“a imprensa brasileira é conhecida internacionalmente por trazer regularmente notícias de fatos totalmente inventados, acusações que já destruíram a vida de outras pessoas”
Neue Zürcher Zeitung, Suíça, fevereiro de 2009
A Folhona faz mais uma das suas. Depois do infausto editorial da “ditabranda”, agora o jornalão do Otavinho Frias resolveu chamar a ”resistência armada” contra a ditadura militar de “terrorista”. Era exatamente esse o termo (terrorista) empregado pelos ditadores de plantão e seus lacaios durante o regime militar. E, é sempre bom lembrar, a Folhona ajudou de todas as formas possíveis àquele estado de exceção, seja através de editoriais ou então dando apoio logístico, como as peruas C-14 do grupo transportando presos políticos para o Doi-Codi. A Folhona que tanto ajudou os milicos golpistas, agora tornou-se panfleto de campanha de José Serra. Numa matéria nitidamente encomendada, tentou por todas as maneiras atingir a antiga “guerrilheira”, atual ministra-chefe da Casa Civil e provável candidata do Partido dos Trabalhadores à presidência da República, Dilma Rousseff.
Domingo (05/04) a Folhona publicou matéria sobre suposto plano para seqüestrar o então czar da economia, Delfim Netto, nos idos de 1969, onde a figura de Dilma Rousseuff aparece em destaque. A manchete já diz tudo: "Grupo de Dilma planejava seqüestrar Delfim". Acontece que com o PIG (Partido da Imprensa Golpista) as matérias não se sustentam nem por 24 horas. No mesmo dia o jornalista Antonio Roberto Espinosa, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), autor de "Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe”, uma das fontes usadas, senão a principal, para a matéria em questão, encaminhou a Folhona uma carta solicitando imediata retratação, alegando a distorção entre o que ele havia dito em entrevista por telefone e o que foi publicado.
Claro que a Folhona não publicou o pedido do professor Antonio Roberto Espinosa e tampouco reconheceu qualquer equivoco na matéria. Atestando assim a parcialidade como foi dirigida desde o começo.
Como declarou recentemente o diário suíço Neue Zürcher Zeitung: “a imprensa brasileira é conhecida internacionalmente por trazer regularmente notícias de fatos totalmente inventados, acusações que já destruíram a vida de outras pessoas”.
Reafirmando, quem declarou essa frase foi o Neue Zürcher Zeitung, da Suíça, e não a Carta Maior, a Agência Brasil de Fato, a Caros Amigos ou o Correio da Cidadania.
Segue a íntegra da correspondência:
Prezados senhores,
Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa “Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto”, e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no “Painel do Leitor” (ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço preliminarmente que:
1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base somente em “investigações” telefônicas;
2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os interessados;
3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).
Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço questão de esclarecer:
1) A VAR-Palmares não era o “grupo da Dilma”, mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;
2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;
3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que “informação política” é algo completamente distinto de “informação factual”. Jamais eu diria a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente como “vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?”. O que disse à repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro, que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela, comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;
4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou “doutorando em Relações Internacionais”, mas em Ciência Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que “a ação chegou a ter data e local definidos”. Se foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;
5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência militar;
6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da Marinha, do Rio de Janeiro.
Osasco, 5 de abril de 2009
Antonio Roberto Espinosa
Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.
2 comentários:
Chocado eu estou com a ingenuidade do Sr. Spinosa: dar uma entrevista de 3 horas para a Folha de Serra, por telefone, e não gravar.
Agora fica a dúvida: será que o Sr. Spinosa foi ingênuo ou há mais coisas por trás desse assunto...
Foi essa ingenuidade da esquerda que derrubou Jango em 64.
Blogger Blog do Morani disse...
08/04/09
Não sou muito simpático ao tipo de musica destes nossos tempos, nem nutro qualquer entusiasmo pelas chamadas "Bandas" estrangeiras. Inclino-me mais ao tipo: violinos, pianos e orquestra como a de André Ryeu ou de músicos como Rachmaninof com sua Sinfonia nº2 emocionante e que marcou muito uma bela fase de minha vida, mas tenho que me curvar diante do texto sobre o músico Combain, que está ótimo! Quanto a ele, Combain, clamar "Deus é gay" não vejo nenhum pejorativo à Mente Primordial e Divina por significar o termo "gay" pessoa feliz, ou um Deus feliz (em inglês). Muito bom.
Em relação ao primeiro comentário sobre as mentiras da Folhona, prefiro acompanhar o desenrolar dos fatos, pois aconteceram numa época em que eu não tinha conhecimento algum dessas ações contra o regime militar; o que eu sei é que houve, de fato, muitos crimes covardes, muitas traições e muitas ciladas que levaram grandes personalidades da época a morte, como Marighella, morto em um Fusca numa avenida em São Paulo, e a de um jornalista enforcado em sua própria cela do DOI-CODI. Todo o regime de exceção traz esse tipo de ação covarde. O nosso, não poderia ser diferente. Foi tão igual ou pior. O resto, foram fatos perdidos no Tempo e guardados nas memórias históricas de uma Nação como o Brasil. Graças a Deus, meus irmãos, ambos militares graduados, não tiveram participação nessas caçadas àqueles que discordavam do regime. Por sua posição neutra, o que era coronel do exército não atingiu ao generalato, como seria de seu direito. Morreu coronel, aos 20 de março de 2000.
Boa Páscoa a todos os amigos que navegam no blog Dissolvendo no Ar.
8 de Abril de 2009 06:55
Postar um comentário