segunda-feira, 26 de outubro de 2009

10 + - 3ª Posição: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Band Club

Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Band Club (Beatles, 1967)

Por Marcos A. M. Cruz | Em 29/04/00

http://whiplash.net/materias/cds/003210-beatles.html

Normalmente na vida passa-se por três estágios bem definidos: infância, quando a grosso modo somos inocentes, ingênuos, sem nenhuma preocupação maior a não ser satisfazer nossos instintos primários; idade adulta, quando ampliamos de forma descomunal nosso campo de percepção, nos deparando com inúmeras coisas que sequer sonhávamos existir; em contrapartida, os problemas e preocupações atingem níveis muito mais profundos (juntamente com nossa capacidade de entender e solucioná-los); e por último a velhice, que de modo geral além de contar com todas características da idade adulta ainda vêm acompanhada do temor da morte, problemas físicos etc (estes infelizmente até hoje sem solução).

Quando se passa de uma fase à seguinte, há períodos de transição, no qual ainda não somos nem uma coisa nem outra. No caso específico da infância e idade adulta, há entre elas a adolescência, fase no qual mantemos características de ambas simultaneamente; nesta época geralmente nos tornamos rebeldes e contestadores, ao mesmo tempo em que vamos absorvendo tudo que acontece ao nosso redor.

Pois bem, se considerarmos o Rock como algo de certa forma “orgânico” (face tratar-se de uma manifestação artística, e como tal refletir nossas sensações) podemos estabelecer uma analogia com uma existência humana, inclusive de forma cronológica! Afinal, nascido no início da década de 50, nos primeiros anos vamos encontrar apenas características, digamos, “infantis” em sua expressão, pois inicialmente seu objetivo único era a diversão pura e simples, tal qual uma criança que literalmente “vive para brincar”.

Porém com o passar do tempo, da mesma forma que uma pessoa vai crescendo e tomando contato com experiências diferentes e se vê despertando para o mundo que a cerca, o Rock foi aos poucos incorporando elementos “sérios” em sua arte, além de absorver cada vez mais as vibrações correntes no mundo.

Aliado à isto há o fato da década de 60 ter sido especial, pois naqueles anos ocorreram profundas mudanças, principalmente comportamentais, que “mexeram” com praticamente toda população ocidental do planeta, notadamente os jovens, pois naturalmente estão mais “abertos” à mudanças. E o Rock, à época praticado de e para a juventude, consequentemente foi uma das manifestações artísticas que mais refletiram este estado de espírito, onde todo e qualquer experimentalismo era válido em busca de uma alternativa ao que era considerado “tradicional”.

Até meados da década (quando o Rock teria algo em torno de 13, 14 anos de idade) de modo geral não havia uma preocupação maior com a “arte” em si, pois seu objetivo era apenas o entretenimento; as letras raramente iam além do “rapaz ama garota” e suas variações, e a parte instrumental, com raras exceções, serviam apenas como mero acompanhamento para alguém que estivesse cantando. Eis que por volta de 1965/1966 começaram a surgir alguns artistas que ansiavam romper esta barreira, ora discursando sobre temas mais “profundos”, ora imprimindo um pouco mais de “virtuosismo” ou mesclando diversos elementos na parte musical.

Embora as mudanças de uma fase à outra não ocorram de forma brusca, geralmente há algum fato ou acontecimento que marca esta transição, pois o ser humano têm necessidade de estabelecer determinadas datas ou acontecimentos para melhor situá-los; sendo assim, sempre há algo que fica marcado em nossas vidas como um “marco” da transição para a fase adulta: pode ser o primeiro beijo ou ato sexual, o primeiro “porre”, ou algo totalmente insignificante visto sob o prisma de quem está do lado de fora, mas que marca profundamente quem o vivenciou. Tanto que em algumas culturas existem certos “ritos de passagem” para a idade adulta; entre nós há o “baile de debutantes” para as meninas e o “serviço militar” para os meninos.

E o Rock naturalmente também têm os seus “marcos”.

Um dos maiores deles, que selou definitivamente esta passagem da “infância” para a fase “adulta”, foi o lançamento, nos primeiros dias do mês de junho de 1967, do “Sgt.Peppers Lonely Hearts Club Band” dos Beatles.

A própria banda já vinha ensaiando uma ruptura com o padrão “yeah yeah yeah” desde o “Rubber Soul” de 1966; contudo foi nesse trabalho que expandiram até o limite do imaginável o caráter experimentalista e ousado que marcou a produção artística desta época, graças a uma série de fatores: em primeiro lugar, na época eles já eram “The Beatles”, portanto qualquer coisa que fizessem teria venda certa e garantida; em segundo, dinheiro era o que não faltava, portanto qualquer “loucura” podia ser levada a termo, além de que isto possibilitava acesso a todos recursos técnicos disponíveis, e por outro lado possibilitava o acesso às drogas, principalmente alucinógenas, que embora obviamente tenham como efeito colateral após algum tempo a total inapetência do usuário para qualquer tipo de atividade, no início ajudam à expandir a mente e “desbloqueá-la” de todos e quaisquer conceitos preestabelecidos; por fim, impossível negar a grande capacidade dos “cabeludos de Liverpool” de misturar tudo isto, reciclar e nos devolver em forma de música!

No início daquele mesmo ano os Beatles haviam lançado um compacto com “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”, que em suas tinturas psicodélicas antecipavam um pouco do conteúdo do que estava por vir, pois foram gravadas nas mesmas sessões do “Sgt.Pepper’s...”, sessões estas que se iniciaram em dezembro de 1966 e terminaram em abril de 1967, totalizando mais de 700 horas de estúdio!

Já foram escritos vários livros sobre o álbum, portanto será impossível descrever em detalhes neste curto texto os meandros técnicos que o tornaram revolucionário; mas vamos a alguns fatos: foi um dos primeiros trabalhos “conceituais’ da história do Rock, ou seja, as canções se interligam e formam um único tema; a arte gráfica é um caso à parte: concebida por Peter Blake à partir de colagens sugeridas pelos Fab Four, a capa reúne cerca de 50 personalidades diversas, além dos próprios Beatles em duas versões – numa em sua fase “bons moços de terninhos” representados por bonecos de cera oriundos do museu de Madame Trussaud e noutra os quatro em pessoa metamorfoseados em membros da “Banda do Sargento Pimenta”; além disso foi o primeiro LP à vir com as letras impressas na contracapa, e no encarte vinham alguns “souvenirs” como uma insígnia e bigodes para que o ouvinte interagisse com a obra, se transformando também em mais um membro da fictícia banda...

O disco abre com “Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, que serve como uma introdução à Banda do Sargento Pimenta; ao final, há a apresentação de um tal de “Billy Shears”, representado por Ringo, que entra cantando “A Little Help From My Friends”, faixa que acabou sendo banida das rádios inglesas à época pelo verso “I get high with a little help from my friends”, pois muitos viam nestes versos uma alusão à drogas (“ficar alto com uma mãozinha de meus amigos...”). Depois temos a polêmica “Lucy In The Sky With Diamonds”, que de acordo com Paul foi inspirada por alguns desenhos feitos por Julian, filho de John. Polêmicas à parte, o fato é que além de suas iniciais formarem o termo L.S.D., esta faixa se tornou um clássico do psicodelismo pela sua letra e arranjos “surreais”. Prossegue com “Getting Better”, canção com clima e letra bastante otimistas. Depois vêm “Fixing A Hole” no qual Paul faz uma analogia com “o buraco na sua estrutura que impede sua mente de seguir em frente” e segue com “She’s Leaving Home”, que relata de forma triste o conflito de gerações, pois conta a história de uma jovem que abandona a casa dos pais por sentir falta de atenção e carinho, ao que estes ficam perplexos pois “ nós lhe demos tudo que o dinheiro pode comprar”. Para encerrar o lado A temos “Being For The Benefit Of Mr.Kite!”, canção que serve de contraponto à melancolia da anterior, devido à atmosfera meio “circense” recriada pela banda.

O Lado B começa com “Within You, Without You”, composição de Harrison que segue a linha de seus trabalhos da época com influências indianas. Depois temos quatro faixas bem divertidas e descompromissadas: a primeira é “When I’m Sixty-Four”, no qual Paul canta as alegrias de ter 64 anos(!) de idade – de acordo com ele, esta canção foi feita em homenagem ao seu pai; a segunda é “Lovely Rita Meter Maid”, dedicada às moças que cuidavam do parquímetro (aparelho utilizado para controlar o tempo em que um carro permanecia estacionado nos EUA e Inglaterra naquela época – processo similar ao que no Brasil chamamos de “Zona Azul”). Após o canto de um galo temos a terceira faixa – “Good Morning, Good Morning”, canção animadíssima que serve de prenúncio à despedida da Banda do Sargento Pimenta em “Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band (reprise)”. Mas enquanto a banda vai se despedindo começam os primeiros acordes de “A Day In The Life”, intrigante canção que forma um verdadeiro painel sonoro ao mesmo tempo em que trata de problemas existenciais de uma forma totalmente inédita até então! Ao final dela temos um longo acorde (cerca de 40 segundos) produzido por três pianos, e em seguida um som emitido em 20 mil hertz – audível somente para cães(!).

Nas edições em vinil o sulco central do disco traz uma série de ruídos desconexos, gravados durante uma festa após as gravações de “A Day In The Life”, no qual havia uma orquestra contratada por George Martin, que ao invés de tocar algo mais “ortodoxo” se limitou à tocar uma série de notas graves e agudas conforme instruções de Martin. Muitas pessoas se debruçaram sobre estes ruídos, tocando-os em diferentes rotações e de trás para frente, com o objetivo de descobrir algum significado oculto neles... obviamente vários foram encontrados, desde alguém sussurrando “Paul is dead”, o que corroboraria a hipótese de sua morte, até “we’ll fuck you like Superman” e muitas outras coisas...

Descrito assim através de palavras é impossível se ter uma idéia da riqueza dos arranjos e da variedade de nuances obtidas em grande parte graças ao primoroso trabalho de produção de George Martin, aliado à dedicação de Geoff Emerick e Richard Lusch, engenheiros de gravação que conseguiram a proeza de registrar em parcos quatro canais vocais, instrumentos “normais” (baixo, guitarra, bateria, piano, órgão), outros atípicos para uma banda de Rock (harpa, cravo, acordeão, cítara), ruídos de todas espécies (galos cantando, despertador) além de uma orquestra de 30 músicos!

Embora tenham lançado outros grandes trabalhos após o “Sgt.Peppers...” este foi o último que manteve uma certa unidade entre os músicos – notadamente John e Paul, pois logo após seus interesses começaram à tomar rumos bem distintos e os atritos atingiriam proporções imensas, culminando na separação da banda em 1970.

É difícil dissociar os Beatles de todas as revoluções ocorridas àquela época, pois sua influência não se resumiu apenas à música, mas também à atitudes e comportamentos, mesmo se não houvessem lançado este álbum ou encerrado as atividades em 1966...

...com este álbum então, a coisa se torna covardia... pois com ele o Rock foi elevado à categoria de “Arte”... e o mundo nunca mais foi o mesmo...

Músicas:

Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band
With A Little Help From My Friends
Lucy In The Sky With Diamonds
Getting Better
Fixing A Hole
She’s Leaving Home
Being Fot The Benefit Of Mr.Kite
Within You Without You
When I’m Sixty Four
Lovely Rita
Good Morning, Good Morning
Sgt.Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)
A Day In The Life

Beatles:

Paul McCartney (Baixo/Vocal)
George Harrison (Guitarras/Vocal)
John Lennon (Guitarras/Vocal)
Ringo Star (Bateria)

Produção: Beatles e George Martin

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