domingo, 27 de fevereiro de 2011

Música de Domingo -- Especial The Who

The Who fez parte da primeira Britsh Invasion ao lado de Beatles, Stones, Kinks, Animals e tantas outras deliciosas bandas da Terra da Rainha nos anos 1960. Foi a partir dessa invasão que o Rock deixou de ser apenas s(j)ingles de refrão fácil e letra grudenta para se tornar expressão daquela e de várias gerações seguintes.

No entanto após a primeira Britsh Invasion apenas Beatles, Stones e Who resistiriam ao contra-ataque estadunidense e ao surgimento de outras excelentes bandas britânicas. Who sempre foi considerada pioneira dum estilo de Rock mais pesado e com doses cavalares de Blues, estilo comumente chamado na época de Acid Rock e, portanto, de certo modo, aplainaram o caminho para o Hard Rock dos anos 1970. Who também é considerada por muitos como uma espécie de banda proto-punk . Enquanto o movimento punk no final da década de 1970 pedia a cabeça daquilo que entendiam ser dinossauros do rock – Led Zeppelin e Pink Floyd os dinossauros mais vistosos – Joe Strummer (The Clash) e Pete Townshend mantinham uma admiração recíproca.

Liderados pelo genial guitarrista Pete Tonshend, prolífico em idéias e conceitos, o The Who contava ainda com a agressividade do "front man" Roger Daltrey, claramente um influenciador de Robert Plant, e com uma cozinha só comparável ao do Led Zeppelin, Keith Moon na batera e John Entwistle no baixo.

Além do pioneirismo e evolução musical que trouxeram à música pop, também foram responsáveis por algumas das melhores apresentações ao vivo (Live at Leeds e Live At The Isle of Wight, além da apresentação em Woodstock estão aí devidamente registrados pra confirmar isso) e por uma série de casos, verídicos ou nem tanto, que se tornaram um capitulo a parte na historia do Rock.

Dentre os verídicos o fato de sempre quebrarem os instrumentos após os shows, o alcoolismo e consumo exagerado de drogas. Ou o fato de Townshend ter perdido parcialmente a audição por conta do alto volume do som da própria banda e as mortes de Moon em consequência de overdose do medicamento que usava no seu tratamento contra o alcoolismo e de Entwistle devido uma overdose de cocaína.

Entre os “causos” está a forma como conheceram Keith Moon. A banda, que no inicio da careira usava o nome de Detours, não andava lá muito contente com o seu baterista até que durante apresentação num pub apareceu um louco todo vestido de vermelho e implorou para o deixarem tocar o instrumento. Pete Townshend em tom de galhofa acabou cedendo.

Resultado, o louco todo de vermelho arrebentou (literalmente) com a bateria e se tornou uma lenda do Rock.

Leia também:

10 + – 6ª Posição: Who’s Next

Deaf, Dumb And Blind Kid


Quinze minutos de fama no lugar de Keith Moon
























sábado, 26 de fevereiro de 2011

Revolta em Wisconsin

Será reflexo do o movimento revolucionário que está se espalhando pelo Oriente Médio???? Ou será apenas reflexo da falta de Democraica na Terra da Democrcia???

Imaginem se isto estivesse acontecendo na Venezuela!!!

Abaixo dois posts sobre o assunto.



Cresce movimento de apoio a sindicalistas de Wisconsin (EUA)

Retirado do Prensa latina


Washington, 24 fev (Prensa Latina) Enquanto o governador de Wisconsin, o republicano Scott Walter, prossegue com seu plano contra o movimento sindical, em nível nacional cresce hoje o apoio aos sindicatos estadunidenses.

À medida que outros governadores republicanos conservadores impulsionem similares ações contra os sindicatos como parte de suas políticas de redução orçamental e de confronto ao presidente Barack Obama, a repulsa avança no país.


Em várias cidades milhares de trabalhadores apoiam a causa de seus colegas com vigílias e protestos contra quem pretendem despojar de seu direito a negociar contratos trabalhistas, entre outros direitos.


Ninguém silenciará nossas vozes! Não temos o luxo de poder perder! Digam ao povo em Wisconsin, Somos um só!, exortou Art Pulaski, líder da Federação do Trabalho de Califórnia a uma multidão de trabalhadores que chegaram a Los Angeles com velas e cartazes de todo o estado.


Um grupo de 160 sindicalistas de Los Angeles, por exemplo, viajou nesta semana a Wisconsin para apoiar a seus colegas.


Também há agitação em Indiana e Ohio, regiões que têm propostas de leis que limitariam os direitos trabalhistas.


Nas mostras de fôlego que se estendem já a cerca de 27 estados é comum escutar os sindicalistas expressarem que "as negociações coletivas são uma forma de democracia"; "não culpem os trabalhadores da usura de Wall Street". Enquanto, o movimento desencadeado na Assembleia Legislativa de Madison, Wisconsin, é interpretado, também, como a preparação do cenário político para as eleições de 2012, ante a possibilidade de que os republicanos freiem os sindicatos que apoiam os democratas.


A situação já registra um impacto nacional, refletido em que 61 por cento dos estadunidenses rejeita os projetos de leis antissindicais impulsionadas por vários governadores republicanos, revelou na quarta-feira um estudo da Gallup e o jornal USA Today.


A sondagem destacou que a maioria dos estadunidenses se opõe de forma enérgica a limitar o poder dos sindicatos, e só 33 por cento está de acordo.


Vários sindicatos e organizações nacionais respaldaram as manifestações e ameaçaram com aumentar as greves se os republicanos fazem questão de seus projetos.

Wisconsin: a componente de direita estadunidense

Da Fundação Lauro Campos

O que ocorre no estado de Wisconsin (Centro-Oeste) é catalogado hoje como o resultado de uma componente de direita estadunidense com o fim de descabeçar os sindicatos de trabalhadores públicos.

Durante mais de uma semana, cerca de 100 mil pessoas mantêm seu rechaço aos planos do governador Scott Walter e ao congreso estadual, controlado pelos republicanos.

É la reação a algo controvertido: Scott promove uma iniciativa de lei que limitará o poder dos sindicatos do setor público a discutir só salários, deixando fora benefícios e condições de trabalho.

Além disso, fixará um teto às melhorias salariais baseado no índice de inflação e aumenta as contribuições aos fundos de pensão e saúde.

Mas os planos, que já recebem o apoio do movimento conservador Tea Party, desataram airadas reações que vão a caminho de converter-se num dos maiores protestos sindicais nos Estados Unidos das últimas décadas, segundo os comentaristas políticos.

Alguns, como o politólogo Noam Chomsky, consideram que o que se desencadeou ali talvez seja o inicio do que verdadeiramente necessitam: um levante democrático.

Outros analistas avaliam a situação e opinam que em Wisconsin se joga o futuro do poder sindical e de sua influência na distribuição dos rendimentos em toda a nação.

Até agora, o argumento de Scott de que seu plano é necessário para equilibrar as contas do Estado não chega a convencer seus críticos, que reiteram que está em marcha uma experiência para destruir os sindicatos de trabalhadores públicos.

A esses argumentos não lhes falta razão. No Estado existem índices melhores do que em outras partes do país. O desemprego é de 7,5% e o déficit projetado é de 12,8% do orçamento, ambos abaixo da média nacional.

Isso dá margem a pensar que há um fundo político e não é de extranhar que mais de uma centena de organizações próximas ao Tea Party em todo o país comecem a se mobilizar a favor da medida de Scott.

Os sindicatos públicos na maioría das vezes se inclinam pela formação democrata na disputa de cargos eletivos no país e seu aporte econômico às campanhas políticas é significativo, algo que preocupa os republicanos e afeta seus planos de retomar a Casa Branca e a maioría em ambas as câmaras do Congresso Federal.

Este estado é o berço de um dos maiores sindicatos de funcionários públicos e enfermeiras do país, que aglutina a 170 mil membros, segundo dados oficiais.

Conhecido por sus sigla em inglés como AFCSM, o sindicato adquiriu em 1959 a capacidade de negociar convênios coletivos de trabalho, o que traducido em poder preocupa o governador republicano.

O código laboral estadunidense regula as relações de empresas privadas em nível federal, mas deixa a regulamentação dos empregados públicos em cada um dos estados na mão dos governos dessa instância.

Walter, sujeitando o touro à unha, quer forçar os sindicatos a celebrar um plebiscito que os legitime anualmente e proibir as deduções automáticas das contribuições sindicais.

O próprio político admite que pretende "limitar o poder dos sindicatos" e nisso espera poder ser a fonte de inspiração para muitos outros.

Se esta lei é aprovada em Madison, será replicada em outros estados onde governantes intentan reduzir seu déficit orçamentário trasladando os custos para os trabalhadores do setor público.

Iniciativas parecidas começaram a surgir em Ohio, Indiana e Tennessee, enquanto se extendem por todo o país movimentos de apoio aos trabalhadores de Wisconsin.

Entretanto, talvez o conflito nesse estado não aumentará sua magnitud, pois segundo o diário The Wall Street Journal, republicanos e democratas negociavam uma proposta para limitar o projeto de lei em disputa contra os empregados públicos, o que ppderia favorecer o início de negociações.

Não obstante, a peleja dos sindicatos contra Walker tem oportunidade de converter-se no marco que represente uma derrota a mais dos sindicatos. Ainda perdura a recordação da famosa greve de controladores de voo que Ronald Reagan quebrou en 1981.

Posteriormente a isso, a derrota de greves maciças e prolongadas dos operários da carne em Minnesota ou dos operários industriais em Illinois, pontuaram o retrocesso do setor asalariado na vida econômica estadunidense durante as últimas três décadas.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O dia em que Lindberg Faria fez Aécio Neves dormir com as orelhas quentes

Vi esse vídeo no Blog do Luciano.

Como se fala cá em Minas: “bem que Aécinho podia ir dormir sem essa!!!”


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

São revoltas seculares - porque só se fala das religiões?

Se se podem deitar abaixo ditaduras na Europa - primeiros os fascistas, depois os soviéticos - por que não se podem derrubar ditadores no grande mundo árabe muçulmano? E - só por um instante, pelo menos - deixem a religião fora da discussão.

Via Esquerda.Net de Portugal

Mubarak alegou que os islamistas estariam por trás da Revolução Egípcia. Ben Ali disse o mesmo, na Tunísia. O rei Abdullah da Jordânia vê uma sinistra mão escura – da al-Qa’ida, da Fraternidade Muçulmana, sempre mão islâmica – por trás da insurreição civil em todo o mundo árabe. Ontem, autoridades do Bahrein descobriram a amaldiçoada mão do Hezbollah, ali, por trás do levante xiita. Onde se lê Hezbollah, leia-se Irã.

Por que, diabos, tantos intérpretes cultos, embora impressionantemente andidemocráticos, insistem em interpretar tão mal as revoltas árabes? Confrontados por uma série de explosões seculares – o caso do Bahrein não cabe perfeitamente nessa classificação – todos culpam os islâmicos radicais. O Xá cometeu o mesmo erro, só que ao contrário: confrontado com um óbvio levante islâmico, pôs a culpa nos comunistas.


Os infantilóides Obama e Clinton acharam explicação ainda mais esdrúxula. Depois de muito terem apoiado as ditaduras “estáveis” do Oriente Médio – quando tinham a obrigação de defender as forças democráticas –, resolveram apoiar os clamores por democracia no mundo árabe, justamente quando os árabes já estão tão absolutamente desencantados com a hipocrisia dos ocidentais, que não querem os EUA ao lado deles. “Os EUA interferem em nosso país há 30 anos, apoiando o governo de Mubarak, armando os soldados de Mubarak” – disse-me um estudante egípcio na Praça Tahrir, semana passada. “Agora, agradeceríamos muito se parassem de interferir, mesmo que a nosso favor.” No final da semana, ouvi vozes idênticas no Bahrain. “Estamos sendo assassinados por armas dos EUA, disparadas por soldados bahrainis treinados nos EUA, em tanques fabricados nos EUA” – disse-me um médico na 6ª-feira. “E Obama, agora, quer aparecer como nosso aliado?”


Os eventos dos últimos meses e o espírito antirregime da insurreição árabe – que clama por dignidade e justiça, não por algum emirado islâmico – ficarão nos nossos livros de histórias por séculos e séculos. E o fracasso dos islamistas mais obcecados será discutido por décadas. Havia especial ardor na gravação da al-Qa`ida divulgada ontem e gravada antes da queda de Mubarak, que falava da necessidade de o Islã triunfar no Egito. E uma semana antes, homens e mulheres, seculares, nacionalistas, egípcios, muçulmanos e cristãos, pela própria força e meios, haviam-se livrado do velho ditador, sem qualquer ajuda de Bin Laden Inc.


Ainda mais esquisita foi a reação do Irã, cujo supremo líder convenceu-se de que o sucesso do povo egípcio fora sucesso do Islã. Só a al-Qa`ida, o Irã e seus mais odiados inimigos – os ditadores anti-islamistas – ainda creem que a religião esteja por trás da rebelião das massas democráticas no Oriente Médio.


A mais terrível ironia de todas – de que só muito lentamente Obama deu-se conta – é que a República Islâmica do Irã elogiava os democratas do Egito, ao mesmo tempo em que ameaçava executar seus próprios opositores.


Não foi, como se viu, uma grande semana para o “islamicismo” [orig. “Islamicism”]. Há detalhes a considerar, é claro. Quase todos os milhões de manifestantes árabes que querem quebrar o pescoço da autocracia que – com importante colaboração ocidental – sufoca a vida deles com humilhações e medo, são, sim, muçulmanos. E os muçulmanos – diferentes do ocidente ‘cristão’ – não perderam a fé.


Contra os tanques e chicotes e porretes dos assassinos da polícia de Mubarak, eles lutavam a pedradas, gritando “Allah akbar”, e aquela luta era, sim, para eles, uma “jihad” – palavra que não significa “guerra religiosa”, mas significa “lutar pela justiça”. Gritar “Deus é grande” e lutar por justiça são movimentos absolutamente lógico-consistentes e esse é o próprio espírito profundo do Corão.


No Bahrein temos caso especial. Aqui, a maioria xiita é governada por uma minoria de muçulmanos sunitas pró-monarquia. A Síria, aliás, pode ser contaminada pela “bahrainite” pela mesma razão: ali também uma maioria sunita é governada por uma minoria alawita (xiita). Mas, ora essa, o Ocidente pode alegar, pelo menos – no já bem pouco entusiasmado apoio que ainda oferece ao rei Hamad do Bahrain – que o Bahrein, como o Kuwait, tem um Parlamento. É pobre mostrengo velho, que existiu de 1973 a 1975, quando foi inconstitucionalmente dissolvido, e depois reinventado, em 2001, num pacote de “reformas”. Mas o novo parlamento conseguiu ser ainda menos representativo que o anterior. Os políticos da oposição foram caçados pela polícia política, e os distritos eleitorais redesenhados, ao estilo do Ulster, para garantir que a minoria sunita controlasse todo o parlamento. Em 2006 e 2010, por exemplo, o principal partido xiita no Bahrain ganhou só 18, dos 40 assentos no parlamento. Há clara semelhança com o que houve na Irlanda do Norte, nas perspectivas dos sunitas no Bahrain. Muitos me disseram que temem pela vida; que temem que soldados xiitas queimem suas casas e matem suas famílias.


Tudo isso haverá de mudar. O controle pelo Estado só é efetivo se for legítimo, e usar munição real contra manifestantes pacíficos e desarmados só sugere que as coisas podem acabar, no Bahrein, numa série de pequenos “Domingos Sangrentos”. Quando os árabes tenham aprendido a domar o medo, poderão exigir direitos civis, como os católicos na Irlanda do Norte exigiram, chegada a hora, ante a brutalidade do Royal Ulster Constabulary (RUC, polícia da Irlanda do Norte). No final, os britânicos tiveram de desconsiderar a legislação unionista e admitir que o IRA (Irish Revolucionary Army) dividisse o poder com os protestantes. Os paralelos não são exatos e os xiitas (ainda) não têm milícias, embora o governo do Bahrain tenha exibido fotografias de pistolas e espadas – para o IRA, sequer seriam consideradas armas –, para provar que haveria “terroristas” entre os manifestantes.


Há no Bahrein, sim, uma batalha sectária, ao lado de uma batalha secular, algo que até o Príncipe Coroado acertou ao reconhecer, quando disse, originalmente, que as forças de segurança tiveram de suprimir os protestos para evitar a violência sectária. É ideia que tem sido divulgada empenhadamente pela Arábia Saudita, que tem fortes interesses em suprimir qualquer agitação no Bahrein. Os xiitas da Arábia Saudita podem ver suas posições reforçadas se xiitas do Bahrein passarem a controlar o Estado. Nesse caso, sim, os líderes da República Islâmica Xiita por-se-ão, de fato, a cantar de galo.


Mas essas insurreições interconectadas não devem ser postas como fatores determinantes de tudo que aconteça no Oriente Médio. O levante no Iêmen contra o presidente Saleh (há 32 anos no poder) é democrático, mas também é tribal, e a oposição não tardará a armar-se. O Iêmen é sociedade pesadamente armada, várias tribos, cada qual com sua bandeira, nacionalismo rampante. E, depois, há a Líbia.


Gaddafi é non-sense, com suas teorias do “Livro Verde” – mas despachou os manifestantes benghazi, semana passada, quanto exibiram versão concreta desse específico volume –, extravagante, seu governo é desumano, cruel (e já dura, lá, há 42 anos). É um Ozymandias [1] antes da queda. Seu flerte com Berlusconi – ainda pior: seu caso de amor com Tony Blair, cujo secretário do Exterior, Jack Straw, chamava de “estadista” o lunático da Líbia – jamais o salvará. Mais coberto de medalhas que o general Eisenhower, em busca desesperada de um cirurgião plástico que lhe ajeite a papada, essa ruína humana ameaça agora com castigo “terrível” os líbios que o desafiem. Sobre a Líbia é preciso lembrar duas coisas: como o Iêmen, a Líbia é terra de tribos; e, quando a Líbia levantou-se contra os fascistas, deu início a uma guerra de libertação. Os bravos comandantes líbios enfrentaram o laço da forca com inacreditável coragem. Gaddafi é doido. Isso não implica que os líbios sejam idiotas.


Por tudo isso, está acontecendo um maremoto político, social, cultural, no mundo do Oriente Médio. Haverá muitas tragédias, muito sangue derramado, muitas novas esperanças. O melhor a fazer é não ler, ignorar completamente todos os analistas e os “think tanks” cujos ‘especialistas’ imbecilizados dominam todos os canais de televisão. Se os tchecos podem ser livres, por que os egípcios não poderiam? Se se podem por abaixo ditaduras na Europa – primeiros os fascistas, depois os soviéticos – por que não se podem derrubar ditadores no grande mundo árabe muçulmano? E – só por um instante, pelo menos – deixem a religião fora da discussão.

Robert Fisk é o correspondente estrangeiro britânico mais premiado. Ele recebeu o Prêmio Correspondente Internacional Britânico do Ano sete vezes (as últimas em 1995 e 1996). Também ganhou o Prêmio à Imprensa da Anistia Internacional no Reino Unido em 1998 e 2000. É considerado um dos maiores especialistas nos conflitos do Oriente Médio. Atualmente trabalha para o The Independent de Londres.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Parte da esquerda comemora com a direita o reajuste mínimo do salário mínimo

Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina – Cepal – o Brasil possui 49 milhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia. Para erradicar a miséria e reduzir a pobreza um dos poucos e mais eficazes métodos conhecidos é a implantação de políticas públicas de transferência de renda para o estrato economicamente mais baixo da população. É preciso promover um jogo de soma zero: se você põe de um lado, tem que tirar de outro. E uma das melhores formas de se fazer isso é, na visão do economista e presidente do Ipea Marcio Pochmann, adotar uma política agressiva de ganho real do salário mínimo.

No entanto mesmo consciente, espero eu, da importância de políticas de transferência de renda tendo o salário mínimo como um de seus pilares, na última semana vimos parte da esquerda comemorar a vitória do governo na votação do novo salário mínimo.

Para mim em particular foi vergonhoso ver o Estado dirigido por antigos militantes de esquerda passar por sobre a classe trabalhadora da forma como foi. Em nenhum momento me pareceu motivo de orgulho para a esquerda de verdade, àquela em que sempre militei e tenho orgulho disto, lutar por um reajuste de R$35,00. Se o argumento do governo era que um aumento superior ao dado teria forte impacto sobre as contas públicas ¬– falou-se em cerca de 200 milhões por cada real de aumento –, o que dizer então dos escorchantes juros do serviço da dívida pública??? Só lembrando que esses juros são pagos a banqueiros.

Mais uma vez na História deste país tiveram-se as opções de atacar a burguesia ou os trabalhadores, e ficou-se com a segunda. E, pasmem, parte da esquerda está em frenesi, comemorando a vitória do governo por esmagadora maioria de 361 votos a 120. Cada vez mais se confunde governo com partido, e acabamos passando por cima da luta em prol do Trabalho buscando justificativas estapafúrdias para explicar o escárnio que é um salário mínimo de apenas R$545,00. O adesismo acrítico e o maniqueísmo nos deixam a um mero passo do fascismo como interpretação chula da realidade.

Uma coisa foi lutar para que a direita apologista do deus mercado não voltasse ao poder com toda a força e trazendo consigo o ranço reacionário dos neointegralistas, outra coisa bem diversa é ser acrítico e comemorar uma vitória do Capital sobre o Trabalho porque assim querem os dirigentes do Estado e do partido.

Obviamente que a direita se aproveitou das contradições do governo de centro-esquerda, se é que podemos chamar de centro-esquerda um governo que tem na sua base de sustentação o PP (nomeação que o PDS, o último bastião partidário dos militares durante a Ditadura, adotou há alguns anos) e José Sarney dentre outros. O oportunismo da direita apenas denota a contradição de um governo dito de centro-esquerda, mas apoiado por uma aliança espúria com o que há de mais retrogrado na política tupiniquim.

Para ficar mais clara a aberração da defesa de parte da esquerda do novo salário mínimo, peguemos o exemplo de um trabalhador comum que ganhe exatamente o novo salário mínimo. O chamemos por José da Silva. Na carteira ele passará a receber R$545,00, mas com os 8% de descontos dos encargos trabalhistas o valor cai para R$501,40. Há ainda os 6% do Vale Transporte baixando ainda mais o valor para R$469,13. Imaginemos agora que o nosso trabalhador tenha dois filhos, ambos menores de 14 anos, além de uma esposa e seja o único responsável pelo sustento financeiro da família. Por cada um dos filhos ele recebe mais R$29,41 de Salário Família. Com a soma do Salário Família e do seu próprio ordenado o valor passa para R$603,82 (sem os descontos), dando R$151,00 por membro da família e desse modo deixando os da Silva de fora do Bolsa Família que só paga o beneficio para famílias com renda familiar inferior a R$140,00 por membro.

A renda liquida da família da Silva é de R$527,95 por mês. Com esse valor eles pagam R$50,00 de parcela do imóvel adquirido através do programa “Minha Casa Minha Vida”(notem que estou sendo generoso com os da Silva), outros R$55,00 de conta de luz, R$20,00 de água, R$40,00 de gás e ainda têm a feira, o açougue, o supermercado e a padaria que juntos ficam em torno de R$320,00. Essas despesas podem sofrer variações para baixo ou para cima, mas existem todos os meses e consomem cerca de R$485,00 ou 91,86 % da renda familiar liquida dos da Silva. Os R$42,95 que “sobram” na receita familiar dos da Silva têm a finalidade de garantir a educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte previstos pela Constituição de 1988.

Enquanto os da Silva se “viram” com R$527,95 por mês, o Brasil pagou R$175,8 bilhões de juros que incidem sobre a dívida pública de janeiro a novembro de 2010. Esse valor foi direto para os bolsos das famílias Bradesco, Itaú-Unibanco et caterva.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O que é ser de esquerda, hoje?

Por Luiz Marques, via Carta Maior

A “modernidade” nasceu com o Renascimento, a Reforma e a conquista das Américas. Encerrou-se com os horrores das duas Guerras Mundiais. Começou então a gincana intelectual para achar uma expressão adequada à sociedade que sobreveio. “Pós-industrial”, arriscou-se nos anos 50. “Pós-moderna”, insinuou-se nos 80. “Era nova”, comemorou-se no auge da globalização teleguiada pelo capital financeiro, nos 90. Esses termos suscitaram discussões e confusões semânticas na academia e nos cafés, o que esvaziou o potencial analítico de cada um. Mas ajudaram a compreender a crise dos paradigmas modernos e suas negatividades intrínsecas.


Que paradigmas? 1) a economia de mercado, que acelerou a urbanização do ser humano, desembocando no neoliberalismo e na violência no cotidiano das metrópoles; 2) o progresso nas ciências e nas técnicas de manipulação da matéria não-viva (exploração da energia atômica) e viva (descoberta do DNA, práticas de clonagem), com desenlaces imprevisíveis, indo de uma possível hecatombe a servidões jamais imaginadas; 3) os esforços seculares da opinião pública para controlar o poder político, que não consideraram o fato de a mídia induzir em larga escala o juízo da cidadania, através da radiofonia, da televisão e dos jornais, que a propriedade cruzada agrava; 4) a conversão do indivíduo em vértice social e moral da sociedade, que não levou em conta que a massificação (heteronomia) corrói a livre consciência (autonomia) e; 5) a preeminência do eurocentrismo na avaliação de outras culturas, que conduziu ao colonialismo.


A lição a ser tirada, conforme o filósofo francês Pierre Fougeyrollas (A crise dos paradigmas modernos e o novo pensamento, 2007), remete a uma forma de pensar comprometida com a espécie e o planeta. “Cósmica”, para reintegrar a humanidade no cosmos. “Lúdica”, para estampar a criatividade poética e artística na abordagem do real. “Demiúrgica”, para apropriar-se do existente e promover uma recriação de tudo, com espírito ecumênico. “Interativa”, para subverter as hierarquias clássicas do conhecimento, conectando intuições e conceitos, ideias e imagens. Os eixos estratégicos do “novo pensamento” decorrem de um olhar realista sobre o presente.


Esse programa traduz a luta dos movimentos sociais e ambientalistas que reúnem-se nas edições do Fórum Social Mundial e, para 2012, já preparam um rol de intervenções visando a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que marcará duas décadas da Eco-92. O modelo de desenvolvimento ocidental (o modo de produção e de consumo), baseado na dominação da natureza, sem nenhum planejamento democrático, esgotou-se. Urge um mundo de fraternidade. Como pregou São Francisco de Assis, ao celebrar o Irmão Sol (Fratello Sole) e a Irmã Lua (Sorella Luna). Ou como indicou Marx, no terceiro volume d'O Capital, ao definir o socialismo como a sociedade onde “os produtores associados organizam racionalmente as suas trocas com a natureza”. No caso, a emotiva prece cristã e o prognóstico ateu coincidem.


Ecossocialismo


Publicado em 2002, o “Manifesto Ecossocialista Internacional” conjuga o socialismo e o ecologismo, de maneira orgânica. “Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão relacionados e deveriam ser encarados como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais”, lê-se no documento. Os desequilíbrios são o preço pago pela incontrolável dinâmica da acumulação, da ânsia de rentabilidade que não pode ser cancelada, da suposição de que os recursos naturais são infinitos, do ideal de enriquecimento pessoal. “Cresça ou morra”, é o lema do capitalismo. Seja “vencedor”, não “perdedor”, é o imperativo do mercado. No entanto, a lógica do produtivismo é insuportável. Orientada pelo valor de troca em detrimento do valor de uso, a produção ilimitada causa danos ambientais de proporções irreparáveis.


“Não se trata de opor os 'maus' capitalistas ecocidas aos 'bons' capitalistas verdes: é o próprio sistema, ancorado na concorrência impiedosa, nas exigências de lucro rápido, que é o destruidor do meio ambiente”, sublinha Michael Löwy. Sob certo aspecto, a falsa subdivisão apareceu no Protocolo de Kyoto (1997), que empregou dois mecanismos na tentativa de conter as emissões de carbono na atmosfera, o Cap and Trade: um teto máximo de emissões e um mercado de troca de títulos de direito de emissão de carbono no hemisfério Sul, para compensar a poluição provocada pelas nações industrializadas do Norte. Com o que o carbono atmosférico virou uma commodity.Forjado nas leis do mercado, o artifício para sensibilizar (a rigor, chantagear) o “empreendorismo” fracassou e as emissões aumentaram três vezes mais. A autonomização da economia não permite a sua subordinação a um controle social, político ou ético-ambiental.


O resultado é a profusão de bens desnecessários, e a escassez daqueles necessários às demandas sociais e ao equilíbrio ecológico. A política econômica capitalista é alinhavada por valores monetários. Não se rege por nenhuma consciência de espécie e tampouco planetária. Por isso, acarreta riscos iminentes para o futuro. “Se a primeira contradição do capitalismo se dá entre as forças produtivas e as relações de produção, a segunda ocorre entre as forças produtivas e as condições de produção (trabalhadores, espaço urbano, natureza)”, observou James O'Connor, editor da revista norte-americana Capitalism, Nature and Socialism. Hoje, não existe a contradição principal e a secundária, elas apresentam-se imbricadas. O ecossocialismo pugna em ambas as frentes.


O marxismo renovou-se ao encontrar a ecologia, a problemática de gênero e raça. Não se confirmou a assertiva de que suas categorias teóricas (os modos de produção e a formação econômico-social) seriam demasiado esquemáticas para apreender a sobreposição das esferas ideológica, política e econômica, e a articulação dos processos ecológicos, tecnológicos e culturais que constituem os suportes de sustentabilidade da produção. O marxismo revelou-se aberto às oposições não-classistas e comedido em relação à noção de “progresso”. Atento às forças destrutivas do capitalismo. Reside aí a contribuição do ecologismo à práxismarxista. Em contrapartida, os movimentos ecologistas que estenderam as mãos ao marxismo somaram, à denúncia do produtivismo, a percepção crítica sobre as estruturas sócio-econômicas que impulsionam a ganância.


Ecologia de mercado

Não raros, circunscrevem as mobilizações ecológicas aos temas pontuais, sem contextualizá-las em uma totalidade significativa. Apostam em um “capitalismo limpo”, que combine a “responsabilidade social”, apregoada pelos que elidiram do Estado a obrigação de políticas para erradicar a pobreza, e a “responsabilidade verde”, destacada com ridículas medalhas ao mérito para as empresas que adotam uma praça ou um canteiro de plantas. Abstêm-se de pressionar o aparelho estatal para que tome iniciativas em prol dos setores sociais desfavorecidos e do combalido meio ambiente. Propõem “ecotaxas” aos infratores da legalidade, se tanto. Preocupam-se com os “excessos”, não com o que rotiniza a predação. Tais inhapas são absorvidas pelo status quo, passando a impressão que a ameaça sobre a Terra (Gaia, no dizer de um pioneiro, José Lutzenberger) pode ser revertida com um marketingde “varejo”, prescindindo das políticas de “atacado”.


Se essa parcela de ativistas exprime um discernimento precário ao agir, o mesmo ocorre quando o movimento operário alia-se ao lobby da indústria automobilística para forçar vantagens fiscais. O automóvel, glamourizado e erotizado pela publicidade, é um símbolo do american way of life, da incitação ao consumo individual. Calcula-se que 45% do território de Los Angeles esteja reservado aos carros, incluindo a área viária e os estacionamentos. Em São Paulo, chega-se a algo em torno de 35%. Politicamente correto é investir no transporte coletivo de qualidade, em faixas segregadas para ônibus, trens de superfície, metrôs e bicicletas nas cidades para evitar os congestionamentos, bem como pleitear ferrovias para desafogo dos pesados caminhões de carga nas estradas, que engordam as estatísticas de acidentes com vítimas. Tragédias, aliás, que não se resolvem em mesas redondas com as associações de construtores de veículos automotivos e os consumidores para estudar os dispositivos de freios, o raiado dos pneus, etc. Resolvem-se com o participacionismo social, desde que este postule um outro modo de vida, sob um horizonte civilizacional que supere o fetichismo da mercadoria de rodas.


Os verdes tendem a abstrair da história a defesa ambiental, tecendo uma responsabilização genérica, como se um ascensorista de elevador tivesse idêntica parcela de envolvimento que o proprietário de uma fábrica de celulose. “A culpa é do homem”, são as manchetes jornalísticas nos cadernos especiaissobrea agenda do crescimento sustentável. Vale salientar, contudo, que os ambientalistas europeus fizeram a leitura correta das eleições presidenciais brasileiras. Declararam apoio a Dilma Rousseff, no segundo turno, para que “o voto libertário em Marina Silva paradoxalmente não se transformasse em uma catástrofe para as mulheres, para os direitos humanos e para os direitos da natureza... José Serra não é um socialdemocrata de centro... Por trás dele, a direita mobiliza o que há de pior... preconceitos sexistas, machistas e homofóbicos, junto com interesses econômicos escusos e míopes”. Entre os signatários, Dany Cohn Bendit (Alemanha), Alain Lipietz (França), Philippe Lamberts (Bélgica), Monica Frassoni (Itália).


O bom senso (que veio do frio) não contagiou Marina que, ao invés de dramatizar o momento em que decidia-se a continuidade do projeto representado pelo governo Lula (avanços sociais, participação cidadã, política externa soberana) ou a volta ao neoliberalismo (privatizações, desemprego, corrupção, submissão à Alca e aos EUA), optaram pela neutralidade. Com o que, dois terços dos eleitores do PV penderam para o candidato do atraso, sem um gesto sequer da dirigente-mor para impedir o deslizamento político. A pequenez tirou do partido o papel de educador das massas, despolitizou as escolhas e fez tábua rasa das duras batalhas contra as desigualdades sociais e regionais. Ao contrário de situar os verdes nativos como uma pretensa alternativa, o vergonhoso silêncio erigiu-os em tristes bengalas auxiliares da reação nas urnas.

Esquerda versus Direita

Anthony Giddens (Para além da esquerda e da direita, 1994), mentor da “Terceira Via”, tentou uma síntese superior entre o conservadorismo e o socialismo, os quais teriam sido abatidos pela marcha da globalização e a expansão da reflexividade social. O campo da política, assim, haveria se alterado e cedido terreno aos paradoxos do neoliberalismo. Sua sugestão para “repensar” o Welfare State (o Estado de bem-estar social) foi acolhida pelo primeiro-ministro britânico, e em nada diferenciou-se do receituário de Thatcher/Major. Tony Blair manteve a legislação que flexibilizava e desregulamentava o contrato de trabalho e, com cinismo, explicitou em um discurso a essência da Third Way: “flexibilização sim, mas com fair play”. O livro do sociólogo inglês mostra o quanto a esquerda desceu ao inferno no período, rendendo-se ao Consenso de Washington.


Coube a Norberto Bobbio (Direita e esquerda, 1994) defender a atualidade da díade política que remonta à Revolução Francesa. A esquerda teria como epicentro o valor da “igualdade” (as pessoas são mais iguais que desiguais, socialmente). A direita, o valor da “liberdade” (as pessoas são mais desiguais que iguais, naturalmente). A importância da reflexão, lançada numa época em que o capitalismo triunfante trombeteava o “fim das ideologias”, esteve em (re)legitimar a dualidade político-ideológica. O opúsculo do jurista italiano teve 200 mil exemplares vendidos e 19 traduções em um curto prazo. Como Fênix, o pássaro da mitologia grega, a esquerda renascia depois de assassinada pelas agências internacionais de notícias, que viram na queda do Muro de Berlim (1989) a domesticação da utopia e o desaparecimento da rebeldia e da esperança.


Mas o princípio da igualdade não exaure a conceituação sobre o que significa externar uma atitude anticapitalista. No final do século 19, ser de esquerda era lutar pelos direitos políticos e pelo sufrágio universal. Não mais que isso. Ao longo do século 20, outras bandeiras incorporaram-se ao (nosso) prontuário de lutas identitárias: as ações pelos direitos civis e sociais, contra o colonialismo e pela independência nacional, o combate à hegemonia imperial estadunidense, a equanimidade de gênero, as afirmações étnicas, o respeito às diferenças, a integração dos países latino-americanos, a inversão de prioridades na administração pública e, ainda, a democracia participativa, cuja inspiração acha-se condensada na máxima de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. A partir dos anos 70, surgiu a questão ecológica.


O perfil da esquerda sofreu uma mutação com o tempo, abrindo um leque complexo de temáticas, antes, desapercebidas. Quem nunca mudou foi a burguesia continental, que sempre opôs-se à distribuição de renda, à desconcentração das terras e à socialização do poder político e econômico. Aquela, desde priscas eras, reitera uma contrariedade ao pagamento de impostos. Não porque sejam regressivos ou recolhidos com critérios tributários que penalizam as classes trabalhadoras. Mas porque, com a ascensão de governos democrático-populares na América Latina, os fundos públicos são redirecionados por políticas republicanas à dignificação da vida da população. “Prefiro ser essa metamorfose ambulante / Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, cantava Raul Seixas. Isso, para preservar a coerência com a “justiça social” no enfrentamento à “ordem estabelecida”. Acrescente-se, no metafórico aniversário de 31 anos do PT.

Luiz Marques é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O som que ressoa da Praça Tahrir

Curioso como nunca se ouviu falar em embargo econômico ao Egito por conta daquele país árabe ser governado por um déspota militar há trinta anos.

Não que embargos típicos da relação imperialismo versus terceiro mundo resolvam alguma coisa, no fim das contas praticamente a única prejudicada é a população mais pobre e miserável, o que na maioria das vezes forma quase a totalidade da população.

No Iraque, enquanto perdurou o embargo imposto pela ONU, Sadam Hussein e a elite local contrabandeavam petróleo, mas a povo sofria com a falta de recursos básicos.

Ou então notamos uma discrepância na forma de tratar os diversos Estados. A África do Sul do apartheid sofreu em comparação a Cuba sanções bem mais modestas. O que deixa ainda mais claro o fato que leva as potências internacionais a baixarem sanções e embargos econômicos: a autodeterminação dos povos (leia-se o distanciamento de alguns teimosos países periféricos das pretensões hegemônicas das grandes potenciais).

Hosni Mubarak foi por décadas a fio aliado dessas pretensões e devidamente resguardado senão tratado com louvor por EEUU e Europa Ocidental. Entretanto nas ultimas três semanas tornou-se impossível para estadunidenses e europeus dormirem com o som que ressoava da Praça Tahrir.

Segue entrevista do ex chanceler Celso Amorim à Carta Maior

“É preciso respeitar a decisão do povo de cada país”

O embaixador Celso Amorim, ministro de Relações Exteriores do Brasil por mais de oito anos (dois mandatos do governo Lula e mais um período no governo Itamar Franco), iniciou a conversa telefônica, direto da embaixada do Brasil em Paris, chamando a atenção para a complexidade e o dinamismo do cenário internacional e para o baixo nível de conhecimento que se tem sobre a situação de muitos países. Em entrevista exclusiva à Carta Maior, concedida no início da tarde desta sexta-feira, Celso Amorim analisa os recentes acontecimentos no Oriente Médio e no norte da África e suas possíveis repercussões. Como que para ilustrar o dinamismo mencionado por Amorim, quando a entrevista chegou ao fim, Hosni Mubarak não era mais o presidente do Egito.

Na entrevista, o ex-chanceler brasileiro chama a atenção para o fato de que as revoltas populares que o mundo assiste agora, especialmente na Tunísia e no Egito, acontecem em países considerados “amigos do Ocidente” que não eram alvo de nenhum tipo de sanção por parte da comunidade internacional. “Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada”, avalia. Amorim acredita que uma mudança política no Egito terá impacto em toda a região, cuja extensão ainda é difícil de prever. E defende a política adotada pelo Brasil nos últimos anos apostando na capacidade de diálogo do país, reconhecida e requisitada internacionalmente.

CARTA MAIOR: Qual sua avaliação sobre a rebelião popular no Egito e seus possíveis desdobramentos políticos e geopolíticos na região?

CELSO AMORIM: Uma primeira característica que considero importante destacar é que os protestos que estamos vendo agora são movimentos endógenos. É claro que eles se valem de novas tecnologias e de alguns valores modernos, mas são motivados pela situação interna destes países. O Egito e a Tunísia, cabe assinalar também, não estavam sob sanções por parte do Ocidente. Isso mostra que a posição daqueles que defendem sanções contra o Irã é equivocada. Sanções só reforçam internamente um regime. Uma das expectativas das sanções contra o Irã era atingir a Guarda Revolucionária. Na verdade, só atingem o povo. O Iraque foi submetido a sanções durante anos e Saddam só ficava mais forte. Não havia, repito, sanções contra a Tunísia e o Egito, países considerados amigos do Ocidente e aliados inclusive na guerra contra o terrorismo, implementada pelos Estados Unidos.

Acredito que uma mudança política no Egito terá certamente um impacto em toda região, podendo inclusive provocar uma mudança de relacionamento com países como Israel e Síria. Mas isso dependerá da evolução dos acontecimentos.

CARTA MAIOR: A sucessão de acontecimentos semelhantes em países do Oriente Médio e do Norte da África já pode ser considerada como uma onda capaz de expandir para outros países também?

CELSO AMORIM: Potencialmente, sim. Mas é difícil prever. Depende dos desdobramentos do Egito. Não há dúvida que Mubarak sairá [enquanto concedia a entrevista, a renúncia do ditador egípcio foi confirmada]. A questão é saber como ele sairá. Certamente haverá uma mudança no regime político do Egípcio. Não sabemos ainda em que intensidade. Mas é importante ter em mente que as duas forças organizadas no país são as forças armadas e a Irmandade Islâmica. A Irmandade Islâmica não é nenhum bicho papão. Cabe lembrar que muita gente tem citado a Turquia (que tem um partido islâmico no poder) como um modelo de caminho possível para o Egito.

A influência dos acontecimentos no Egito deve se manifestar em ritmos e intensidades diferentes, dependendo da realidade de cada país. Como a Tunísia nos mostrou, é preciso esperar o inesperado.

CARTA MAIOR: A diplomacia ocidental foi pega de surpresa por esses episódios?

CELSO AMORIM: Certamente que sim. O próprio presidente Obama admitiu isso ao falar dos relatórios dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Ninguém estava esperando o que aconteceu na Tunísia que acabou servindo de estopim para outros países como Yemen e Egito. Nos mais de oito anos que trabalhei como chanceler nunca ouvi uma palavra de crítica sobre a Tunísia. E alguns conceitos fracassaram. Entre eles o de que se o país é pró-ocidental é necessariamente bom. Os Estados Unidos seguem poderosos no cenário internacional, mas frequentemente superestimam essa influência.

Há algumas lições a serem tiradas destes episódios. A primeira delas é que é preciso respeitar os movimentos internos e não querer impor mudanças a partir de fora. As revoltas que vemos agora (na Tunísia e no Egito) iniciaram dentro destes países contra governos pró-ocidentais e não nasceram com características antiocidentais ou anti-imperialistas.

CARTA MAIOR: O Oriente Médio é hoje uma das regiões mais conflituosas do planeta. Os levantes populares que estamos vendo podem ajudar a melhorar esse quadro?

CELSO AMORIM: Creio que teremos agora um quadro mais próximo da realidade. Há uma certa leitura simplificada do Oriente Médio que não leva em conta o que o povo desta região pensa. Não é possível ignorar a existência de organizações como a Irmandade Islâmica ou o Hamas. Se ignoramos fica muito difícil traçar uma estratégia que leve a uma paz estável.

CARTA MAIOR: O jornalista israelense Gideon Levy escreveu ontem no Haaretz dizendo que o Oriente Médio não precisa de estabilidade, referindo-se de modo à crítica à suposta estabilidade atual, que seria, na verdade, sinônimo de pobreza, desigualdade e injustiça. Qual sua opinião sobre essa avaliação?

CELSO AMORIM: De fato, a desigualdade social é uma das causas muito fortes dos problemas que temos nesta região. É um fermento muito grande para revoltas. A verdadeira estabilidade não se resume a ter um determinado governante no poder. Não basta ter eleição. É preciso aceitar o resultado da eleição. Estamos falando de uma região muito complexa, com sentimentos anticoloniais muito fortes. Esse quadro exige uma flexibilidade muito grande e capacidade de diálogo com diferentes interlocutores.

CARTA MAIOR: Qual sua análise sobre a evolução dos acontecimentos no Oriente Médio à luz da política externa praticada durante sua gestão no Itamaraty?

CELSO AMORIM: Como referi antes, nós procuramos manter uma relação ampla com diferentes interlocutores. As críticas que sofremos vieram mais da mídia brasileira do que de outros países. Nossa política em relação ao Irã, por exemplo, não foi para mudar esse país. O objetivo era contribuir para a paz, tentando encontrar uma solução para a questão nuclear. Quem mudou de ideia no meio do caminho foram os Estados Unidos. O próprio El Baradei (ex-diretor geral da Agência de Energia Atômica), que agora voltou a cena no Egito, chegou a dizer, comentando a Declaração de Teerã, que quem estava contra ela é porque, no fundo, não aceitava o sim como resposta.

Acredito que nós precisamos de países com capacidade de ver o mundo com uma visão menos maniqueísta. Agora, todo mundo está chamando Mubarak e Ben Ali de ditadores. Até bem pouco tempo não assim. A maioria da imprensa internacional não os chamava de ditadores. O importante é saber respeitar a vontade e a decisão do povo de cada país. O Brasil tem essa capacidade reconhecida mundialmente. Várias vezes fomos requisitados para ajudar na interlocução entre países. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, por exemplo, nos pediu para ajudar a retomar o diálogo com a Síria. O Brasil tem essa capacidade de diálogo que não demoniza o outro. Essa é a pior coisa que pode acontecer na relação entre os países: demonizar o outro. Não se pode, repito, ignorar a presença da Irmandade Islâmica ou do Hamas. Podemos não gostar destas organizações. Isso é outra coisa. Mas estamos que estar prontos para conversar.

Espero que o Brasil faça jus às expectativas que existem sobre ele, sobre sua capacidade de diálogo e interlocução. Não se trata de mania de grandeza. Nós temos essa capacidade de diálogo e ela é requisitada. Seguramente o Brasil tem a possibilidade, e eu diria mesmo a necessidade, de ter essa participação e ajudar a construir a paz. Até porque esses fatos nos afetam diretamente. Basta ver o preço do petróleo que está aí aumentando em função dos conflitos.