que ajudou a eleger o primeiro operário presidente, a primeira mulher presidenta e o primeiro prefeito negro de Poços de Caldas.

A realidade conservadora e suas regras, inegavelmente nos impõem adequações, muitas vezes atrasando o programa de avanços sociais; outras vezes obriga mudanças táticas, forçando adequações que deveriam ser momentâneas.

O incômodo é quando a adequação, que deveria ser pontual, converte-se em regra. É uma certa “banalização da adequação”, uma governabilidade elevada à divindade, que cumpriu nos último anos, muito bem diga-se de passagem, o papel de substituir o poder real, autêntico, com base popular, unicamente pelo poder formal, baseado nas regras vigentes, vazio de povo.

A trelado à essa substituição vieram a reboque os arranjos escusos, as redes de troca de favores e influências, a confusão entre o público e o privado e uma relativização assustadora dos princípios que nos regeram outrora; não há uma “guerra santa” em voga. A luta de classes é evidente, mas não dicotomicamente resumida a governo e oposição como seria mais fácil tentar aceitar. Numa sociedade globalizada, sob influência de uma mídia conservadora e sempre sob pressão das disputas geopolíticas, uma miríade de variáveis nos impede a imprecisão da ramificação binária.

O poder real, popular, atrelado ao formal, das estruturas dominantes, permitiu ao país um governo que aumentou o salário mínimo em 70%, propiciou ensino superior e moradia ao povo, ampliou investimentos em saúde e educação, retomou o planejamento e o combate à defasagem estrutural, enfrentou a fome e a miséria distribuindo renda e gerando emprego, estabeleceu uma política externa soberana e respeitável.

A chamada “revolução democrática” é a maior transformação da história do Brasil. E queremos mais. Revoluções não param. E não há pecado em querer mais, ao menos para os que não compreendem os partidos e governos como profissão de fé. Não os são. Fujamos de axiomas. Há ainda estruturas a modificar, há desigualdades a combater, há um sistema a destruir, relações produtivas a superar. Transformações que só virão com base popular, participação consciente, viva.

É um sentimento de muitos, uma gana por mais. Uns veem como crítica pela crítica. Outros como oportunismo.  Outros tripudiam os “cricris” com a alcunha de “esquerda rivotril”.

Talvez precisemos mesmo de rivotril: contra a ansiedade frente à inércia do poder formal; contra a depressão de saber que tanto mais pode ser feito, mas que depende da decisão de ir além de onde estamos; decisão que a maioria de nossos representantes formais não parece estar propensa a tomar.

A história não para, a luta de classes também não. Tarso Genro afirmou que “ou nos renovamos, ou morremos”, nos mediocrizamos de vez como disse Boff. Trabalho para que caminhemos pela primeira opção, da renovação, para que não fique apenas no campo das possibilidades nosso potencial de vanguarda do período popular da história.

Tiago Mafra é professor de Geografia da rede municipal de ensino de Poços de Caldas e membro do pré-vestibular comunitário Educafro.


sábado, 22 de agosto de 2015

À noite todos os gatos são pardos

Uma rápida passeada pelas redes sociais e logo noto que muitos daqueles que até anteontem julgavam como tresloucadas as ações da Operação Lava Jato, agora estão eufóricos e se regozijando com as denúncias contra Eduardo Cunha.

Todavia, essas denúncias foram feitas pela mesmíssima Operação Lava Jato tão demonizada por aqueles que consideram injustas e perseguição política, talvez até parte de um golpe, as denúncias e a subsequente prisão, por exemplo,  do ex-ministro José Dirceu e do ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores João Vaccari Neto. 

Oras, os mesmos que reclamam da seletividade da mídia oligopolizada quando esta trata dos famosos, e já quase enfadonhos,  escândalos de corrupção  – e nisso têm toda a razão – por parecerem  ser sempre culpa de um único partido,  no caso o PT, e omitem casos semelhantes ocorridos nas fileiras do PSDB,  são os mesmos que agora utilizam do subterfúgio da seletividade para julgar quem meteu e quem não meteu a mão na cumbuca da Petrobras.

Esquecem-se eles que se  o desprezível  Eduardo Cunha foi um dos muitos a se beneficiar de dinheiro retirado da Petrobras – uma estatal e, portanto, detentora de recursos públicos – isso ocorreu segundo as denúncias do procurador-geral da República em período recente,  período em que o PT já estava a frente do governo federal.

Pré-julgar Eduardo Cunha – de longe o pior presidente que um dos poderes da República teve desde a redemocratização e porta-voz  do que há de mais conservador e muitas vezes reacionário em nossa sociedade – se esquecendo que no fundo ele faz parte do mesmo esquema de corrupção que encharcou muitos “companheiros” é duma hipocrisia tosca que nem se dá ao trabalho de ser minimamente sofisticada. 

Pré-julgar Eduardo Cunha –  um sujeito que não merece respeito algum por quem baseia a vida em valores éticos e enxerga a Democracia como um bem a ser defendido todos os dias – se esquecendo que ele “apenas” soube  se aproveitar das benesses que a Petrobras dava aos políticos “aliados”, é querer tapar o astro-rei com a peneira enquanto chama todos os  brasileiros de idiotas.

Na mesma lama que chafurda Eduardo Cunha, também estão Fernando Collor – será que o ex-presidente é merecedor da solidariedade dos novos “companheiros”? –  José Dirceu,  João Vaccari Neto e muitos outros considerados pelos neopetistas e petistas chapa-branca  heróis do povo brasileiro.

É fato que a Operação Lava Jato tem tido arroubos e excessos em quantidade preocupante e igualmente é fato que um juiz de primeira instância tem se portado como celebridade enquanto veste a capa de paladino da Justiça. Porém, não podemos jogar fora o bebê junto com a água do banho.  Os  efeitos que a Lava Jato pode  ter ao desvendar uma teia de corrupção que até então nos parecia invisível, ainda não são mensuráveis.

Quanto aos neopetistas e  petistas chapa-branca, no fundo dá até pra entender sua seletividade, afinal,  costumam pensar com o estômago e não com a cabeça. 

quinta-feira, 30 de julho de 2015

UM OLHO DE CADA COR

Nessas férias de julho passeei muito com minha filha Isabela. A programação de Julho da cidade estava repleta de atrações que tornavam as férias muito mais ricas e divertidas para turistas e para os cidadãos poçoscaldenses que conseguissem se deslocar até o centro, tendo em vista que a maioria das atrações eram na praça Pedro Sanches ou na Urca.

Mas, quero chamar a atenção na verdade é para o que aconteceu atrás do museu. Três artistas locais apresentariam as lendas da cidade baseados no livro da museológa Nilza Megale e assim que eu e minha filha chegamos já vimos tudo preparado: o local dos instrumentos, o pano de retalhos onde as crianças assistiriam, as cadeiras ao fundo para os adultos.

Isabela, sem timidez nenhuma foi sentar-se junto às outras crianças que estavam à frente. Eram crianças extremamente bem vestidas que conversavam sobre seus “colégios”. Assim que ela chegou, com seus olhinhos um da cor azul e outro da cor preta, as crianças ignoraram sua entrada no grupo, por não ignorarem a diferença da cor das pupilas. Uma delas passou a conjecturar o motivo, falando as demais com cara de desprezo que era porque a Isabela tinha machucado o olho e que não enxergava e várias outras coisas que nem escutei. As demais olharam a Isabela de cima em baixo e voltaram a olhar a narradora da história preconceituosa.

Isabela simplesmente saiu de perto, me pediu um papel e canetas, voltou a sentar no pano, um pouco mais longe das meninas, e passou a desenhar suas princesas e seus castelos. Mostrava suas produções entre um sorriso e outro.

Eu enquanto mãe observei como a Isabela lidava com a situação. Sempre a elogiamos muito e lhe falamos que era rara e por isso é bela e depois conversando com ela expliquei que tem criança que nunca viu olhos bonitos que nem o dela e perguntei se ela sabia que era linda e ela disse “sou maravilhosa”.


Entendo que por ser diferente chame a atenção, mas foi a primeira vez que vi um gesto de rejeição. Geralmente as pessoas ou crianças comentam, perguntam, mas não excluem e o que leva a crer que tal gesto é mais comum entre aqueles que ocupam a classe dominante, a julgar pela conversa das meninas sobre “colégio” e as roupas que usavam.

Daí minha reflexão enquanto educadora foi em outro sentido... como são esses colégios? Como são organizados? Estão prontos para lidarem com a diferença?

Compreendo os vários problemas da escola pública como professores mal remunerados, falta excessiva dos profissionais em educação, salas superlotadas, trabalho muitas vezes superficial dos conteúdos, entendimento do aluno como número no IDEB... Entretanto, por mais problemas que haja uma coisa é certa: a escola pública está mais preparada a trabalhar democraticamente do que a escola privada.

Quem aceita as crianças independentemente se podem pagar o ensino? Quem contrata cuidadores para as crianças com necessidade especial (no caso da realidade em Poços de Caldas)? Quem não vem com uma apostila pronta pra ser executada e tem a grande possibilidade de elaborar seu próprio currículo junto à comunidade? Quem serve a merenda igual e de qualidade para todos os alunos? Quem tem a condição de agregar no mesmo espaço crianças e adolescentes de diferentes religiões, etnias, culturas?

A escola pública também tem um olho de cada cor. Inclui negros e brancos, evangélicos e umbandistas, classe média e camada popular, crianças com necessidades e crianças com altas habilidades. Enquanto escola que sabe de sua riqueza por não ser homogênea, a escola pública só tem a ganhar em democracia, em tolerância, em respeito pela diversidade, em busca de uma sociedade que não olhe os olhos, mas o que está por detrás deles... Mas, pra isso, a escola pública e todos que usufruem dela, professores, gestores, comunidade escolar, políticos, precisam aceitar esse diferencial riquíssimo que a escola pública tem, de modo que os grupos atendidos não sejam mera matrícula de pertencimento, mas uma inclusão de fato de suas vivências e culturas, pois ao se marginalizar o conhecimento do aluno a escola pública abandonará seu potencial democrático para se assemelhar a escola privada que homogeneíza o currículo e ao fazer isso homogeneíza pessoas.

Ana Paula Ferreira, professora da rede Municipal e coordenadora pedagógica do Educafro Poços de Caldas.



quarta-feira, 27 de maio de 2015

DERROTA DE EDUARDO CUNHA, VITÓRIA DA SOCIEDADE

Há de se registrar que nossos nobres e probos deputados federais não agiram pensando apenas nos valores democráticos ou no futuro da sociedade brasileira. Tampouco tiverem o desprendimento que se espera de cidadãos que se colocam a disposição da sociedade e do povo.

Muito pelo contrário, retirando as exceções de praxe, a maioria agiu de forma bastante individualista pensando única e exclusivamente no próprio umbigo. Afinal, manter as atuais regras é, no caso dos deputados, manter-se na zona de conforto. Mudar as regras do jogo poderia jogá-los numa área escura onde o faro de sobrevivência lhes aconselhava ser melhor não arriscar tanto.

Foi justamente esse instinto de sobrevivência que levou nossos deputados a votarem contra o distritão e na sequência contra a oficialização do financiamento privado.

Quantos dos atuais deputados se elegeriam caso fosse implantado o distritão? Quantos conseguiriam alancar recursos cada vez maiores numa disputa cada vez mais desigual caso fosse oficializado o financiamento privado de campanhas?

Porém, mesmo por vias tortas (diria eu basante tortas) o autoritarismo e a prepotência de Eduardo Cunha foram derrotados. A manutenção do atual sistema de eleição para os legislativos e o do atual modelo de financiamento eleitoral nem de longe representam o que a sociedade quer e necessita, mas são um mal bem menor se comparados as aberrações que seriam defendidas por Cunha e seus asseclas.

Outro derrotado é o todo-poderoso ministro do STF Gilmar Mendes. Com a derrota da proposta de Cunha de oficializar o financiamento privado, sobe a pressão para que Mendes devolva o processo no qual o STF já estava prestes a decidir sobre a inconstitucionalidade desse tipo de financiamento de campanha.

Uma coisa é certa. O Brasil amanheceu hoje menos pior do que amanheceria se Cunha tivesse logrado mais um êxito. Na verdade cada derrota de Cunha é um retrocesso a menos para o Brasil.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Breve leitura histórica, política e trabalhista

Por Ana Paula Ferreira

É correto avaliarmos que a desvalorização docente não é de agora. Sabe-se que foram anos sem percentual significativo de aumento e inclusive gestões em que nem o repasse inflacionário foi coberto.

Muitos culpabilizam o sindicato e por mais que se deva tecer as críticas, fragilizá-lo não é a melhor opção uma vez que o patronato se utiliza disso para reforçar sua tirania sobre os trabalhadores. A história mostra isso! Como o desfalque do presidente do sindicato no período de 2004 a 2007, várias pessoas se desfiliaram, contribuindo para o esvaziamento das assembleias e manifestações sem grandes repercussões no ano de 2009 e 2010. Consequência: Neste período de 2009 a 2012 nem o ajuste salarial para acompanhamento da inflação tivemos.

Enquanto utópica e militante na educação estive presente nesse momento decadente do sindicato e participando também da Comissão para revisão do Estatuto do Magistério, iniciado em outubro de 2010, pensei que tal medida democrática poderia se traduzir em uma valorização dos profissionais da educação.

O engraçado é que tocaram no assunto da revisão justo numa época em que a prefeitura mobilizava esforços para que os funcionários públicos aceitassem o regime estatutário. Não houve a concordância de troca de regime trabalhista e também não houve qualquer devolutiva do texto final elaborado pela Comissão como produto de dois anos de reuniões. O engavetamento foi uma nítida indiferença aos trabalhadores da educação.

Mas o cenário era outro! O sindicato voltava a se fortalecer no ano de 2011 sob uma ameaça do cancelamento do concurso 2008 em que foi possível o ingresso de centenas pessoas no setor público. O medo de perder seus direitos trabalhistas motivou que 64 servidores se filiassem no sindicato e buscassem apoio jurídico.

O sindicato não só tinha mais filiados como também uma maior participação, diante de posturas ousadas e transparentes, escancarando em plena campanha política municipal no ano de 2012, out doors que denunciavam o descaso da administração pública (cujo prefeito na época era candidato) em relação aos funcionários públicos.
O estudo de história não serve para mero memorialismo. A história nos conta as raízes daquilo que é atual e nos permite visitar erros passados para se evitar inclusive erros similares no presente.

Num passado não tão distante os funcionários públicos negaram o regime estatutário. A nova administração contratou uma empresa por um valor abusivo para fazer um novo documento e ouvir de novo um “não” dos trabalhadores, uma vez que o ganho salarial real nem é mencionado.

A administração anterior fez uso de uma comissão justificando a horizontalidade para tratar a valorização docente, o que é ético, plural, democrático e plausível de louvor, se não fosse o fato que ambas administrações engavetarem as propostas advindas de numerosos encontros, demonstrando um enorme desapreço aqueles que se reuniram em calorosas discussões e em relação aqueles que esperavam a materialização das propostas.

Através do exposto, a imagem do atual prefeito desgasta-se incluindo aí o não cumprimento da Lei do Piso para os professores, direito esse de ter 1/3 da sua carga horária sem alunos, para realização de planejamento, estudo e avaliação. Nem menciono o direito de um salário de R$ 1917,78, pois isso caberia em outra apreciação, mas o que se nota é uma incoerência com o nome do partido, incoerência com as promessas de campanha e falta de leitura de uma história recente.

O ano de 2016 terá eleições municipais novamente. Que o prefeito reflita sobre a trajetória de seu antecessor político em relação aos direitos trabalhistas. Há um curto espaço de tempo para um funcionalismo tão descrente em mudanças profícuas e por isso que a valorização do trabalhador em educação deve ser pauta urgente, pois se a finalidade é a reeleição que lembre a voz de Elis Regina cantando “Cai um rei de ouro, cai um rei de espada, cai um rei de paus, cai num fica nada”.


Ana Paula Ferreira é companheira de lutas populares, Professora da rede pública de Poços de Caldas e coordenadora do Educafro.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Manifestantes cobram fiscalização do transporte público

Por Tiago Mafra 

No último sábado (07) o Levante Popular da Juventude, juntamente com o Educafro (Curso Pré-Vestibular Comunitário) e a UMES (União Municipal dos estudantes Secundarista), realizaram um ato público na esquina da Rua Assis Figueiredo com a Rua Prefeito Chagas para debater a transparência no transporte público sob concessão em Poços de Caldas.

Cerca 70 pessoas participaram de um debate aberto, expondo as dificuldades referentes ao transporte coletivo no município, bem como fazendo um histórico das reivindicações envolvendo o setor. Uma das preocupações é a dificuldade de acompanhamento e obtenção de transparência no tocante ao serviço.

Para Danilo Santos, representante do Levante Popular, “É preciso melhorar a forma de fiscalizar a empresa prestadora de serviços, uma vez que ela mesma apresenta os dados que embasam as requisições de aumento da tarifa”.

Após o debate, os manifestantes se dividiram em vários pontos do centro da cidade, com intuito de coletar assinaturas que serão entregues à Câmara Municipal requisitando uma audiência para tratar da criação de um Conselho Municipal de Transporte, que seria um mecanismo de participação popular na gestão e acompanhamento do serviço.

Em dezembro de 2014 a empresa que opera o serviço na cidade obteve redução de ISSQN de 5% para 2%, além de receber dois meses depois, acréscimo de R$ 0,20 na tarifa, operando com preço de R$ 3,00 a partir de domingo (08).

Tiago Mafra é companheiro de lutas populares aqui em Poços de Caldas, professor de geografia na rede pública municipal de ensino e coordenador do Educafro.



terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A supremacia do equilíbrio

Por Tiago Mafra 
tiago.fidel@yahoo.com.br

Após a artimanha da redução do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) de 5% para 2%, aprovada sem entraves na Câmara Municipal, livre sequer de uma oposição corajosa no último 17 de dezembro, o alarde foi de que a tarifa seria mantida no valor de R$ 2,80.
Com uma isenção de mais de 1 milhão de reais ano, a esperança era de que as requisições de reajuste cessassem pelo próximo ano, como afirmou o Executivo e acreditou o Legislativo. Balela...
Menos de dois meses depois, a tarifa é reajustada para R$ 3,00, que passará a vigorar a partir de 8 de fevereiro. A justificativa: “manter o equilíbrio financeiro do sistema de transporte coletivo urbano e garantir a qualidade do serviço”. Equilíbrio que o discurso corrente em dezembro garantia que a redução de impostos asseguraria.
Além disso, alguns argumentos oficiais do executivo Municipal valem análise e contraponto:
1º “A correção se dá após dois anos sem reajustes”: Não estamos a 2 anos sem aumento. A empresa obteve diversos incentivos desde as manifestações de 2013, com redução de impostos federais, com a redução de 60% de ISSQN, com acréscimo de R$ 0,20 ainda em 2014 e mais R$ 0,20 a partir de fevereiro deste ano.
2º “A correção da tarifa ocorre juntamente a uma série de melhorias no sistema de transporte coletivo urbano”: o poder público, ao conceder ajuste, anuncia juntamente medidas que considera melhorias fruto de um levantamento feito junto à população. Realmente as demandas são justas e necessárias, mas não devem ser encarados como “benefícios” ou contrapartidas. O contrato de concessão (205/04) que rege o serviço prevê que ao “poder concedente (prefeitura) cabe zelar pela boa qualidade do serviço” e à concessionária “prestar serviço adequado, executar todas as atividades relativas à concessão com zelo, diligência e economia”. É, portanto, obrigação contratual de ambas as partes a manutenção da qualidade do serviço vigente.
Porém, outras previsões contratuais parecem não estar em muita evidência como as demais. A fiscalização permanente, obrigação do Executivo, continua um mistério para a população. Nenhuma medida de transparência foi tomada para garantir maior participação ou para sanar as dúvidas quanto à metodologia de acompanhamento, como a quantidade de servidores que fiscalizam o serviço, com que frequência o fazem, dispondo de quais meios para confrontar dados aferidos com os apresentados pela concessionária.
Assim, com um belo “chapéu” dado da Câmara Municipal, mais R$ 0,20 no bolso, digo, na tarifa e menos 60% de ISSQN, o equilíbrio financeiro da prestadora do serviço (que mais parece a proprietária do mesmo) está garantido. Garantido até que ela mesma apresente nova requisição, que ninguém contradirá, porque não têm meios e nem vontade política para tal.
Abrir mão de receita parece um bom negócio para uma prefeitura em crise financeira. Ganhar mais vinte centavos, uma grande jogada para quem acabou de ter isenção de imposto. Fazer 15 vereadores defenderem fielmente algo que não se concretiza, um grande espetáculo cômico, onde no fim, rimos de nós mesmos. Tudo pelo equilíbrio econômico financeiro, da empresa é claro.


É como se diz: “Quanto mais te agachas, mais te põem o pé em cima.”

Tiago Mafra é companheiro de lutas populares aqui em Poços de Caldas, professor de geografia na rede pública municipal de ensino e coordenador do Educafro.


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Reflexão, inflexão e ação

Iniciando o ano de 2015 e olhando pelo retrovisor, fica mais fácil analisar o turbilhão de fatos acontecidos antes, durante e após as eleições de 2014. E uma coisa salta aos olhos mesmo ao observador menos atento: a esquerda brasileira saiu, em termos eleitorais, muito menor do que entrou.

As forças do campo democrático-popular sofreram um revés histórico. Os dados mostram isso. Porém mais importante que os dados é a análise do porquê de a esquerda ter sofrido golpes tão fortes. De nada adianta enxergar o efeito e negar a causa. Também não adianta tapar o sol com a peneira. No caso celebrar a reeleição de Dilma Rousseff – que obteve importante apoio da esquerda em ambos os turnos, sobretudo no segundo – como se a reeleição em si representasse um quadro pronto e acabado.

O Brasil que foi às urnas em outubro último elegeu um congresso mais conservador que o anterior, sendo que esse anterior já era o mais conservador em décadas. Se é no Congresso que a luta pelos avanços sociais e o debate sobre a construção de uma nova sociedade mais democrática se dá de forma privilegiada, não é difícil imaginar o quanto as lutas sociais sofrerão e o quanto o debate será interditado por esse “novo” Congresso cheio de “velhas” ideias.

Há um sentimento, ainda não generalizado, mas já muito presente, o de letargia da esquerda brasileira frente aos desafios de se impor como alternativa ao status-quo ao mesmo tempo em que pertence ao status-quo. Um sentimento de angústia, igualmente muito presente, ao ver que parte da esquerda – ao menos parte da institucionalizada dentro das regras vigentes – abraça antigos desafetos e adversários histórico, se alia a estes e juntos se conspurcam  na partilha do poder. Creio ser desnecessário afirmar que essa parte da esquerda comete os mesmos desvios que antes combatia e ao chegar ao poder logo se deixou levar pelos mesmos vícios, provocando ainda mais mal-estar entre a militância, gerando crise existencial para a própria esquerda.

Quando Marcelo Freixo surgiu no programa eleitoral de Dilma Rousseff no segundo turno, escrevi nas redes sociais que aquilo se tratava de um marco para a esquerda brasileira. De fato se tratou de um marco, afinal, no segundo turno a esquerda se uniu em prol da reeleição de Dilma. No entanto, a própria união da esquerda – coisa que não ocorria desde 1989 – já denotava a sua fraqueza e a crise existencial pela qual passa. Ter que se unir a fim de derrotar um candidato tão vazio quanto Aécio Neves foi sintoma da correlação de forças na qual a direita vem ganhando espaço.

A sintese da crise existencial em que a esquerda brasileira mergulhou pode ser resumida por duas contatações: A de que Eduardo Jorge – egresso do PT – tornou-se presidenciável pelo PV, partido reconhecidamente fisiológico, não obstante apresentou propostas muito mais progressistas que a presidenta candidata à reeleição pelo Partido dos Trabalhadores.  E o sebastianismo pós-moderno presente no insistente “volta Lula”, deixando a esquerda brasileira refém de um nome ao invés apresentar uma plataforma programática para a construção de uma nova sociedade.

Se negar essa crise é difícil, mais difícl ainda é negar o retrocesso eleitoral que a esquerda presenciou. No estado de São Paulo, berço do Partido dos Trabalhadores e de vários movimentos sindicais, tanto PT quanto demais partidos de esquerda foram massacrados pelo eterno governador e membro da Opus Dei Geraldo Alckmin. O candidato petista ao Palácio dos Bandeirantes, o ex-ministro Alexandre Padilha, amargou um trágico – para as pretensões petistas – terceiro lugar com míseros 18% dos votos, ficando atrás inclusive de Paulo Skaff, convicto demagogo e difícil de ser levado a sério.

O deputado mais votado do PT ficou em 20º lugar entre os mais votados. Na realidade o
PT paulista regrediu a eleição de 1990 quando elegeu apenas 11 deputados federais. Já o PSOL por pouco não viu o bravo Ivan Valente perder sua cadeira na Câmara dos Deputados.

Talvez pior, por todo o significado embutido, tenha sido a derrota de Eduardo Suplicy. Após 24 anos a esquerda brasileira será privada de ter no Senado Federal um dos seus melhores quadros e uma verdadeira bandeira da luta pela justiça social e pelos direitos humanos.

Culpar o conservadorismo da elite branca paulista pela “tragédia” ocorrida em São Paulo é enxergar o efeito sem determinar a causa. Entretanto é opção mais fácil do que fazer autocrítica.

Já aqui em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do país, o Partido dos Trabalhadores pela primeira vez elegeu o governador e de quebra tirou do poder o grupo de Aécio Neves depois de doze longos anos. Mesmo assim se faz imperioso uma análise mais profunda. Fernando Pimentel nunca foi o petista mineiro mais próximo dos movimentos populares ao passo que seu vice Antônio Andrade (PMDB) sempre foi ligado ao agronegócio.  Os deputados federais petistas mais votados em Minas – Reginaldo Lopes, campeão nacional de votos pelo PT, Odair Cunha e Gabriel Guimarães – receberam fortunas para o financiamento de suas campanhas. Por outro lado candidatos ligados ao campo democrático-popular que se recusaram a receber doações de empresas tiveram dificuldades em se eleger mesmo sendo quadros históricos. Patrus Ananaias, ex-prefeito de Belo Horizonte e o preferido dos movimentos sociais de Minas, obteve menos da metade dos votos de Reginaldo Lopes.

No Rio Grande do Sul Tarso Genro e Olívio Dutra, dois dos maiores nomes da política nacional da sua geração, foram derrotados respectivamente para o governo e o Senado e ambos por figuras cujo discurso de campanha era o nada sobre o nada com pitadas de coisa nenhuma. Aliás, uma característica marcante dessas eleições foi o excesso de candidatos cujos discursos falavam nada sobre tema nenhum.

O Rio de Janeiro talvez tenha sido o palco onde a esquerda (inclusive eu) quebrou a cara de forma mais patente. A ida de Lindberg Farias para o segundo turno era dada como favas contadas. Contudo, o segundo turno foi disputado pelo peemedebista Pezão e pelo representante da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella. Não fosse o desempenho dos representantes do PSOL – Marcelo Freixo, Chico Alencar e Jean Willys – a esquerda fluminense teria sido solapada nessas eleições.

No Distrito Federal a esquerda colecionou duas derrotas. A primeira eleitoral e vergonhosa. O então governador Agnelo Queiroz amargou um modesto terceiro lugar. A segunda ainda mais vergonhosa foi a derrota moral. Agnelo deixou o governo sem pagar o salário do funcionalismo público referente ao mês de novembro.

Na Bahia mesmo com a vitória do PT a eleição não foi um mar de rosas para a esquerda. Jacques Wagner depois de oito anos no poder garantiu mais quatro para o PT bahiano ao eleger seu sucessor. No entanto, o vice-governador eleito é do PP e o senador apoiado pelo PT e eleito é do PSD. A prova que a esquerda só consegue se manter no poder se estiver aliada às facções da oligarquia regional. Como mostra Florestan Fernandes, a elite brasileira é heterogênea e por vezes tem suas dissidências momentâneas, essas dissidências buscam meios de se manter no poder e garantir seus privilégios se aliando ao que for necessário e já pensando na futura recomposição com as outras facções da elite.

Outro caso emblemático nas eleições passadas é o do Maranhão. A vitória do comunista Flávio Dino expôs as dificuldades da esquerda brasileira. Lutando contra uma das maiores e mais retrógradas oligarquias do Brasil, Dino logrou êxito, contudo aceitou uma aliança com facções da elite local e viu o PT apoiar os Sarney.


Ao esmiuçar os resultados de 2014, resta claro que é hora de a esquerda brasileira parar para reflexão e inflexão. A esquerda brasileira precisa disso. Precisa ser mais crítica e fazer sua autocrítica. Tem que reconhecer os avanços dos últimos doze anos, mas isso não quer dizer que deva ser leniente com a corrupção ou com o modus operandi de hoje em dia que é o do governo de consenso.

Caso a esquerda se omita de fazer isso, à direita, e podem ter certeza a mais golpista possível e que não tem medo do fascismo, continuará a crescer e a ganhar espaço. O tempo urge e chegou a hora de a esquerda brasileira fazer uma pausa para dialeticamente realizar sua reflexão, inflexão e por fim mudar sua forma de ação.


Pra encerrar, se a Venezuela, embora eu particularmente tenha críticas contumazes ao chavismo, conseguiu implantar um modelo mais participaitvo e democrático, além de ter enfrentando de frente suas oligarquias, cabe à pergunta: por que nós não?  Não que devêssemos importar o modelo chavista, longe disso, pois as sociedades de Brasil e Venezuela têm as complexidades próprias de cada uma. Entretanto, se a Venezuela superou em parte sua complexidade sem o governismo de consenso e enfrentando desafios de toda sorte, o Brasil poderia buscar superar seus desafios de maneira minimamente parecida.