Por Ivan Pinheiro*
As eleições municipais deste ano, apesar de absolutamente despolitizadas, acabaram por armar o cenário em que se dará a batalha eleitoral de 2010. Se a esquerda socialista não aprender com os resultados de 2008, vai continuar assistindo o jogo institucional de fora do campo, pela televisão, uma briga de cachorro grande entre dois projetos, cada vez mais parecidos, ambos se apresentando como a melhor alternativa para destravar e alavancar o capitalismo: o campo majoritário do PT e o PSDB. O centro do debate serão números macro-econômicos, ou seja, a comparação entre os governos FHC e Lula do ponto de vista do "risco Brasil", do preço do dólar, da balança comercial, das reservas internacionais, de quem criou mais (e piores) empregos e captou mais investimentos estrangeiros. Para usar uma expressão dos comentaristas econômicos burgueses, "quem fez melhor o dever de casa", leia-se, quem mais favoreceu o capital, que continua, no governo Lula, a aumentar sua participação na riqueza nacional, em detrimento do trabalho.
E o pior é que, se a esquerda socialista e os movimentos populares não criarem uma alternativa, quem vai decidir o jogo será o PMDB, o partido que sai mais fortalecido dessas eleições e que já começa a falar grosso, querendo as Presidências do Senado e da Câmara, ameaçando candidatura própria em 2010, para negociar mais espaço de poder, além dos seis ministérios que já ocupa. E é bom lembrar que o PMDB só tem compromisso com Lula até 2010 e assim mesmo se o partido continuar confortável em seu governo.
Aliás, esse jogo pode ser resolvido antes de começar o primeiro tempo. Alguns fatores podem levar a um consenso burguês que imponha, em 2010, uma solução de "união nacional", em torno de alguém como Aécio Neves, que se apresenta "acima das classes e dos partidos", reencarnando seu avô, Tancredo Neves, a julgar pela experiência piloto vitoriosa em Belo Horizonte, onde haverá um governo de "coabitação" PT/PSDB, na barriga de aluguel da legenda do PSB. Se este governo for um sucesso, a burguesia pode forçar a edição nacional dessa experiência. Afinal, os dois partidos fizeram aliança em mais de 1.000 municípios nestas eleições.
O fator com mais potencial para pressionar uma solução desse tipo é a imprevisível crise mundial do capitalismo, que já "atravessou o Atlântico" e começa a trazer turbulências para a economia brasileira. O agravamento da crise e o risco de Lula ficar refém do PMDB podem levar o governo federal para posições mais conservadoras.
Até porque a força do PMDB fica maior ainda, quando se verifica que a disputa pelo segundo lugar, nestas eleições, entre PTxPSDB, não teve vencedor. Não havendo uma segunda força incontestável, a primeira paira acima das duas. Ambos saem destas eleições mais ou menos do mesmo tamanho, em número de prefeitos e vereadores. Serra teve uma vitória em São Paulo, mas com um candidato "terceirizado", filiado ao DEM, partido derrotado nacionalmente, condenado a sublegenda do PSDB, que consolidou sua hegemonia na oposição de direita, que inclui (quem diria!) o PPS.
O PT ficou do mesmo tamanho, mas perdeu qualidade, saindo das capitais mais importantes para a periferia. Perdeu três segundos turnos em capitais para o PMDB. Não se pode dizer que Lula foi derrotado nestas eleições, mas saiu com menos peso político. A falácia da transferência de votos se esfarelou, praticamente tirando do páreo a candidata a "poste", Dilma Russef, gerente principal do "choque de capitalismo". Outro potencial candidato da base do governo, o indefectível Cyro Gomes, pilotou um terceiro lugar na campanha em Fortaleza, que considerava seu quintal. E como deu trabalho para Lula eleger Luiz Marinho, em São Bernardo, onde o Presidente mora, vota e tem seu berço político: foram necessários dois turnos e a campanha mais cara de todo o país, na relação custo/eleitor! A situação do PT em 2010 pode não ser confortável. Pela primeira vez, Lula não será candidato a Presidente e até agora não apareceu o "candidato natural" do Partido.
Diante deste quadro, deve saltar aos olhos de quem se considera de esquerda a necessidade de se tentar criar uma alternativa à bipolaridade conservadora ou ao consenso burguês. A primeira coisa é abandonar a ilusão de uma candidatura "de esquerda" do PT à sucessão de Lula (que nem é "de esquerda"), até porque qualquer candidatura do PT só terá alguma possibilidade se aprovada pelo PMDB. Aliás, pode acontecer de o PMDB oferecer a Vice ao PT em 2010, pois, com a crise econômica, a tendência é que Lula, na ocasião, já não desfrute mais do atual índice de popularidade.
A segunda questão é reconhecer que a frente de esquerda formada em 2006 é absolutamente insuficiente para se auto-proclamar alternativa de poder. Não se trata aqui de analisar a questão somente pelo resultado eleitoral dos três partidos que a compuseram (PCB, PSOL e PSTU), que foi abaixo da expectativa, sobretudo no caso do PSOL, partido-frente, herdeiro de uma tradição eleitoral da antiga esquerda do PT, portador de quatro mandatos no Congresso Nacional. Os resultados matemáticos desses partidos foram fracos, principalmente pela desigualdade de condições frente aos partidos burgueses e reformistas, que dispõem de recursos fabulosos dos setores do capital que os financiam. Mas o fato é que esses três partidos, mesmo juntos, não se tem apresentado como uma real alternativa de poder.
Tanto é que a frente de esquerda não se reproduziu nacionalmente nestas eleições exatamente porque em 2006 não passou de uma coligação eleitoral, sem sequer um programa, sem continuidade, sem se transformar numa FRENTE POLÍTICA real, permanente. Uma frente de esquerda tem que apresentar um projeto político alternativo, para além das eleições, e não ser um mero expediente para eleger parlamentares e dar musculatura a máquinas partidárias.
A criação de uma alternativa real de poder em 2010 não pode ser apenas um ato de vontade da esquerda. Se o movimento de massas não se reanimar, a reedição de uma frente de partidos com registro em 2010 (PCB, PSOL e PSTU) será apenas um gesto burocrático, mais uma coligação eleitoral, fadada novamente à derrota. O que precisamos, além de apostar no movimento de massas, é constituir uma FRENTE POLÍTICA, baseada num programa comum e na unidade de ação, uma frente muito mais ampla do que esses três partidos citados e que incorpore outras organizações populares, movimentos sociais, personalidades e correntes de esquerda não registradas no TSE, até para enfrentar as conseqüências da crise do capitalismo, que certamente recairão nas costas dos trabalhadores e do povo em geral.
Mas não pode ser uma frente política apenas para disputar eleições, mas para unir, organizar e mobilizar os setores populares num bloco histórico para lutar por uma alternativa de esquerda para o país, capaz de galvanizar os trabalhadores pelas transformações econômicas, sociais e políticas, na construção de uma sociedade fraterna e solidária. As experiências recentes na América Latina mostram que a esquerda socialista só tem possibilidade de se tornar alternativa de poder e de realizar mudanças a partir de eleições, se a vitória eleitoral for produto do avanço do movimento de massas e se vier a enfrentar os inimigos de classe e romper os limites da legalidade burguesa.
(*) Ivan Pinheiro é Secretário Geral do PCB (Partido Comunista Brasileiro)
P.S. O signatário deste blog concorda com o artigo acima, não apenas por pertencer, e com orgulho, ao PCB, mas por suas conclusões sobre o último processo eleitoral irem de encontro à incisiva, categórica e sucinta análise do Secretário Geral.
Conheça o site do Partidão:
http://www.pcb.org.br
2 comentários:
Hudson, eu tenho que discordar do que você disse. Postei um texto no meu blogue explicando o porquê.
“ AS ELEIÇÕES DE 2008 E AS
ALTERNATIVAS DA ESQUERDA
SOCIALISTA NO BRASIL"
Comentário de Ivan Pinheiro
Postado no Blog Dissolvendo-No-Ar
Fica difícil realmente encararmos o cenário político atual em nosso país com a esquerda socialista desligada do desenrolar aos dois projetos, cada vez mais parecidos, do PT e o do PSDB; aquele, partido do governo, atuando com métodos capitalistas; o outro esteve ligado ao maior e mais descarado incentivador do liberalismo globalizado em nosso Continente – FHC – no dizer do comentarista Ivan Pinheiro, que é Secretário Geral do PCB. Eu, particularmente, não vejo como fazer comparações entre o governo atual e o dos tucanos porque se o primeiro foi nulo o segundo o persegue naquilo que o outro teve de pior. Comparando-se por esse prisma, chegaremos à conclusão de que são “projetos siameses”, que andam a mãos dadas pelos corredores do Palácio, em Brasília; O PT, com um projeto de falso paternalismo, é permissivo ao desmembramento da nossa floresta amazônica, onde se processa o maior crime de lesa-pátria; o PSDB foi o que nós já sabemos: um nada invejável sucateador de nossas melhores empresas. Com o perfil herdado pela última eleição, provavelmente o PMDB será o fiel da balança nos próximos eventos da mesma natureza, quer pelo que atingiu no sufrágio pelos seus representantes, quer pelas forças acumuladas nas baterias de seus seis ministérios e de sua ligação, em parte, ao governo federal; tem total razão, e não poderia deixar de tê-la, o comentarista acima, pois o “partidão” foi o que saiu mais fortalecido nessas últimas eleições municipais. Pelo andar da carruagem,e pela lídima observação do comentarista, não creio que Lula consiga emplacar seu mais próximo personagem na Presidência da República – a sua atual Ministra da Casa Civil, Sra.Dilma Russef. Reconhecesse que até as coligações entre o PT/PSDB não sofreram derrotas contundentes, a bem da verdade, mas, por outro lado, não obtiveram o sucesso esperado por eles que lhes desse o papel a uma segunda força nesse cenário de interesses partidários no qual o PT continua PT e o DEM permanece desmoralizado e, como sempre, condenado a sublegenda dos tucanos. Já se tentou uma força maior em nossa política. Quem não se lembra do monstro PFL – Partido da Frente Liberal – de amargas recordações? Voltando ao assunto de uma segunda força atuante capaz de a tudo modificar no que se resume a esquerda socialista atual? Antes de tocar neste ponto quero lembrar o PRN de Collor, o “Caçador de Marajás”, que o usou como muleta para chegar à Presidência da República. O que era o PRN antes do evento collorido? O que é ele hoje? De um sonho collorido passou a um pesadelo em preto e cinza!
Pois bem: temos, então, três partidos conhecidos como de esquerda: o PCB, o PSOL e PSTU. Infelizmente, nem um só deles conta com o apoio financeiro ou com a “abertura” mental de brasileiros já vacinados com o vírus dos já conhecidos partidos que posam de “astros” nos palcos sempre bem iluminados pela burguesia "bb" (burguesia burra) deste Brasil medroso em mudar. Mais uma vez a análise do senhor Ivan Pinheiro toca o dedo na “ferida” aberta pelo fracasso, para mim provisório, dessas três agremiações coligadas. Não esqueçamos, porém, fatores que têm pesado ao longo desses anos: as prédicas dos nobres e dignos representantes da Santa Igreja Católica Apostólica Romana contra partidos que tenham “odores” e “perfis” comunistas; e as ações intrometidas e funestas instiladas pela CIA nos países que tendam a políticas socialistas. Nós, brasileiros, carecemos de formação cultural e cívica que sejam um anteparo contra as “insinuações” subliminares dessa classe de papistas – a elite da religiosidade burguesa, e desses agentes mais interessados em confundir governos desprevenidos e fracos. Os partidos acima não poderão aparecer, sempre e apenas, para disputar eleições, mas para unir, para aglutinar e direcionar movimentos populares capazes de abalar os alicerces desses poderosos partidos entreguistas sempre com os mesmos discursos, porém com objetivos íntimos do poder pelo poder. Quem sabe essa crise mundial não jogue por terra toda filosofia contrária ao bom senso de um socialismo intramuros? Se um PRN chegou ao poder, por que não uma coligação transmudada em “ações populares e moucos os seus dirigentes aos discursos burgueses”? É a mais lídima esperança que particularmente tenho em ver o nosso Brasil mudar de mãos para o “bem do povo e a felicidade geral da Nação”!
Em 02/ll/08 Morani
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