terça-feira, 7 de abril de 2009

A Imprensa que chafurda

“a imprensa brasileira é conhecida internacionalmente por trazer regularmente notícias de fatos totalmente inventados, acusações que já destruíram a vida de outras pessoas”

Neue Zürcher Zeitung, Suíça, fevereiro de 2009



A Folhona faz mais uma das suas. Depois do infausto editorial da “ditabranda”, agora o jornalão do Otavinho Frias resolveu chamar a ”resistência armada” contra a ditadura militar de “terrorista”. Era exatamente esse o termo (terrorista) empregado pelos ditadores de plantão e seus lacaios durante o regime militar. E, é sempre bom lembrar, a Folhona ajudou de todas as formas possíveis àquele estado de exceção, seja através de editoriais ou então dando apoio logístico, como as peruas C-14 do grupo transportando presos políticos para o Doi-Codi. A Folhona que tanto ajudou os milicos golpistas, agora tornou-se panfleto de campanha de José Serra. Numa matéria nitidamente encomendada, tentou por todas as maneiras atingir a antiga “guerrilheira”, atual ministra-chefe da Casa Civil e provável candidata do Partido dos Trabalhadores à presidência da República, Dilma Rousseff.

Domingo (05/04) a Folhona publicou matéria sobre suposto plano para seqüestrar o então czar da economia, Delfim Netto, nos idos de 1969, onde a figura de Dilma Rousseuff aparece em destaque. A manchete já diz tudo: "Grupo de Dilma planejava seqüestrar Delfim". Acontece que com o PIG (Partido da Imprensa Golpista) as matérias não se sustentam nem por 24 horas. No mesmo dia o jornalista Antonio Roberto Espinosa, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), autor de "Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe”, uma das fontes usadas, senão a principal, para a matéria em questão, encaminhou a Folhona uma carta solicitando imediata retratação, alegando a distorção entre o que ele havia dito em entrevista por telefone e o que foi publicado.

Claro que a Folhona não publicou o pedido do professor Antonio Roberto Espinosa e tampouco reconheceu qualquer equivoco na matéria. Atestando assim a parcialidade como foi dirigida desde o começo.

Como declarou recentemente o diário suíço Neue Zürcher Zeitung: “a imprensa brasileira é conhecida internacionalmente por trazer regularmente notícias de fatos totalmente inventados, acusações que já destruíram a vida de outras pessoas”.

Reafirmando, quem declarou essa frase foi o Neue Zürcher Zeitung, da Suíça, e não a Carta Maior, a Agência Brasil de Fato, a Caros Amigos ou o Correio da Cidadania.

Segue a íntegra da correspondência:

Prezados senhores,

Chocado com a matéria publicada na edição de hoje (domingo, 5), páginas A8 a A10 deste jornal, a partir da chamada de capa “Grupo de Dilma planejou seqüestro de Delfim Neto”, e da repercussão da mesma nos blogs de vários de seus articulistas e no jornal Agora, do mesmo grupo, solicito a publicação desta carta na íntegra, sem edições ou cortes, na edição de amanhã, segunda-feira, 6 de abril, no “Painel do Leitor” (ou em espaço equivalente e com chamada de capa), para o restabelecimento da verdade, e sem prejuízo de outras medidas que vier a tomar. Esclareço preliminarmente que:

1) Não conheço pessoalmente a repórter Fernanda Odilla, pois fui entrevistado por ela somente por telefone. A propósito, estranho que um jornal do porte da Folha publique matérias dessa relevância com base somente em “investigações” telefônicas;

2) Nossa primeira conversa durou cerca de 3 horas e espero que tenha sido gravada. Desafio o jornal a publicar a entrevista na íntegra, para que o leitor a compare com o conteúdo da matéria editada. Esclareço que concedi a entrevista porque defendo a transparência e a clareza histórica, inclusive com a abertura dos arquivos da ditadura. Já concedi dezenas de entrevistas semelhantes a historiadores, jornalistas, estudantes e simples curiosos, e estou sempre disponível a todos os interessados;

3) Quem informou à Folha que o Superior Tribunal Militar (STM) guarda um precioso arquivo dos tempos da ditadura fui eu. A repórter, porém, não conseguiu acessar o arquivo, recorrendo novamente a mim, para que lhe fornecesse autorização pessoal por escrito, para investigar fatos relativos à minha participação na luta armada, não da ministra Dilma Rousseff. Posteriormente, por e-mail, fui novamente procurado pela repórter, que me enviou o croquis do trajeto para o sítio Gramadão, em Jundiaí, supostamente apreendido no aparelho em que eu residia, no bairro do Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro. Ela indagou se eu reconhecia o desenho como parte do levantamento para o seqüestro do então ministro da Fazenda Delfim Neto. Na oportunidade disse-lhe que era a primeira vez que via o croquis e, como jornalista que também sou, lhe sugeri que mostrasse o desenho ao próprio Delfim (co-signatário do Ato Institucional número 5, principal quadro civil do governo ditatorial e cúmplice das ilegalidades, assassinatos e torturas).

Afirmo publicamente que os editores da Folha transformaram um não-fato de 40 anos atrás (o seqüestro que não houve de Delfim) num factóide do presente (iniciando uma forma sórdida de anticampanha contra a Ministra). A direção do jornal (ou a sua repórter, pouco importa) tomou como provas conclusivas somente o suposto croquis e a distorção grosseria de uma longa entrevista que concedi sobre a história da VAR-Palmares. Ou seja, praticou o pior tipo de jornalismo sensacionalista, algo que envergonha a profissão que também exerço há mais de 35 anos, entre os quais por dois meses na Última Hora, sob a direção de Samuel Wayner (demitido que fui pela intolerância do falecido Octávio Frias a pessoas com um passado político de lutas democráticas). A respeito da natureza tendenciosa da edição da referida matéria faço questão de esclarecer:

1) A VAR-Palmares não era o “grupo da Dilma”, mas uma organização política de resistência à infame ditadura que se alastrava sobre nosso país, que só era branda para os que se beneficiavam dela. Em virtude de sua defesa da democracia, da igualdade social e do socialismo, teve dezenas de seus militantes covardemente assassinados nos porões do regime, como Chael Charles Shreier, Yara Iavelberg, Carlos Roberto Zanirato, João Domingues da Silva, Fernando Ruivo e Carlos Alberto Soares de Freitas. O mais importante, hoje, não é saber se a estratégia e as táticas da organização estavam corretas ou não, mas que ela integrava a ampla resistência contra um regime ilegítimo, instaurado pela força bruta de um golpe militar;

2) Dilma Rousseff era militante da VAR-Palmares, sim, como é de conhecimento público, mas sempre teve uma militância somente política, ou seja, jamais participou de ações ou do planejamento de ações militares. O responsável nacional pelo setor militar da organização naquele período era eu, Antonio Roberto Espinosa. E assumo a responsabilidade moral e política por nossas iniciativas, denunciando como sórdidas as insinuações contra Dilma;

3) Dilma sequer teria como conhecer a idéia da ação, a menos que fosse informada por mim, o que, se ocorreu, foi para o conjunto do Comando Nacional e em termos rápidos e vagos. Isto porque a VAR-Palmares era uma organização clandestina e se preocupava com a segurança de seus quadros e planos, sem contar que “informação política” é algo completamente distinto de “informação factual”. Jamais eu diria a qualquer pessoa, mesmo do comando nacional, algo tão ingênuo, inútil e contraproducente como “vamos seqüestrar o Delfim, você concorda?”. O que disse à repórter é que informei politicamente ao nacional, que ficava no Rio de Janeiro, que o Regional de São Paulo estava fazendo um levantamento de um quadro importante do governo, talvez para seqüestro e resgate de companheiros então em precárias condições de saúde e em risco de morte pelas torturados sofridas. A esse propósito, convém lembrar que o próprio companheiro Carlos Marighela, comandante nacional da ALN, não ficou sabendo do seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Por que, então, a Dilma deveria ser informada da ação contra o Delfim? É perfeitamente compreensível que ela não tivesse essa informação e totalmente crível que o próprio Carlos Araújo, seu então companheiro, diga hoje não se lembrar de nada;

4) A Folha, que errou a grafia de meu nome e uma de minhas ocupações atuais (não sou “doutorando em Relações Internacionais”, mas em Ciência Política), também informou na capa que havia um plano detalhado e que “a ação chegou a ter data e local definidos”. Se foi assim, qual era o local definido, o dia e a hora? Desafio que os editores mostrem a gravação em que eu teria informado isso à repórter;

5) Uma coisa elementar para quem viveu a época: qualquer plano de ação envolvia aspectos técnicos (ou seja, mais de caráter militar) e políticos. O levantamento (que é efetivamente o que estava sendo feito, não nego) seria apenas o começo do começo. Essa parte poderia ficar pronta em mais duas ou três semanas. Reiterando: o Comando Regional de São Paulo ainda não sabia com certeza sequer a freqüência e regularidade das visitas de Delfim a seu amigo no sítio. Depois disso seria preciso fazer o plano militar, ou seja, como a ação poderia ocorrer tecnicamente: planejamento logístico, armas, locais de esconderijo etc. Somente após o plano militar seria elaborado o plano político, a parte mais complicada e delicada de uma operação dessa natureza, que envolveria a estratégia de negociações, a definição das exigências para troca, a lista de companheiros a serem libertados, o manifesto ou declaração pública à nação etc. O comando nacional só participaria do planejamento , portanto, mais tarde, na sua fase política. Até pode ser que, no momento oportuno, viesse a delegar essa função a seus quadros mais experientes, possivelmente eu, o Carlos Araújo ou o Carlos Alberto, dificilmente a Dilma ou Mariano José da Silva, o Loiola, que haviam acabado de ser eleitos para a direção; no caso dela, sequer tinha vivência militar;

6) Chocou-me, portanto, a seleção arbitrária e edição de má-fé da entrevista, pois, em alguns dias e sem recursos sequer para uma entrevista pessoal – apelando para telefonemas e e-mails, e dependendo das orientações de um jornalista mais experiente, no caso o próprio entrevistado -, a repórter chegou a conclusões mais peremptórias do que a própria polícia da ditadura, amparada em torturas e num absurdo poder discricionário. Prova disso é que nenhum de nós foi incriminado por isso na época pelos oficiais militares e delegados dos famigerados Doi-Codi e Deops e eu não fui denunciado por qualquer um dos três promotores militares das auditorias onde respondi a processos, a Primeira e a Segunda auditorias de Guerra, de São Paulo, e a Segunda Auditoria da Marinha, do Rio de Janeiro.

Osasco, 5 de abril de 2009

Antonio Roberto Espinosa


Jornalista, professor de Política Internacional, doutorando em Ciência Política pela USP, autor de Abraços que sufocam – E outros ensaios sobre a liberdade e editor da Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe.

2 comentários:

RLocatelli Digital disse...

Chocado eu estou com a ingenuidade do Sr. Spinosa: dar uma entrevista de 3 horas para a Folha de Serra, por telefone, e não gravar.
Agora fica a dúvida: será que o Sr. Spinosa foi ingênuo ou há mais coisas por trás desse assunto...
Foi essa ingenuidade da esquerda que derrubou Jango em 64.

Blog do Morani disse...

Blogger Blog do Morani disse...

08/04/09

Não sou muito simpático ao tipo de musica destes nossos tempos, nem nutro qualquer entusiasmo pelas chamadas "Bandas" estrangeiras. Inclino-me mais ao tipo: violinos, pianos e orquestra como a de André Ryeu ou de músicos como Rachmaninof com sua Sinfonia nº2 emocionante e que marcou muito uma bela fase de minha vida, mas tenho que me curvar diante do texto sobre o músico Combain, que está ótimo! Quanto a ele, Combain, clamar "Deus é gay" não vejo nenhum pejorativo à Mente Primordial e Divina por significar o termo "gay" pessoa feliz, ou um Deus feliz (em inglês). Muito bom.
Em relação ao primeiro comentário sobre as mentiras da Folhona, prefiro acompanhar o desenrolar dos fatos, pois aconteceram numa época em que eu não tinha conhecimento algum dessas ações contra o regime militar; o que eu sei é que houve, de fato, muitos crimes covardes, muitas traições e muitas ciladas que levaram grandes personalidades da época a morte, como Marighella, morto em um Fusca numa avenida em São Paulo, e a de um jornalista enforcado em sua própria cela do DOI-CODI. Todo o regime de exceção traz esse tipo de ação covarde. O nosso, não poderia ser diferente. Foi tão igual ou pior. O resto, foram fatos perdidos no Tempo e guardados nas memórias históricas de uma Nação como o Brasil. Graças a Deus, meus irmãos, ambos militares graduados, não tiveram participação nessas caçadas àqueles que discordavam do regime. Por sua posição neutra, o que era coronel do exército não atingiu ao generalato, como seria de seu direito. Morreu coronel, aos 20 de março de 2000.

Boa Páscoa a todos os amigos que navegam no blog Dissolvendo no Ar.

8 de Abril de 2009 06:55