terça-feira, 28 de outubro de 2008

A esquerda em 2008

A esquerda indubitavelmente saiu enfraquecida do recente processo eleitoral. Ora porque entrou no processo de forma bastante tímida, ora porque sequer chegou a participar do decorrido processo. Onde, de fato, houve campanha de esquerda, essa viu-se resumida a uma campanha tartamuda.

A esquerda foi incapaz de afirmar contundentemente que o processo eleitoral, no molde tal como está, não passa de sofisma da ideologia dominante, qual seja, da burguesia. E esse sofisma é justamente o espaço encontrado pela burguesia para legitimar suas ações, seus interesses e conter o avanço das causas populares. Portanto é lógico que ao adentrar de cabeça no processo eleitoral burguês a dita esquerda desqualifica-se e torna-se esquálida diante dos partidos conservadores – muitos desses partidos conservadores enrustidos com o verniz de progressistas – e vê suas propostas e projetos abandonados ao ostracismo pela grande imprensa empresarial.

Não obstante os partidos de esquerda com potencial eleitoral, ainda que limitado, muitas vezes se viram no mesmo balaio dos partidos de direita ao não tocarem em temas mais profundos e não mostrarem projetos autênticos.

Os partidos de esquerda à medida que avançam dentro do processo eleitoral burguês tendem a distanciar de seus programas originários para adquirirem o discurso e o modus operanti burguês de administrar. Não por acaso os brasileiros, e mesmo os mais antigos na Europa Ocidental, há muito já não atendem as suas expectativas iniciais.

Além de cada vez mais abandonarem um programa partidário que lhes defina como bastião das causas populares em contraste aos partidos conservadores, ainda caem em descrédito, a desgraça total para o representativismo eleitoral, quando, enfim chegam ao poder executivo, seja em qual esfera for, e insistem na continuação das mesmas políticas que os adversários conservadores sempre fizerem e na qual possuem uma expertise. Expertise essa que os ditos esquerdistas não possuem. Insistem em deixar políticas públicas e inovadoras para caírem no conceito simples, desbotado, vazio e nada arrojado do “bom administrador”. Realmente torna-se mais fácil aliar-se e aceitar o sistema, querendo no máximo reformar ou humanizar o capitalismo – ingloriamente –, que pregar a revolução quando já se está no poder.

Esse o verdadeiro equívoco da dita esquerda no Brasil. Querer fazer uma reles administração municipal, estadual ou federal e relegar ao discurso de palanque – quando muito – um governo inovador com participação dos cidadãos e gestão popular. Isso num país marcado culturalmente pela falta de participação popular nas decisões políticas, o que com o tempo se transformou em resignação. Assim a massa ao comparar a esquerda com a direita não encontra distinção substancial entre ambas.

Analisando sobre a óptica de Gramsci todo o processo eleitoral burguês, o projeto partidário e a constituição da burocracia administrativa não passam de “pequena política”, cujo limite não passa de administrar o existente. Faz parte desta redução o esforço para subtrair ao debate público as opções de política econômica, aquelas que envolvem um questionamento dos próprios lineamentos da ordem social. Enquanto isso a “grande política”, aquela que põe em questão as estruturas de uma sociedade, é desqualificada por ser “ideológica”, “utópica”, “universalista”.

A esquerda ainda não tomou ciência, ou a perdeu, como preferirem, que num processo eleitoral burguês o seu papel consiste em fazer uma campanha didática alvejando as classes sociais. Uma campanha de conscientização sobre o embate Trabalho x Capital – ainda mais quando vivemos uma das piores crises do capitalismo dos últimos decênios, ou talvez até do último século, sendo esse um momento bastante propício para trazer a tona tal tema.

No mais não há como existir partido de esquerda que não esteja concomitante à movimentos sociais. E os movimentos sociais no Brasil encontram-se numa letargia contrastante com boa parte da América do Sul, onde foram justamente os movimentos sociais que protagonizaram a cena política nos últimos anos e levaram ao poder governos populares e, agora, dão sustentação a esses em países como a Venezuela, Bolívia, Equador, Paraguai e de certa forma também na Argentina.

Candidatos de partidos com programas típicos da esquerda revolucionária ficaram restritos a algumas postulações do PSOL ou então às do PCB e do PSTU onde tiveram. Na árdua e improvável tarefa de encontrar grandes partidos de esquerda, o que encontramos, ainda que raramente, são projetos de esquerda perpassando por alguns partidos já se amoldados ao estabilishment. Assim seria a candidatura, por exemplo, de Maria do Rosário em Porto Alegre e Luiziane Lins em Fortaleza, ambas do PT, de Sérgio Miranda em Belo Horizonte, essa do PDT, ou de Jandira Feghali pelo PCdoB carioca – muito pouco e talvez pare por aí.

A esquerda não pode se furtar de buscar meios que tornem compreensível sua mensagem contra a alienação e a favor da urgência de se construir uma nova sociedade. Pois a catástrofe para a esquerda é quando perde a consciência do seu papel de agente revolucionário contra o sistema para tentar reformá-lo e domesticar o capitalismo. Acaba na verdade sendo reformada pelo sistema e domesticada pelos interesses do capital.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Para Belo Horizonte e para o Rio de Janeiro

Como o próximo domingo será crucial para as pretensões eleitorais em muitos municípios brasileiros, ressuscitei do meu antigo blog [www.blogdohudson.blig.ig.com.br] dois artigos.

O primeiro intitulado “O PT de MG” segue na íntegra e procura mostrar as muitas facetas, porém todas oportunistas, do PT mineiro, e o perigo da eleição de Márcio Lacerda para a prefeitura da capital de meu estado.

O segundo artigo, do qual coloquei apenas as partes que considero mais interessantes, trata-se de “O candidato perfeito a prefeito do Rio de Janeiro” e fala sobre Fernando Gabeira e sua busca desenfreada para jogar a própria biografia no lodaçal além das alianças expurias que faz para tanto.

Mesmo não acreditando no processo eleitoral burguês e sabedor que o voto consciente não é capaz de mudar a sociedade, sugiro o perigo dum voto acrítico, desinformado e/ou desinteressado de piorá-la substancialmente.

O PT de MG

Enquanto se fala numa possível coligação entre o PSDB de Aécio Neves e o PT de Fernando Pimentel para a disputa da prefeitura de Belo Horizonte, fica patente mais uma vez a postura matreira do Partido dos Trabalhadores de Minas.

A seção estadual do PT não passa de um arquétipo de partido pragmático e que trabalha para o engodo dos movimentos sociais. O PT mineiro não resiste a argumentações sobre os motivos que o levou nos últimos 14 anos a aliar-se com o que há de mais atrasado no cenário político mineiro.

Apoiou Eduardo Azeredo no segundo turno de 1994. Quatro anos depois o partido dividiu-se entre duas “grandes” opções: Azeredo ou Itamar. Sendo que o primeiro fez em Minas o papel que Mario Covas fez em São Paulo, Marcelo Alencar no Rio, Jaime Lerner no Paraná, Antonio Brito no Rio Grande do Sul, Paulo Souto na Bahia e FFHH no plano nacional, qual seja, vender o estado a preço de banana e gerenciar os interesses do capital internacional. Enquanto Itamar encarna a política de manutenção do status-quo buscando dialogar de modo anedótico, fanfarrão e bufão com a população.

Após a eleição de Itamar aceitou sem rodeios num primeiro instante participar de seu governo, para depois assumir uma postura omissa e patética perante aquela pífia administração pública – ao adjetivar a administração Itamar Franco como pífia, gasto minha generosidade.

Antes disso em 1996 já havia embarcado na canoa fisiológica e “desideologizada” de Célio de Castro na capital e apoiado sua reeleição em 2000 já com Fernando Pimentel – então um quadro técnico do partido (é economista por profissão) – como vice na chapa. Pimentel se tornaria prefeito após o afastamento por motivos de saúde de Castro ainda no inicio do segundo mandato.

Mas não para por aí as contradições desse partido em Minas, pois ainda temos a aliança branca com o porta-voz da Rede Globo no estado, Hélio Costa, para o Senado Federal em 2002 e a aliança declarada com o ex-governador Newton Cardoso em 2006 também para a Câmara Alta. Em 2002 o tiro saiu pela culatra, pois naquele ano estavam em jogo duas cadeiras para o senado e o candidato petista, Tilden Santhiago, terminou em terceiro lugar a poucos votos do segundo colocado Hélio Costa. Assim a esperteza do PT em não lançar outro candidato para o Senado ou não apoiar algum outro de esquerda e na última hora pedir votos para Costa, lhe custou caro.

Vale destacar ainda que nas duas eleições de Aécio Neves o partido optou por uma postura no mínimo dúbia, sendo que da última vez nitidamente lançou um candidato para “perder”.

No estado reina um marcatismo perpetrado pelo governador e seus aliados mais próximos e onde está o PT para denunciar isto? Existem algumas figuras de destaque local ou nacional que não concordam com os rumos do partido no estado, no entanto a resignação parece ter tomado conta até mesmo de parte da militância que sempre foi o diferencial da sigla. Há no ar um sentimento de abnegação a todas as lutas que o partido travou durante décadas em troca do gosto pelo poder.

Vivemos em Minas Gerais um momento antagônico onde o Palácio da Liberdade chefiado por um “playboy” e sua irmã, não respeita a liberdade de imprensa – o que vale é a lei da mordaça – quando essa fere seus interesses ou toca em assuntos os quais a população não “precisa” tomar conhecimento. E simplesmente não há contestação política organizada contra as políticas conservadoras vindas desse verdadeiro palácio e nem partido que se proponha a tal. Eis aí o antagonismo, existe um governo conservador, porém não há mobilização contraria, é um governo de consenso, todavia defende exclusivamente os interesses da burguesia.

Mas mesmo com a imprensa amordaçada por força ou por conveniência – e essa á a maioria dos casos – algumas notícias vazam e chegam aos ouvidos da sociedade.

Alguns exemplos são o envolvimento do governador com o “pai de todos os mensalões” ou a utilização de empresas estatais como Cemig e Copasa para bancar campanhas publicitárias enaltecendo as maravilhas do neto de Tancredo. A atuação da Polícia Militar no ataque ao Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais no início de abril, quando a reitoria permitiu a entrada da PM para reprimir a exibição do filme “Grass” e o silêncio do governo em relação a esse atentado a liberdade de expressão e aos direitos individuais. O sucateamento da educação e a efetivação ilegal de professores contratados sem concurso público. Ou ainda o escândalo da compra de ambulâncias em que não cabiam os necessitados por completo – cabiam apenas a cabeça, o tronco e metade das pernas.

Claro também que não me refiro a todo o PT mineiro – mesmo porque seria um desrespeito a alguns companheiros que muito estimo e conheço suas posições –, mas o seu grosso tem se mostrado de uma política execrável por ser matreira e sem princípios. Agora essa insidiosa – até pouco tempo atrás insólita – coligação em BH aprovada por 85% dos delegados do partido exacerba o caráter fisiológico da legenda. O que distingue o Partido dos Trabalhadores em Minas Gerais dos partidos tipicamente ou convencionalmente chamados de direita?

A seção do PT em meu estado contrasta com outras seções, como a fluminense que sempre foi alvo de intervenção da executiva nacional por se recusar a fazer certas alianças. Ou a gaúcha que ao longo de sua historia mantêm-se coerente com os objetivos de quando o partido foi fundado e coloca-se à frente de políticas sociais inovadoras, além de defensora de uma ideologia esquerdista que em outros estados parece ter se perdido e que paga por muitas vezes não comungar das decisões do partido no âmbito nacional.

O candidato perfeito a prefeito do Rio de Janeiro

A primeira vez que ouvi falar em Fernando Gabeira foi durante a campanha presidencial de 1989. Naquele ano Gabeira e outros 19 candidatos – se não me falha a memória – tentaram chegar ao Palácio do Planalto. No entanto Gabeira além de entrar na disputa por uma legenda obscura para a maior parte do povão, o PV – embora isso não fosse lá grande obstáculo, pois o caçador de marajás era do não menos inexpressivo PRN – não era uma candidatura bem vista pelos setores mais avantajados economicamente e pelos grupos mais conservadores de nossa sociedade. A candidatura também sofreu o desprezo dos grandes meios de comunicação. Talvez mais pelo seu passado e o fato de sempre ter defendido a liberação de drogas – ou pelo menos algumas delas – do que pelo discurso daquele momento. A campanha em si acabou caindo no ostracismo antes mesmo de se abrirem às urnas para a votação.

Gabeira foi um ícone para a geração de 1968 – o século XX não seria o século XX sem o mágico ano de 1968 e a tentativa frustrada de colocar a imaginação no poder. Combateu a ditadura de armas em punho e foi um dos mentores daquilo que se tornaria um dos maiores golpes sofridos pelos militares durante o período que usurparam o poder, o seqüestro do embaixador estadunidense Gordon Lincoln e sua troca por presos políticos. Pagou caro por sua insolência sendo preso, torturado e depois condenado ao exílio. De volta ao Brasil já mostrava não ser o revolucionário de antes quando trocou o luta contra as desigualdades sociais e a exploração dos trabalhadores pela bandeira do ambientalismo que surgia com força no Velho Continente. Debate esse que tira o foco dos verdadeiros problemas a serem enfrentados pela classe revolucionária. Contudo ainda tinha uma visão, em termos de Brasil, bastante avançada e se posicionava no espectro de esquerda da nossa política.


Após o fracasso de 1989 seguiria adiante a carreira de parlamentar se elegendo diversas vezes deputado federal fluminense. Durante a década de 1990 rompeu com o PV – não foi nenhum desses o motivo do rompimento, mas só pra lembrar o PV nesse período trabalhou como adjacente do PSDB de Mário Covas em São Paulo e aceitou a filiação do príncipe da oligarquia maranhense Sarneyzinho – e se transferiu para o PT. Por essa legenda foi novamente eleito deputado em 2002, mas acabou se desligando do partido devido à divergência sobre a política ambiental do governo Lula. Teve lugar de destaque durante o escândalo do mensalão pousando como protetor incansável e implacável da moral e ética na vida publica – moral no seu sentido mais estrito, no condizente aos valores e normas de conduta específica duma determinada sociedade ou cultura, ou seja, da sociedade burguesa, aquela mesma sociedade contra a qual lutou e quase perdeu a vida décadas atrás. E o mais curioso é que ao seu lado nessa batalha estava o finado PFL e os tucanos. Justamente eles que pilharam o estado brasileiro durante os oito anos de FFHH – pra não dizer que fazem parte da turminha que começou a pilhar o Brasil ao desembarcar da caravela de Cabral.


Agora fico sabendo através de certo estardalhaço da grande imprensa nos últimos dias que Gabeira será candidato à prefeitura do Rio de Janeiro numa coligação entre o seu partido – retornou ao PV em 2005 e se reelegeu deputado com a maior votação no estado do RJ –, mais PSDB e PPS. Será essa uma nova frente de “esquerda” como a grande imprensa e o PIG querem que acreditemos? Será essa a “esquerda” do século XXI? Bom se a resposta for afirmativa gostaria de saber no que ela distingue substancialmente daquilo que chamamos de direita. E não me venha ninguém dizer que na alvorada desse novo milênio não existe mais distinção entre os dois pólos ideológico-políticos que nortearam a disputa pelo poder durante os séculos XIX e XX, ou que a esquerda foi sepultada sob os escombros do muro de Berlim. Pois se assim fosse como explicar as desigualdades sociais que se e aprofundam tanto nos países da periferia, quanto nos do centro do capitalismo? Mais, até onde eu saiba a luta de classes continua viva, pois é incompreensível para mim que explorados e exploradores tenham os mesmos objetivos!!! Não gastarei aqui conceitos marxistas, mas a superestrutura conseguiu sim difundir na cabeça dos proletários a mentira que existe um “bem comum", e esse é a luta pela qual proletários e burgueses devem se unir – como salvar a Terra do seu cataclismo ambiental, relegando a um segundo plano a verdade que esse cataclismo foi gerado por séculos de exploração que atingiram o auge justamente no período posterior à Revolução Industrial, ou seja, com a consumação do capitalismo. Já disse nesse mesmo espaço, que vivemos uma ditadura do pensamento único. Pensamento único esse que muitas vezes busca um pilar no filosofo alemão Immanuel Kant e tenta concretizar o conceito de homem cosmopolita. Homem cosmopolita capaz de alcançar uma paz universal.

Gabeira parece não se enrubescer de ter ao seu lado figuras que participaram do governo tucano de Marcelo Alencar – o ex-governador fazia no RJ o papel que FFHH fazia em todo o território nacional, ou seja, era gerenciador e despachante dos grandes interesses do capital internacional através da privataria – e ainda terá os liqüidacionistas do PPS – aqueles comunistas arrependidos que se converteram em admiradores do onipresente e todo-poderoso deus Mercado – a tira-colo.

Essa é uma candidatura que busca unir a Cidade Maravilhosa debaixo do guarda-sol de algum lema de campanha tipo: candidato limpo... cidade limpa. Ou qualquer outra besteira do tipo. Mas a verdade é que o discurso de Gabeira tem hoje um potencial grande. Potencial esse capaz de absorver eleitores de César Maia que (des)governa o Rio desde 1992 sem que pareça continuísmo. Nada melhor para manter o status-quo, o stabilishment, do que um antigo nome identificado com a esquerda, porém hoje convertido à realidade da direita. Que o diga FFHH.

domingo, 19 de outubro de 2008

O tucanato e a tragédia paulista

Os tucanos governam o estado de São Paulo há pelo menos vinte – considerando sua participação nos primeiros anos do governo Orestes Quércia – dos 26 anos em que a população voltou a escolher de forma direta os governadores do estado. O que fizeram nesse quinto de século:

– Sucatearam e venderam as principais empresas estatais (Comgás, Cesp, Eletropaulo, CPFL, FEPASA, etc.);

– As tarifas de serviços públicos sofrem ano a ano aumento muito superior a inflação registrada no período;

– Jogaram as rodovias estaduais nas mãos dum cartel de pedágios e o resultado catastrófico é não conseguirmos andar 50 km, ou menos ainda, sem sermos tungados por um valor qualquer (que pode chegar a incríveis R$12,00 na Imigrantes) num posto de pedágio;

– Gastaram bilhões de dólares para sanear o Banespa e o venderam por um valor inferior ao gasto nesse processo;

– O sistema de transporte público é o verdadeiro caos na capital e em outras grandes cidades paulistas, além disso, os congestionamentos gigantes tornaram-se freqüentes;

– O estado viu sua participação no PIB nacional cair brutalmente;

– Muitas empresas multinacionais levaram sua planta para outras regiões do Brasil sem que o governo estadual tomasse nenhuma atitude no sentido de reverter o processo ou promover políticas públicas que resolvessem a situação e/ou amenizasse a perda de tantos postos de trabalho;

– A taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo é a maior do Brasil;
– Os funcionários públicos têm salários irrisórios se comparado a outros estados com menor força econômica;

– A pujança econômica paulista não se reflete no seu IDH mesmo após 14 anos consecutivos de governo nas mãos do mesmo grupo político;

– Criaram uma política educacional na qual alunos chegam ao ensino médio sem saber ler;

– Os professores do da rede estadual têm um salário menor que o piso de outros 10 estados;

– Uma paralisação iniciada por estudantes, professores e funcionários das três universidades estaduais paulistas – USP, Unesp e Unicamp – durou meses e foi resolvida na base da truculência;

– O PCC surgiu e robusteceu-se dentro do sistema prisional estadual para depois literalmente tomar de “assalto” o estado em março de 2006;


– O número de chacinas ocorridas na região da Grande São Paulo durante um ano é comparável as baixas em guerras modernas;

– Policiais civis e militares entraram em guerra – guerra aqui não é força de expressão e nem semântica – nas vizinhanças do Palácio dos Bandeirantes;

– A polícia paulista conseguiu a proeza inédita de devolver ao seqüestrador uma refém que o próprio seqüestrador havia libertado dois dias antes.

Será que a Regina Duarte – lembram-se dela no segundo turno da campanha presidencial em 2002 – não ficou com medo em nenhuma dessas horas?!

A imagem desses catastróficos anos a passarem para a posteridade serão as de Mário Covas sendo esmurrado por professores, o caos perpetrado pelo PCC, o enorme buraco da Alstom (metrô) e a guerra entre policiais civis e militares.

Essas imagens formam o retrato mal-acabado da intransigência, inépcia, irresponsabilidade e virulência com as quais os tucanos, na maioria das vezes consorciados com os demos, governam o estado mais rico da federação.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Preparados ou não para enfrentar a crise?

O mundo todo espera com uma mescla de espanto e falso otimismo – será que alguém é capaz de ter otimismo de fato diante dum sistema (capitalista) que na própria essência é desumano, cruel e impiedoso? – os rumos a serem tomados pelos governos dos países desenvolvidos a fim de dar sobrevida ao sistema.

Enquanto isso assistimos as bolsas de valores seguirem num sobe e desce de montanha russa e a quebradeira de várias instituições até ontem confiáveis – nessa algazarra toda onde está a mão invisível do mercado, ficou mais invisível ainda? - e aqui no Brasil a outra mescla sofrível, a do contorcionismo e prestidigitação de alguns defensores irracionais do atual governo, dizendo que não seremos afetados pela crise desencadeada no centro do capitalismo.

Esquecem-se esses “artistas” que no mundo altamente globalizado um espirro no centro do sistema nos atinge em menor ou maior intensidade dependendo do quão abertos estamos ao mercado internacional.

Se hoje temos fundamentos bem mais sólidos como muitos economistas afirmam, também é verdade que continuamos participando da mesma ciranda financeira dos anos FFHH e chega a ser patético ver o presidente Lula choramingando porque o sistema financeiro internacional tornou-se um enorme cassino e por irresponsabilidade desses jogadores o sistema financeiro internacional está à beira dum colapso. O próprio Lula em seis anos de governo não tomou nenhuma atitude contra essa jogatina desenfreada, não utilizou um minuto sequer da função de chefe de governo duma nação soberana para impor limites ao cassino que agora maldiz.

Àqueles defensores do governo Lula ao perorarem que a crise não chegará ao Brasil apenas porque o país hoje é governado por Lula e não por FFHH, mostram unicamente seu partidarismo e relutam em fazer uma análise mais objetiva e critica da conjuntura internacional, além de não enxergarem que ambos os governos são face da mesma moeda.

Lula pode até não ter a mesma volúpia entreguista de FFHH, mas o neoliberalismo é tão patente no governo Lula que até já abraçou idéias repugnantes e odiosas sobre o prisma da construção de uma sociedade mais igualitária. Idéias que não passam de excremento neoliberal como o PPP (Participação Público Privada)– ou seja, os investidores privados colocariam seu rico dinheiro em obras púbicas com garantia certa de retorno contrariando todas as regras de mercado onde o que você investe pode ou não lhe ser retornado – ou o famigerado déficit nominal zero – que significa nada mais nada menos que corte de investimento em educação e saúde.

Salve... salve o governo revolucionário de Luis Inácio Lula da Silva.

Já escrevi que o estado brasileiro vem aos poucos, mas a passos firmes, perdendo sua soberania ao ceder enormes nacos de terra a estrangeiros e não ter nenhum controle oficial sobre isso, ao incentivar o agronegócio em detrimento da agricultura familiar, ao liberar a plantação de transgênicos – o que em longo prazo beneficia exclusivamente a Monsanto – e mais recentemente ao vender os agrocombustiveis como salvação do mundo – talvez seja a salvação de uma parte muito pequena do mundo, conquanto para nós brasileiros significa desnacionalização, recolonização e péssimas condições de trabalho.

Mais, o governo Lula quando confrontado pela disputa entre o interesse público-nacional versus o grande capital internacional não titubeou em defender o segundo. Haja visto a ridícula participação brasileira na rodada de Doha onde viramos as costas para o grupo dos países emergentes e subdesenvolvidos para abraçarmos estapafurdiamente a defesa do agronegócio e conseqüentemente a proposta estadunidense.

Para definir a atual crise e independência do capital em relação ao estado no Brasil replico as palavras de Noam Chomsky que estão no post aí em baixo:
“A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um ‘parlamento virtual’ de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e ‘votam’ contra eles, se os consideram ‘irracionais’, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado”.

Como o Brasil não tomou nenhuma atitude sensata nos últimos anos rumo a outrem modelo diferente do vigente, não sei ao certo dizer se o discurso que o Brasil passará ao largo dessa crise é coisa de Polyana, torcida de Fla-Flu, ou se é simplesmente tentar tampar o sol com peneira.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A cara antidemocrática do capitalismo

Por Noam Chomsky no Sin Permiso

O desenvolvimento de uma campanha presidencial norte-americana simultaneamente ao desenlace da crise dos mercados financeiros oferece uma dessas ocasiões em que os sistemas político e econômico revelam vigorosamente sua natureza.

Pode ser que a paixão pela campanha não seja uma coisa universalmente compartilhada, mas quase todo mundo pode perceber a ansiedade desencadeada pela execução hipotecária de um milhão de residências, assim como a preocupação com os riscos que correm os postos de trabalho, as poupanças e os serviços de saúde.

As propostas iniciais de Bush para lidar com a crise fediam a tal ponto a totalitarismo, que não tardaram a ser modificadas. Sob intensa pressão dos lobbies, foram reformuladas “para o claro benefício das maiores instituições do sistema...uma forma de desfazer-se dos ativos sem necessidade de fracassar ou quase”, segundo descreveu James Rickards, que negociou o resgate federal por parte do fundo de cobertura de derivativos financeiros Long Term Capital Management em 1998, lembrando-nos de que estamos caminhando em terreno conhecido.

As origens imediatas do desmoronamento atual estão no colapso da bolha imobiliária supervisionada pelo presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, que foi quem sustentou a coitada da economia dos anos Bush, misturando o gasto de consumo fundado na dívida com a tomada de empréstimos do exterior. Mas as razões são mais profundas. Em parte, fala-se no triunfo da liberalização financeira dos últimos 30 anos, quer dizer, nas políticas consistentes em liberar o máximo possível os mercados da regulação estatal.

Como era previsível, as medidas tomadas a esse respeito incrementaram a frequência e a profundidade dos grandes reveses econômicos, e agora estamos diante da ameaça de que se desencadeie a pior crise desde a Grande Depressão.

Também era previsível que os poucos setores que cresceram com os enormes lucros oriundos da liberalização demandariam uma intervenção maciça do estado, a fim de resgatar as instituições financeiras colapsadas.

Esse tipo de intervencionismo é um traço característico do capitalismo de estado, ainda que na escala atual seja inesperado. Um estudo dos pesquisadores em economia internacional Winfried Ruigrok e Rob van Tulder descobriu, há 15 anos, que pelo menos 20 companhias entre as100 primeiras do ranking da revista Fortune, não teriam sobrevivido se não tivessem sido salvas por seus respectivos governos, e que muitas, entre as 80 restantes, obtiveram ganhos substanciais através das demandas aos governos para que “socializassem suas perdas”, como hoje o é o resgate financiado pelo contribuinte. Tal intervenção pública “foi a regra, mais que a exceção, nos dois últimos séculos”, concluíram.

Numa sociedade democrática efetiva, uma campanha política teria de abordar esses assuntos fundamentais, observar as causas e os remédios para essas causas, e propor os meios através dos quais o povo que sofre as conseqüências pudessem chegar a exercer um controle efetivo.

O mercado financeiro “despreza o risco” e é “sistematicamente ineficiente”, como escreveram há uma década os economistas John Eatwell e Lance Taylor, alertando sobre os gravísimos perigos que a liberalização financeira engendrava, e mostrando os custos em que se já se tinha incorrido.

Ademais, propuseram soluções que, deve-se dizer, foram ignoradas. Um fator de peso é a incapacidade de calcular os custos que recaem entre aqueles que não participam dessas transações. Essas externalidades podem ser enormes. A ignorância do risco sistêmico leva a uma maior aceitação de riscos que se daria numa economia eficiente, e isso adotando inclusive os critérios menos exigentes.

A tarefa das instituições financeiras é arriscar-se e, se são bem gestionadas, assegurar que as potenciais perdas em que elas mesmas podem incorrer serão cobertas. A ênfase há que pôr-se “nelas mesmas”. Segundo as regras do capitalismo de estado, levar em conta os custos que para os outros possam ter – as “externalidades” de uma sobrevivência decente – umas práticas que levem, como espectro, a crises financeiras é algo que não lhes diz respeito.

A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um “parlamento virtual” de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e “votam” contra eles, se os consideram “irracionais”, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado.

Os investidores e credores podem “votar” com a fuga de capitais, com ataques às divisas e com outros instrumentos que a liberalização financeira lhes serve de bandeja. Essa é uma das razões pelas quais o sistema de Bretton Woods, estabelecido pelos EUA e pela Grã Bretanha depois da II Guerra Mundial, instituiu controle de capitais e regulou o mercado de divisas (1).

A Grande Depressão e a Guerra puseram em marcha poderosas correntes democráticas radicais que iam desde a resistência antifascita até as organizações da classe trabalhadora. Essas pressões tornaram possível que se tolerassem políticas sociais democráticas. O sistema Bretton Woods foi, em parte, concebido para criar um espaço no qual a ação governamental pudesse responder à vontade pública cidadã, quer dizer, para permitir certa democracia.

John Maynard Keynes, o negociador britânico, considerou o direito dos governos a restringir os movimentos de capitais a mais importante conquista estabelecida em Bretton Woods.

Num contraste espetacular, na fase neoliberal que se seguiu ao desmonte do sistema de Bretton Woods nos anos 70, o Tesouro norte-americano passa a considerar a livre circulalação de capitais um “direito fundamental”. À diferença, nem precisa dizer, dos pretensos “direitos” garantidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos: direito à saúde, à educação, ao emprego decente, à segurança e outros direitos que as administrações de Reagan e de Bush chamaram com desprezo de “cartas a Papai Noel”, “ridículos” ou meros “mitos”.

Nos primeiros anos, as pessoas não tiveram maiores problemas com o assunto. As razões disso Barry Eichengreen estudou em sua história, impecavelmente acadêmica, do sistema monetário. Nessa obra se explica que, no século XIX, os governos “ainda não estavam politizados pelo sufrágio universal masculino, o sindicalismo e os partidos trabalhistas parlamentares. Por conseguinte, os graves custos impostos pelo parlamento virtual podiam se transferidos para toda a população.

Porém, com a radicalização da população e da opinião pública que se seguiu à Grande Depressão e à guerra antifascista, o poder e a riqueza privados privaram-se desse luxo. Daí que no sistema Bretton Woods “os limites da democracia como fonte de resistência às pressões do mercado foram substituídos por limites à circulação de capitais.”

O corolário óbvio é que no rastro do desmantelamento do sistema do pós-guerra a democracia tenha sido restringida. Fez-se necessário controlar e marginalizar de algum modo a população e a opinião pública, processos particularmente evidentes nas sociedades mais avançadas no mundo dos negócios, como os EUA. A gestão das extravagâncias eleitorais por parte da indústria de relações públicas constitui uma boa ilustração.

“A política é a sombra da grande empresa sobre a sociedade”, concluiu em seus dias o maior filósofo norte-americano do século XX, John Dewey, e assim seguirá sendo, enquanto o poder consista “nos negócios para benefício privado através do controle da banca, do território e da indústria que agora se vê reforçada pelo controle da imprensa, dos jornalistas e sobretudo dos meios de publicidade e propaganda.”

Os EUA tem efetivamente um sistema de um só partido, o partido dos negócios, com duas facções, republicanos e democratas. Há diferenças entre eles. Em seu estudo sobre A Democracia Desigual: a economia política da nova Era da Cobiça, Larry Bartels mostra que durante as últimas seis décadas “a renda real das famílias de classe média cresceu duas vezes mais rápido sob administração democrata que republicana, enquanto a renda real das famílias pobres da classe trabalhadora cresceu seis vezes mais rápido sob os democratas que sob os republicanos”.

Essas diferenças também podem ser vistas nestas eleições. Os eleitores deveriam tê-las em conta, mas sem ter ilusões sobre os partidos políticos, e reconhecendo o padrão regular que, nos últimos séculos, vem revelando que a legislação progressista e de bem-estar social sempre foram conquistas das lutas populares, nunca presentes dos de cima.

Essas lutas seguem ciclos de êxitos e de retrocessos. Hão de ser travadas a cada dia, não só a cada quatro anos, e sempre visando à criação de uma sociedade genuinamente democrática, capaz de resposta em toda parte, nas urnas não menos do que no posto de trabalho.

* Noam Chomsky, professor emérito de linguística no MIT – Massachussets Institute of Technology

(1) O sistema de Bretton Woods de gestão financeira global foi criado por 730 delegados de 44 nações aliadas na II Guerra Mundial, que compareceram a uma Conferência Monetária e Financeira organizada pela ONU no hotel Mont Washington, em Bretton Woods, New Hampshire, em 1944. Bretton Woods, que colapsou em 1971, era o sistema de normas, instituições e procedimentos que regulavam o sistema monetário internacional e sob cujos auspícios se criou o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) – agora uma das cinco instituições que compõem o Grupo do Banco Mundial— e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que passaram a funcionar em 1945.

O traço principal de Bretton Woods era a obrigação de todos os paísses de adotar uma política monetária que mantivesse dentro de valores fixos a taxa de câmbio de sua moeda. O sistema colapsou quando os EUA suspenderam a convertibilidade do padrão ouro do dólar. Isso criou a insólita situação na qual o dólar chegou a converter-se em “moeda de reserva” para os outros países que estavam no Bretton Woods.

Tradução: Katarina Peixoto

sábado, 11 de outubro de 2008

Eric Hobsbawm

Como passei a semana toda sem postar nada e nesse inicio de mês minha vida parece virar de cabeça pra baixo, pesquei essa entrevista do celebre historiador britânico Eric Hobsbawm – diga-se de passagem um dos meus preferidos – sobre a atual crise do capitalismo. A tradução original foi extraída da Carta Capital.

A crise do capitalismo e a importância atual de Marx

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Marcello Musto - Sin Permiso

Em entrevista a Marcello Musto, o historiador Eric Hobsbawm analisa a atualidade da obra de Marx e o renovado interesse que vem despertando nos últimos anos, mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. E fala sobre a necessidade de voltar a ler o pensador alemão: “Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista”.

Eric Hobsbawm é considerado um dos maiores historiadores vivos. É presidente do Birbeck College (London University) e professor emérito da New School for Social Research (Nova Iorque). Entre suas muitas obras, encontra-se a trilogia acerca do “longo século XIX”: “A Era da Revolução: Europa 1789-1848” (1962); “A Era do Capital: 1848-1874” (1975); “A Era do Império: 1875-1914 (1987) e o livro “A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 (1994), todos traduzidos em vários idiomas.

Entrevistamos o historiador por ocasião da publicação do livro “Karl Marx’s Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later” (Os Manuscritos de Karl Marx. Elementos fundamentais para a Crítica da Economia Política, 150 anos depois).

Nesta conversa, abordamos o renovado interesse que os escritos de Marx vêm despertando nos últimos anos e mais ainda agora após a nova crise de Wall Street. Nosso colaborador Marcello Musto entrevistou Hobsbawm para Sin Permiso.

Marcello Musto: Professor Hobsbawm, duas décadas depois de 1989, quando foi apressadamente relegado ao esquecimento, Karl Marx regressou ao centro das atenções. Livre do papel de intrumentum regni que lhe foi atribuído na União Soviética e das ataduras do “marxismo-leninismo”, não só tem recebido atenção intelectual pela nova publicação de sua obra, como também tem sido objeto de crescente interesse. Em 2003, a revista francesa Nouvel Observateur dedicou um número especial a Marx, com um título provocador: “O pensador do terceiro milênio?”. Um ano depois, na Alemanha, em uma pesquisa organizada pela companhia de televisão ZDF para estabelecer quem eram os alemães mais importantes de todos os tempos, mais de 500 mil espectadores votaram em Karl Marx, que obteve o terceiro lugar na classificação geral e o primeiro na categoria de “relevância atual”.

Em 2005, o semanário alemão Der Spiegel publicou uma matéria especial que tinha como título “Ein Gespenst Kehrt zurük” (A volta de um espectro), enquanto os ouvintes do programa “In Our Time” da rádio 4, da BBC, votavam em Marx como o maior filósofo de todos os tempos. Em uma conversa com Jacques Attali, recentemente publicada, você disse que, paradoxalmente, “são os capitalistas, mais que outros, que estão redescobrindo Marx” e falou também de seu assombro ao ouvir da boca do homem de negócios e político liberal, George Soros, a seguinte frase: “Ando lendo Marx e há muitas coisas interessantes no que ele diz”. Ainda que seja débil e mesmo vago, quais são as razões para esse renascimento de Marx? É possível que sua obra seja considerada como de interesse só de especialistas e intelectuais, para ser apresentada em cursos universitários como um grande clássico do pensamento moderno que não deveria ser esquecido? Ou poderá surgir no futuro uma nova “demanda de Marx”, do ponto de vista político?

Eric Hobsbawm: Há um indiscutível renascimento do interesse público por Marx no mundo capitalista, com exceção, provavelmente, dos novos membros da União Européia, do leste europeu. Este renascimento foi provavelmente acelerado pelo fato de que o 150° aniversário da publicação do Manifesto Comunista coincidiu com uma crise econômica internacional particularmente dramática em um período de uma ultra-rápida globalização do livre-mercado.

Marx previu a natureza da economia mundial no início do século XXI, com base na análise da “sociedade burguesa”, cento e cinqüenta anos antes. Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam.

A maioria da esquerda intelectual já não sabe o que fazer com Marx. Ela foi desmoralizada pelo colapso do projeto social-democrata na maioria dos estados do Atlântico Norte, nos anos 1980, e pela conversão massiva dos governos nacionais à ideologia do livre mercado, assim como pelo colapso dos sistemas políticos e econômicos que afirmavam ser inspirados por Marx e Lênin. Os assim chamados “novos movimentos sociais”, como o feminismo, tampouco tiveram uma conexão lógica com o anti-capitalismpo (ainda que, individualmente, muitos de seus membros possam estar alinhados com ele) ou questionaram a crença no progresso sem fim do controle humano sobre a natureza que tanto o capitalismo como o socialismo tradicional compartilharam. Ao mesmo tempo, o “proletariado”, dividido e diminuído, deixou de ser crível como agente histórico da transformação social preconizada por Marx.

Devemos levar em conta também que, desde 1968, os mais proeminentes movimentos radicais preferiram a ação direta não necessariamente baseada em muitas leituras e análises teóricas. Claro, isso não significa que Marx tenha deixado de ser considerado como um grande clássico e pensador, ainda que, por razões políticas, especialmente em países como França e Itália, que já tiveram poderosos Partidos Comunistas, tenha havido uma apaixonada ofensiva intelectual contra Marx e as análises marxistas, que provavelmente atingiu seu ápice nos anos oitenta e noventa. Há sinais agora de que a água retomará seu nível.

Marcello Musto: Ao longo de sua vida, Marx foi um agudo e incansável investigador, que percebeu e analisou melhor do que ninguém em seu tempo o desenvolvimento do capitalismo em escala mundial. Ele entendeu que o nascimento de uma economia internacional globalizada era inerente ao modo capitalista de produção e previu que este processo geraria não somente o crescimento e prosperidade alardeados por políticos e teóricos liberais, mas também violentos conflitos, crises econômicas e injustiça social generalizada. Na última década, vimos a crise financeira do leste asiático, que começou no verão de 1997; a crise econômica Argentina de 1999-2002 e, sobretudo, a crise dos empréstimos hipotecários que começou nos Estados Unidos em 2006 e agora tornou-se a maior crise financeira do pós-guerra. É correto dizer, então, que o retorno do interesse pela obra de Marx está baseado na crise da sociedade capitalista e na capacidade dele ajudar a explicar as profundas contradições do mundo atual?

Eric Hobsbawm: Se a política da esquerda no futuro será inspirada uma vez mais nas análises de Marx, como ocorreu com os velhos movimentos socialistas e comunistas, isso dependerá do que vai acontecer no mundo capitalista. Isso se aplica não somente a Marx, mas à esquerda considerada como um projeto e uma ideologia política coerente. Posto que, como você diz corretamente, a recuperação do interesse por Marx está consideravelmente – eu diria, principalmente – baseado na atual crise da sociedade capitalista, a perspectiva é mais promissora do que foi nos anos noventa. A atual crise financeira mundial, que pode transformar-se em uma grande depressão econômica nos EUA, dramatiza o fracasso da teologia do livre mercado global descontrolado e obriga, inclusive o governo norte-americano, a escolher ações públicas esquecidas desde os anos trinta.

As pressões políticas já estão debilitando o compromisso dos governos neoliberais em torno de uma globalização descontrolada, ilimitada e desregulada. Em alguns casos, como a China, as vastas desigualdades e injustiças causadas por uma transição geral a uma economia de livre mercado, já coloca problemas importantes para a estabilidade social e mesmo dúvidas nos altos escalões de governo. É claro que qualquer “retorno a Marx” será essencialmente um retorno à análise de Marx sobre o capitalismo e seu lugar na evolução histórica da humanidade – incluindo, sobretudo, suas análises sobre a instabilidade central do desenvolvimento capitalista que procede por meio de crises econômicas auto-geradas com dimensões políticas e sociais. Nenhum marxista poderia acreditar que, como argumentaram os ideólogos neoliberais em 1989, o capitalismo liberal havia triunfado para sempre, que a história tinha chegado ao fim ou que qualquer sistema de relações humanas possa ser definitivo para todo o sempre.

Marcello Musto: Você não acha que, se as forças políticas e intelectuais da esquerda internacional, que se questionam sobre o que poderia ser o socialismo do século XXI, renunciarem às idéias de Marx, estarão perdendo um guia fundamental para o exame e a transformação da realidade atual?

Eric Hobsbawm: Nenhum socialista pode renunciar às idéias de Marx, na medida que sua crença em que o capitalismo deve ser sucedido por outra forma de sociedade está baseada, não na esperança ou na vontade, mas sim em uma análise séria do desenvolvimento histórico, particularmente da era capitalista. Sua previsão de que o capitalismo seria substituído por um sistema administrado ou planejado socialmente parece razoável, ainda que certamente ele tenha subestimado os elementos de mercado que sobreviveriam em algum sistema pós-capitalista.

Considerando que Marx, deliberadamente, absteve-se de especular acerca do futuro, não pode ser responsabilizado pelas formas específicas em que as economias “socialistas” foram organizadas sob o chamado “socialismo realmente existente”. Quanto aos objetivos do socialismo, Marx não foi o único pensador que queria uma sociedade sem exploração e alienação, em que os seres humanos pudessem realizar plenamente suas potencialidades, mas foi o que expressou essa idéia com maior força e suas palavras mantêm seu poder de inspiração.

No entanto, Marx não regressará como uma inspiração política para a esquerda até que se compreenda que seus escritos não devem ser tratados como programas políticos, autoritariamente ou de outra maneira, nem como descrições de uma situação real do mundo capitalista de hoje, mas sim como um caminho para entender a natureza do desenvolvimento capitalista. Tampouco podemos ou devemos esquecer que ele não conseguiu realizar uma apresentação bem planejada, coerente e completa de suas idéias, apesar das tentativas de Engels e outros de construir, a partir dos manuscritos de Marx, um volume II e III de “O Capital”. Como mostram os “Grundrisse”, aliás. Inclusive, um Capital completo teria conformado apenas uma parte do próprio plano original de Marx, talvez excessivamente ambicioso.

Por outro lado, Marx não regressará à esquerda até que a tendência atual entre os ativistas radicais de converter o anti-capitalismo em anti-globalização seja abandonada. A globalização existe e, salvo um colapso da sociedade humana, é irreversível. Marx reconheceu isso como um fato e, como um internacionalista, deu as boas vindas, teoricamente. O que ele criticou e o que nós devemos criticar é o tipo de globalização produzida pelo capitalismo.

Marcello Musto: Um dos escritos de Marx que suscitaram o maior interesse entre os novos leitores e comentadores são os “Grundrisse”. Escritos entre 1857 e 1858, os “Grundrisse” são o primeiro rascunho da crítica da economia política de Marx e, portanto, também o trabalho inicial preparatório do Capital, contendo numerosas reflexões sobre temas que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte de sua criação inacabada. Por que, em sua opinião, estes manuscritos da obra de Marx, continuam provocando mais debate que qualquer outro texto, apesar do fato dele tê-los escrito somente para resumir os fundamentos de sua crítica da economia política? Qual é a razão de seu persistente interesse?

Eric Hobsbawm: Desde o meu ponto de vista, os "Grundrisse" provocaram um impacto internacional tão grande na cena marxista intelectual por duas razões relacionadas. Eles permaneceram virtualmente não publicados antes dos anos cinqüenta e, como você diz, contendo uma massa de reflexões sobre assuntos que Marx não desenvolveu em nenhuma outra parte. Não fizeram parte do largamente dogmatizado corpus do marxismo ortodoxo no mundo do socialismo soviético. Mas não podiam simplesmente ser descartados. Puderam, portanto, ser usados por marxistas que queriam criticar ortodoxamente ou ampliar o alcance da análise marxista mediante o apelo a um texto que não podia ser acusado de herético ou anti-marxista. Assim, as edições dos anos setenta e oitenta, antes da queda do Muro de Berlim, seguiram provocando debate, fundamentalmente porque nestes escritos Marx coloca problemas importantes que não foram considerados no “Capital”, como por exemplo as questões assinaladas em meu prefácio ao volume de ensaios que você organizou (Karl Marx's Grundrisse. Foundations of the Critique of Political Economy 150 Years Later, editado por M. Musto, Londres-Nueva York, Routledge, 2008).

Marcello Musto: No prefácio deste livro, escrito por vários especialistas internacionais para comemorar o 150° aniversário de sua composição, você escreveu: “Talvez este seja o momento correto para retornar ao estudo dos “Grundrisse”, menos constrangidos pelas considerações temporais das políticas de esquerda entre a denúncia de Stalin, feita por Nikita Khruschev, e a queda de Mikhail Gorbachev”. Além disso, para destacar o enorme valor deste texto, você diz que os “Grundrisse” “trazem análise e compreensão, por exemplo, da tecnologia, o que leva o tratamento de Marx do capitalismo para além do século XIX, para a era de uma sociedade onde a produção não requer já mão-de-obra massiva, para a era da automatização, do potencial de tempo livre e das transformações do fenômeno da alienação sob tais circunstâncias. Este é o único texto que vai, de alguma maneira, mais além dos próprios indícios do futuro comunista apontados por Marx na “Ideologia Alemã”. Em poucas palavras, esse texto tem sido descrito corretamente como o pensamento de Marx em toda sua riqueza. Assim, qual poderia ser o resultado da releitura dos “Grundrisse” hoje?

Eric Hobsbawm: Não há, provavelmente, mais do que um punhado de editores e tradutores que tenham tido um pleno conhecimento desta grande e notoriamente difícil massa de textos. Mas uma releitura ou leitura deles hoje pode ajudar-nos a repensar Marx: a distinguir o geral na análise do capitalismo de Marx daquilo que foi específico da situação da sociedade burguesa na metade do século XIX. Não podemos prever que conclusões podem surgir desta análise. Provavelmente, somente podemos dizer que certamente não levarão a acordos unânimes.

Marcello Musto: Para terminar, uma pergunta final. Por que é importante ler Marx hoje?

Eric Hobsbawm: Para qualquer interessado nas idéias, seja um estudante universitário ou não, é patentemente claro que Marx é e permanecerá sendo uma das grandes mentes filosóficas, um dos grandes analistas econômicos do século XIX e, em sua máxima expressão, um mestre de uma prosa apaixonada. Também é importante ler Marx porque o mundo no qual vivemos hoje não pode ser entendido sem levar em conta a influência que os escritos deste homem tiveram sobre o século XX. E, finalmente, deveria ser lido porque, como ele mesmo escreveu, o mundo não pode ser transformado de maneira efetiva se não for entendido. Marx permanece sendo um soberbo pensador para a compreensão do mundo e dos problemas que devemos enfrentar.

Tradução para Sin Permiso (inglês-espanhol): Gabriel Vargas Lozano
Tradução para Carta Maior (espanhol-português): Marco Aurélio Weissheimer