sábado, 22 de novembro de 2008

Domingo na Venezuela

Algo em torno de 17 milhões de venezuelanos estão convocados para neste domingo, 23 de novembro, eleger 22 governadores, 328 prefeitos, 233 membros de conselhos legislativos, 13 vereadores ao Cabildo Metropolitano de Caracas e sete à Prefeitura Metropolitana de Alto Apure. Trata-se de mais um teste para o processo bolivariano e para o povo da Venezuela na sua empreitada rumo ao “Socialismo do Século XXI”.

Desta vez tanto oposição quanto governo parecem estar mais bem preparados sob o ponto de vista da estrutura partidária, se compararmos as ultimas eleições regionais em 2004. O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), formado no ano passado por várias forças políticas que apóiam a revolução bolivariana, vem em bloco. Já doutro lado, os oposicionistas, após inúmeras derrotas acachapantes, agora mostram estar mais organizados e pelo menos por enquanto não têm dado tanta ênfase ao costumeiro discurso golpista.

Não há dúvidas sobre o quão importante é o atual processo eleitoral em curso na Venezuela para o “Socialismo do Século XXI”. Todavia uma provável vitória da oposição em mais de cinco estados não decretará de forma alguma o fim desse projeto. Basta supor que a oposição avance, atualmente conta com quatro dos vinte e três estados, e consiga oito estados, inclusos aí peças importantes como Zulia, já governada pela oposição, e Carabobo como apontam as mais recentes pesquisas – e as pesquisas na Venezuela tendem a errar, errar sempre a favor da oposição – ainda estará muito distante da força de Chávez que conta com uma popularidade de 77% e veria forças aliadas a frente de quinze estados. Além disso, a oposição boicotou boa parte das últimas eleições estaduais e municipais, portanto qualquer aumento que tiver agora apenas denotará que antes estava com uma força minimizada por seus próprios equívocos. Portanto, dificilmente a oposição sairá menor do que entrou nesse processo. Seria catastrófico para os governistas caso a oposição angaria-se a metade ou mais dos estados e da população, algo improvável.

Mas a oposição também está confiante por conta do resultado do último referendo constitucional, em dezembro do ano passado, quando a proposta do governo foi derrotada por menos de 1% dos votos. O erro crucial – de Chávez – naquele momento foi o de colocar temas tão abrangentes numa única consulta. Temas complexos como a criação de conselhos comunais e organizações de base com atribuição de gestão e prevendo uma efetiva participação popular com o surgimento resguardado por lei de células sociais de território formadas pelo conjunto da sociedade. O fim da autonomia do Banco Central. A redução da jornada de trabalho para seis horas diárias. Proibição de latifúndios e monopólios. Além, claro, da insistência de Chávez em acabar com o limite de reeleições para o executivo nacional. Houve assim uma desmobilização, bem orquestrada pelos grupos oposicionistas, que na prática gerou uma enorme abstenção. No entanto agora o PSUV, sobretudo através dos “patrulleros”, conta em reverter esse quadro. Os “patrulleros” têm sobre si a responsabilidade de ir de casa em casa nos bairros e comunidades explicar as propostas de candidatos governistas, mobilizar a população e levar eleitores aos recintos de votação. Uma provável vitória da oposição em certos estados e prefeituras importantes estará bem aquém do que ela própria imaginava há alguns dias e muito além do desejado por Hugo Chávez.

Contudo, por mais paradoxal que pareça, uma pequena derrota de Chávez terá frutos benéficos. Trará ao seu governo a necessidade de se reciclar e encontrar formas e meios de criar novas lideranças, mostrando assim que não se resume a uma pessoa ou entidade. É sempre bom lembrar que Chávez, no poder há exatos dez anos, passa pelo desgaste natural de qualquer governante a tanto tempo a frente de sua nação. No mais as dissidências são algo normal e as rupturas de antigos aliados, que agora postulam cargos eletivos pela oposição, não deixa de ser sinal que na Venezuela de fato, ao contrário do que propagandeia a grande imprensa internacional, se vive uma democracia plena.

Já o processo bolivariano carece dum recrudescimento, mas antes é preciso despersonificá-lo e revitalizá-lo. O melhor paradigma que a Venezuela pode buscar para revitalizar o seu processo revolucionário é justamente em Cuba, onde hoje, às vésperas de se completar o primeiro cinqüentenário da Revolução, há um intenso processo de debate, discussão, autocrítica, reavaliação e reconstrução do seu projeto socialista. Só assim o percurso da “revolução” não será apenas democrático e popular, mas também permanente e constante.

Talvez o momento na Venezuela seja dos mais propícios para essa revisão. Uma revisão sobre os rumos que a revolução bolivariana pode tomar. O momento parece propício graças à conjuntura internacional com os preços das commodities, e no caso venezuelano ainda mais do petróleo, despencando. Chávez terá a oportunidade de colocar em prática novos projetos para a economia local e uma profunda reforma no sistema de trabalho do seu povo. Cerceamento ao latifúndio, reforma agrária e coletivização de algumas terras, extermínio do monopólio, formação de gestões comunitárias e fim da soberania do Banco Central deverão voltar à tona e ser postos em pauta.

A eleição de Barack Obama não deixa de trazer certo alento e joga no ar alguma esperança que a animosidade entre os dois países não seja tão intensa quanto durante o bushismo . Ainda que Obama tenha um discurso sobre política externa, e mais precisamente sobre a America Latina, bastante obscura e, em certas horas, até mesmo dúbia e mesmo com a eventual presença de Hillary no Clinton no State Departmet, o arrefecimento nas relações entre Casa Branca e alguns governos populares no subcontinente sul-americano parece ser o caminho lógico, ao menos de início – ainda que a Quarta Frota continue a nos “vigiar”.

Ademais Chávez continua a contar com amplo apoio entre os trabalhadores e os estratos mais pobres da população. Para quem está acostumado a governar nas adversidades. A enfrentar uma oposição reacionária e cega, que já promoveu um lockout, que cuida cotidianamente duma campanha interna e externa de satanização e chacota do presidente da República, que já se absteve do processo eleitoral para depois acusar o governo de fraude. Uma oposição financiada pela CIA e pelas grandes corporações do capital. Para quem já passou incólume por um golpe de estado, por um recall e ainda conseguiu se reeleger, os desafios que pairam no horizonte (crise econômica, oposição fortalecida, ambigüidade do governo estadunidense, construção duma alternativa real ao neoliberalismo, revitalização do processo bolivariano ...), são pesados, mas não insuperáveis.

2 comentários:

Renan disse...

É por isso que tenho medo de momentos de transição. Líderes carismáticos saindo para entrar quem? José Serra?! Rezo para que não!! Além da volta aos tempos de diminuição máxima ao Estado mínimo, cortes nos investimentos nos Estados menos desenvolvidos (NE e N) e concentração no SE.

Dilma 2010

Blog do Morani disse...

Em 24/11/08

Venezuela... Venezuela... Dos 22 estados daquela nação 17 deram a vitória ao governo Hugo Chávez, mas das 328 prefeituras não se tem ainda, nesta hora da manhã, alguma novidade. O país marcha para mais um teste à caminhada do processo bolivariano, e daquela gente, rumo a um "Socialismo do Século XXI. Hugo Chávez e o seu processo de mudar a face do sistema vigente, perderam a capital. Não sei da importância do fato, mas num evento como o que se deu ontem naquele país irmão, é de suma importância a capital fazer parte desses elos formados pelos outros 17 estados. 77% dos estados deram o "SIM" ao processo e apenas 23% restantes viraram as costas às mudanças. É provável que os "pratulleros" na capital do país tenham se deparado a uma elite de cerviz dura, como a mais dura rocha negra de um meteorólito.
Será de bom alvitre o Estado venezuelano tirar a Cuba o exemplo do que se passa lá presentemente: debates, autocrítica, reavaliação e reconstrução de seu projeto socialista que vige há 50 anos na formosa ilha, como afirma o comentarista em seu "DOMINGO NA VENEZUELA". De resto, o povo saberá acompanhar a luz que se faz sobre suas cabeças e, pois, sobre as suas vidas.
Morani