Com
a tradicional festa de abertura repleta de representações teatrais sobre a
história e cultura locais, adornadas por um vasto desfile de manifestações
estéticas e artísticas, teve início em Londres nesta sexta-feira, 27, a 30ª
edição dos Jogos Olímpicos, a última antes de serem realizados pela primeira
vez na América do Sul, mais precisamente no Rio de Janeiro, daqui a quatro
anos.
Com
cerca de 10.000 atletas de 203 países, a disputarem 26 modalidades esportivas,
os jogos tiveram orçamento de aproximadamente 30 bilhões de reais, financiados
evidentemente pelos cofres públicos ingleses em sua maioria. Já o Comitê
Olímpico Internacional, deverá arrecadar a bolada de 23 a 25 bilhões de reais
na soma de direitos de televisão, vendas de produtos licenciados e patrocínios.
Por
conta disso, o evento terá uma das marcas dos tempos modernos, a despeito de
velhos “lemas olímpicos”, que apesar de iniciados na Grécia Antiga não escapam
do culto ao “deus” contemporâneo, o mercado. Medidas de exceção foram tomadas
para preservar os interesses comerciais dos patrocinadores oficiais,
notadamente os da área alimentar, como o McDonalds, que só após muita pressão
“liberou” o fish and
chips que tanto marca
o cardápio dos britânicos.
Com
isso, verifica-se claramente a velha equação de custos públicos com lucros
privados. O governo e, consequentemente, a sociedade locais bancam a maior
parte dos custos e a arrecadação vai majoritariamente para o bolso do COI e
seus respectivos aliados, mantendo tal renda nas esferas de controle da
cartolagem internacional, a exemplo das práticas da FIFA no futebol e suas
confederações de aliados.
Diante
da magnitude do evento, há expectativas de audiências globais extraordinárias.
Estima-se que só a cerimônia de abertura pode ter sido assistida por 4 bilhões
de seres humanos! Decisões das principais modalidades, com alguns dos ídolos
mundiais, devem superar a casa do bilhão de telespectadores. Clichês à parte,
um momento único de congraçamento dos povos e envolvimento coletivo em torno de
uma causa universal, o que tanto urge em tempos de crises do capital e de
regimes políticos, rodeadas por cada vez mais alarmes ambientais.
Exatamente
por isso, reforçou-se outra marca da atualidade: um aparato de guerra para
prover a segurança desejada aos jogos, parte ponderável do orçamento total.
Apesar disso, a G4S, empresa encarregada de treinar e dispor 10 mil
profissionais da área para trabalhar nos cuidados e monitoramento dos eventos e
pessoas, fracassou em sua tarefa, causando uma considerável consternação int
O
fiasco veio à tona quando a apenas duas semanas da abertura o governo inglês
não teve mais como esconder sua falta de confiança na empresa e convocou em
caráter de urgência 3.500 integrantes de suas forças armadas para trabalharem
nas ruas de Londres. O fato causou indignação no parlamento e na população, uma
vez que vários recrutas tinham outras missões a cumprir, ou delas voltavam,
dentre elas o nada “olímpico” Afeganistão. Fora o fato de terem se passado sete
anos desde a escolha da cidade como sede.
Com
isso, passou a se notar certo clima de tensão, até relatado pela mídia, entre
os novos “voluntários” dos jogos e os torcedores, vindos de todos os cantos do
mundo, de todos os estilos e espécies turísticas. Aliado a estratégias
neuróticas de revista e monitoramento dos presentes nas competições e à enorme
lista de proibições de objetos e alimentos tolerados nas arenas (inclusive
qualquer imagem de Che Guevara), tornam-se um tanto ostensivas as facetas
comerciais e militares, dentro de algo que deveria ser presenciado em clima de
despreocupação e festa, ao menos se comparamos com outras questões mais
complexas da vida humana. Mas a bomba que matou duas pessoas e feriu outras 100
nos jogos de 1996, em Atlanta (EUA), não saem da memória, sem esquecer, mais
atrás, do trágico assassinato de 11 atletas israelenses em Munique, 1972, por
membros do Setembro Negro.
De
toda forma, antecipa as mesmas operações de segurança que veremos por aqui, com
a diferença que nossas forças de segurança são acostumadas a atuar na mais
absurda ilegalidade e truculência contra seu “inimigo interno” de cada dia.
Precisaremos estar atentos a possíveis violências contra os habitantes mais
pobres do Rio de Janeiro, que certamente serão tratados como seus congêneres
baianos em trios elétricos de carnaval, vendo do lado de fora uma festa para
poucos e visitantes.
Para
preservar os interesses dos patrocinadores oficiais, uma série de leis de
exceção já são editadas desde já (assim como o foram em Londres), tornando
crime diversas formas prosaicas de comércio, a partir de mínimas associações de
seus produtos com as Olimpíadas, seus símbolos e imagens icônicas. Toda
concorrência “extra-oficial”, entre aspas para evitar um tratamento “marginal”
aos milhares de comércios e trabalhadores que não podem assinar contratos com o
COI, será combatida e afastada dos locais de competições.
Tratando
da parte aprazível, não faltará diversão aos telespectadores, pois não há época
igual para acompanhar e se entusiasmar com modalidades sempre ignoradas do
noticiário, heróis de ocasião cujas histórias impregnam nas mentes humanas e as
esperadas consagrações de atletas que ficarão imortalizados em suas
especialidades.
Com
competições que começam e geralmente se definem em um ou dois dias, não haverá
instante em que alguma medalha não esteja sendo colocada no peito de algum(a)
atleta. A maioria das competições tem disputas ou performances de curta
duração, de modo que se pode acompanhar de forma mais palpitante os esportes
com os quais temos menos intimidade – e avançar um pouco em sua compreensão e
divulgação, se o Brasil realmente se pretende uma potência olímpica. São poucos
esportes, como o futebol, o basquete ou a vela, em que uma disputa dura tanto
tempo, nesses casos, duas ou mais horas.
Além
do mais, não faltará cobertura midiática. Pela primeira, e provavelmente única,
vez na história a Rede Globo não transmitirá o maior evento do esporte mundial,
ao lado da Copa do Mundo. Por 60 milhões de dólares, a Record ganhou a corrida
e ficou com os direitos exclusivos de transmissão, o que na prática só valerá
para a televisão aberta.
A
Sportv, emissora fechada da própria Globo, desembolsou 22 milhões de reais e
disporá de quatro canais diários cobrindo os eventos 24 horas por dia. ESPN
(três canais), Band (dois canais, Sports e News), Esporte Interativo e o
próprio braço da TV de Edir Macedo, a Record News, formam a lista dos canais
que cobrirão as Olimpíadas na televisão por assinatura. Uma overdose, a ser
reforçada pela mesma Globo em 2016, que redobrou esforços para não ficar de
fora da festa dentro de seu próprio quintal.
Ao
todo, o COI arrecadou 4 bilhões de dólares em direitos de televisão, número com
alta probabilidade de ser superado pela edição carioca, que já garantiu 3,7
bilhões, com quatros anos ainda pela frente, tempo de sobra para novos
contratos. Os ingleses fecharam 11 patrocinadores; para 2016, já existem 10
garantidos, o que também ressalta o momento econômico das grandes, e cada vez
mais transnacionais, empresas brasileiras.
Rompendo
definitivamente com certas ilusões, a terceira Olimpíada londrina (as outras foram
em 1908 e 1948) não dará contribuição alguma, a não ser moral, “espiritual”, à
complicada conjuntura econômica britânica. Servirá como um bom anestésico a ser
aplicado por 17 dias consecutivos no combate às agruras do mundo capitalista em
crise. Aliás, crise financeira é algo que não existe no principal escalão do
mundo esportivo.
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